O papel decisivo da liderança

Por Bob Avakian

Devido à importância do tema tratado, publicamos o seguinte artigo de Bob Avakian, Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA.

O artigo foi extraído do livro O NOVO COMUNISMO e corresponde à 1ª secção da 4ª Parte, “A liderança de que precisamos”. Úm dos exemplos abordados é o caso da elite dirigente angolana de que recentemente houve bastantes notícias que apenas confirmam a justeza desta análise.

Este livro, cujo título completo é O NOVO COMUNISMO; A Ciência, a Estratégia e a Liderança para Uma Revolução Concreta e Uma Sociedade Radicalmente Nova na Via para a Verdadeira Emancipação (Chicago, Insight Press, 2016), está presentemente a ser traduzido para português por uma equipa de camaradas e contamos disponibilizá-lo em breve. A versão integral está disponível em inglês a partir de revcom.us/avakian/science/ba-the-new-communism-en.html e em castelhano a partir de revcom.us/avakian/science/ba-el-comunismo-nuevo-es.html.

Comecemos com uma questão muito elementar: A liderança é decisiva. Como disse Mao, onde há opressão, haverá resistência: as massas populares oprimidas irão levantar-se repetidamente e resistir contra a sua opressão. Mas para onde vai essa luta e se é possível levá-la a cabo durante todo o caminho rumo a uma revolução emancipadora, a uma nova sociedade e, por fim, a um novo mundo, sem exploração nem opressão e sem todo o sofrimento e destruição que lhes estão associados, isso depende da liderança — da linha, da mundivisão, do método e abordagem, da estratégia e do programa da força que conquiste a liderança da luta contra a opressão.

Note-se que eu disse “a força que conquiste a liderança”. Porque é que eu o exprimi assim — e qual é a importância disto? Bem, uma das coisas que se está a enfatizar é que irá sempre haver uma luta sobre quem irá ficar na posição dirigente e, por isso, sobre para onde estão a ser conduzidas as coisas sob essa liderança. Não é uma questão de as coisas caírem nas mãos de alguém — a menos que seja da classe dominante, ou de outras forças que terão a espontaneidade a favor delas e irão levar as coisas numa direção errada —, mas, sobretudo se a liderança de que as massas de facto precisam, para fazerem a revolução de que precisam, realmente vier a conquistar a posição dirigente, será um processo de luta complexa, sim, e por vezes muito feroz. Uma vez mais, se pensarmos que é apenas uma questão de que as massas acabarão por ver a necessidade de uma revolução e virão procurar-nos e pedir-nos para as liderarmos — bem, iremos ter uma surpresa muito má! Mesmo que algo assim pudesse acontecer, não conseguiríamos lidar corretamente com isso, caso fosse essa a nossa orientação e abordagem. Tem que haver uma luta — isto retoma o que foi assinalado há pouco, de que grande parte da luta que levamos a cabo, particularmente na esfera ideológica, é uma luta contra outras linhas e programas que não emanam diretamente da classe dominante, nem a representam, antes são mais representativos de estratos médios, mas que, contudo, levam as pessoas de volta aos mortíferos limites e dinâmicas deste sistema, ou que as mantêm amarradas a deles.

Ora, mencionei antes o livro A Máquina de Pilhagem. O título completo é A Máquina de Pilhagem: Senhores da Guerra, Oligarcas, Corporações, Traficantes e o Roubo das Riquezas de África. O autor, Tom Burgis, começa o primeiro capítulo do livro a falar sobre a Chicala, que é um bairro de lata em Luanda, a cidade capital de Angola; e fala sobre como o muro que separa a Chicala do resto da cidade não é muito mais que imensas águas de esgotos, bem como medo. Isto recordou-me uma coisa que eu escrevi antes sobre as crianças que brincam no meio de pilhas de lixo e desperdícios humanos em Luanda e noutras zonas de Angola, enquanto a poucos quilómetros de distância há grandes edifícios que funcionam como monumentos cintilantes ao poder dos ricos. Agora vê-se isso na China, em Xangai e noutras cidades, e até em Luanda e lugares semelhantes — estes arranha-céus cintilantes, símbolos dessa imensa riqueza nas mãos de muito poucas pessoas. E Angola é um exemplo particularmente pungente, porque a força que agora governa Angola é a continuação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que foi a força nacionalista que liderou a luta contra o colonialismo português que dominava Angola e, posteriormente, a guerra civil contra as forças apoiadas pela África do Sul do apartheid e pelos Estados Unidos. Todas estas lutas em Angola duraram várias décadas. A clique que agora governa Angola vem diretamente disso — os atuais dirigentes do país são os líderes do MPLA de então e os que lhes sucederam. Burgis assinala que a filha do dirigente do MPLA — Isabel dos Santos — é a primeira mulher em África a ter mais de mil milhões de dólares. Não será isto um brilhante exemplo de “empoderamento”!? Podemos ouvir os sequazes e os porta-vozes do sistema a celebrar isto — uma mulher em África com mais de mil milhões de dólares —, ao mesmo tempo que vemos essa imagem viva do lixo e dos desperdícios reais em que vivem as massas populares, à volta desses símbolos cintilantes de toda essa riqueza que, num sentido real, foi saqueada a esses países e às massas populares.

Ao se ler isto, poder-se-ia pensar — e muitas pessoas pensariam —que tragédia que isto é, que situação horrível, que corrupção terrível. Algumas pessoas iriam assinalar o papel das empresas multinacionais em tudo isto e falariam sobre como as empresas têm demasiado poder, e nos dias de hoje talvez algumas pessoas falem no imperialismo, em algum sentido geral. Ora, talvez tudo isso pode vá na direção correta e com o espírito correto, mas o que me impressionou imediatamente, quando comecei a ler este livro — e o que me impressionou repetidamente ao lê-lo — foi como isto clama gritantemente pela necessidade de uma verdadeira transformação socialista destas sociedades. Uma vez mais, estamos de regresso à questão do modo de produção e à contundente realidade de que sem uma liderança que se baseie numa compreensão científica de tudo isto, acabar-se-á numa situação terrível, apesar da luta e do sacrifício das massas populares, incluindo a luta e os sacrifícios das forças que as lideram. Por outras palavras, a liderança em lugares como Angola acaba por dizer coisas como: “Aprendemos que o dinheiro é poder — se não se tem dinheiro, não se pode fazer nada.” Portanto, tal como os revisionistas na China, que levaram a China de regresso à via capitalista, ao mesmo tempo que continuavam a fingir ser comunistas em algum sentido vago, estas forças em lugares como Angola dedicam-se a acumular riqueza por meios capitalistas, com a alegação de que isto, de alguma maneira, beneficia as massas populares. Na China, tinham literalmente o lema “Enriquecer é glorioso” — elas substituíram o lema do tempo de Mao, “Servir o povo”, pelo lema “Enriquecer é glorioso”. Lembro-me de ouvir uma história sobre um quadro do partido na China, depois de ter ocorrido o golpe de estado revisionista e de terem abandonado o lema de “Servir o povo” e a orientação de servir o povo através de se fazer avançar a revolução, e de terem começado a dizer que todos deveriam tentar enriquecer porque isso iria beneficiar o país. E esse quadro do Partido Comunista da China, então sob essa liderança revisionista que estava a promover essa linha burguesa, de facto disse a outro quadro do partido: “Bem, sabes, costumávamos falar em servir as pessoas; mas será que eu não sou uma pessoa?” Portanto, podemos ver como a corrupção ideológica se instala quando a linha dominante muda desta maneira e é propagandeada à população, mesmo em pessoas que indubitavelmente antes tinham melhores critérios. Elas ficam presas a esta ideia de que, se todos nos dedicarmos aos nossos próprios interesses, iremos ganhar muito dinheiro e depois poderemos fazer algo que beneficie as massas populares pobres. Portanto, este lema, “Enriquecer é glorioso”, visava inspirar as pessoas a ganharem muito dinheiro, e isso iria desenvolver a economia e ajudar as pessoas. E, quando se lê A Máquina de Pilhagem, vê-se essa racionalização a ser repetida pelos chefes de governo de diferentes países africanos: Bem, se acumularmos muita riqueza, então podemos fazer algo pelo povo.

Ora, repetindo, muitas destas pessoas combateram durante décadas em condições muito difíceis. Enfrentaram a África do Sul do apartheid, que nessa época era um país muito poderoso, e era apoiada pelos EUA, ainda que ao mesmo tempo a classe dominante dos Estados Unidos fingisse opor-se ao apartheid. Face a tudo isto, o MPLA em Angola apoiava-se, de certa maneira, na União Soviética, o que era um verdadeiro problema, mas eles levaram a cabo uma imensa luta de autossacrifício. Porque é que as coisas acabaram assim? Bem, houve grandes mudanças no mundo e nas relações mundiais, incluindo o facto de a União Soviética, enquanto tal, ter colapsado e o seu império ter deixado de existir na sua forma anterior, com o social-imperialismo (socialismo no nome, mas imperialismo na realidade) soviético a ser substituído por uma Rússia abertamente capitalista-imperialista, e com a China agora na via do capitalismo. Tudo isto gerou desorientação, o que foi ainda mais agravado porque as pessoas não eram suficientemente científicas. As forças como o MPLA eram ecléticas — o ponto de vista delas era uma mescla de nacionalismo com alguns aspectos do comunismo, não era uma abordagem comunista consistentemente científica. E por isso, quando surgiram estas novas condições, o que é que acabaram por fazer? Tornaram-se exploradores nouveau bourgeois [novos burgueses] e, ao mesmo tempo, cúmplices (e basicamente apêndices) do imperialismo, acumulando imensas riquezas para si mesmas, às costas das massas populares.

Aqui regressamos a uma questão que foi assinalada no início desta apresentação, sobre a base e a superstrutura — o sistema económico, o modo de produção, e a maneira como ele estabelece as condições para as coisas na sociedade em geral, e a maneira como, por sua vez, a superstrutura que emerge sobre essa base económica serve para a reforçar. Por outras palavras, a superestrutura política e ideológica — o sistema político, as leis, a cultura, as ideias que preponderam na sociedade — tem que estar em conformidade com esse modo de produção, ou a sociedade não pode funcionar. Portanto, se alguém vai pelo caminho de dizer “vamos usar meios capitalistas para obter muita riqueza”, se é esse o modo de produção que está em ação, então tem que haver uma superestrutura de leis, instituições políticas, cultura e ideologia, e tudo o resto, que corresponda a esse sistema capitalista e o reforce, mesmo que antes tivesse um outro conjunto de ideias.

Pensem nisto especificamente em termos da cultura e da ideologia. Falei sobre isto antes, a ideia que a burguesa está sempre a promover — de que a grande coisa sobre a sociedade burguesa, a grande mudança que criou, foi elevar o indivíduo ao primeiro lugar da sociedade, realçando a inviolabilidade do indivíduo e a importância dos direitos individuais. Expliquei como isso é uma farsa total e está em total conflito com a maneira como a sociedade burguesa de facto opera — explorando as massas populares e esmagando e pulverizando literalmente milhares de milhões de pessoas em todo o mundo. Mas a ideia do individualismo está muito de acordo com o explorador modo de produção burguês e está muito ao serviço dele. A ideia de que todas as pessoas se devem preocupar consigo mesmas é reforçada pelo facto de elas estarem em concorrência com todas as outras pessoas — por empregos, promoções, bolsas de estudo, admissões à universidade, o que quer que possa ser. Portanto, isso é encorajado e promovido pelo modo de produção, pela maneira como funciona o sistema económico e pela maneira como ele afeta as pessoas. E depois, na superstrutura, isso é reforçado pela ideia de que o mais importante é o “eu” — o “eu” é o centro de tudo. Independentemente de tudo o resto que esteja a acontecer no mundo, o mais importante, aquilo com que uma pessoa se deve preocupar, acima de tudo, é consigo mesma. Essa é a única maneira de se poder estar no mundo. Isto é constantemente bombardeado às pessoas, e isto é constantemente reforçado, mesmo quando as pessoas tentam romper com isso. É necessária uma imensa luta para se sair do quadro em que tudo o que é dito e feito se resume a “Eu sou a coisa mais importante no mundo.” E, além da maneira como isto anda de mãos dadas com a noção burguesa de que lutar pela aquisição individual, pela acumulação privada de riqueza, é a mais legítima e produtiva força motriz do desenvolvimento social, isso está de acordo com os interesses da classe dominante porque, quando há uma sociedade em que todos pensam dessa maneira, nunca será possível concretizar nenhum tipo de transformação social significativa. As pessoas irão continuar atoladas num sistema em que são exploradas e oprimidas, mas em que todas se preocupam apenas consigo mesmas, em concorrência com todas as outras.

Agora imaginem que havia uma superestrutura radicalmente diferente — que havia uma arte e uma cultura, ampla e consistentemente disseminadas na televisão, na internet, etc., que promovessem a ideia de que as pessoas devem pensar antes de tudo no bem maior das pessoas do mundo inteiro, em vez de em si mesmas. Isso iria certamente minar a maneira como este sistema funciona. Ou vejamos um outro exemplo de como a superestrutura tem que estar relacionada com a base. Se virem os anúncios ou as notícias na televisão, estão sempre a promover os empreendedores, as pessoas que criam pequenas empresas; há anúncios de cartões de visita para que as pessoas possam divulgar as empresas delas de uma maneira mais eficaz; e “Ah, tive uma ideia brilhante de fazer queques, por isso criei uma empresa”; e assim sucessivamente. Agora imaginem que, em vez disso, estivessem constantemente a dizer a verdade às pessoas: “Não é assim tão frequente que uma pequena empresa se torne numa empresa muito lucrativa; uma grande percentagem das pequenas empresas fracassam, mais cedo ou mais tarde, e muitas fracassam rapidamente; por isso, esqueçam, não fiquem totalmente presos à mitologia do empreendedorismo.” Imaginem que de cada vez que ligassem a televisão ouviam este tipo de mensagem! Bem, isso não iria estar ao serviço do funcionamento deste sistema. Eles querem que as pessoas pensem que todos podem ter êxito nos negócios, se tentarem arduamente e se tiverem a iniciativa certa. Na realidade, claro, só um pequeno número de pessoas pode de facto converter-se em grandes capitalistas mas, para os grandes capitalistas, e para o sistema em geral, é muito bom que todos pensem que podem ter uma oportunidade de o serem. Portanto, se fosse promovido todo um conjunto de ideias que de facto dissessem às pessoas a verdade sobre isso, então isso seria completamente minado.

E imaginem que programa atrás de programa na televisão, e tudo o que se vê na internet, estivessem a dizer às pessoas: “Vejam, sejamos honestos connosco mesmos. A razão porque os Estados Unidos são tão ricos e poderosos não é que houve muitas pessoas a criar inovações em muitas coisas. Foi porque trouxemos acorrentados de África milhões de pessoas e forçámo-las desapiedadamente a produzir riqueza, ao mesmo tempo que exterminávamos vastos setores da população indígena e roubávamos as terras deles; através de uma guerra de agressão, apoderámo-nos de metade do território do México e expandimos o sistema esclavagista a grandes extensões desse território; apoderámo-nos de territórios como as Filipinas e Porto Rico como colónias, enquanto avançávamos para dominar cada vez mais partes do mundo; e agora estamos a fazer pilhagens em todo o mundo, sobretudo no terceiro mundo, agrilhoando desapiedadamente extensos setores da humanidade à nossa inexorável máquina de exploração, ameaçando e desencadeando massacres e destruição em massa para impor tudo isto. É realmente por isso que somos tão ricos e poderosos.” Bem, haveria sempre alguns imbecis a dizer: “Tudo bem, desde que eu receba a minha parte.” Mas muitas pessoas diriam: “Esperem um minuto, foi assim que tudo isto aconteceu? O que é que está a acontecer aqui? Eu não quero viver num mundo em que é isso o que estamos a fazer.” Portanto, não é possível que haja ideias dominantes na superstrutura, na cultura, nos meios de comunicação e por aí adiante, que estejam completamente em desacordo com o funcionamento do sistema económico subjacente e os interesses e necessidades da classe dominante desse sistema — a qual é, num sentido real, como disse Marx, a personificação das dinâmicas exploradoras desse sistema.

Foi isto que aconteceu com a restauração do capitalismo na China, e com o que estão a fazer as elites dominantes em países como Angola. Se se vai avançar pela via capitalista e usar o modo de produção capitalista como a base económica da sociedade e como meio de acumular riqueza, então tem que se promover as ideias que estão associadas a isso — como a ideia de que se algumas pessoas ganharem muito dinheiro, então será possível fazer algo que beneficie as massas populares, ainda que se esteja a explorar e a oprimir brutalmente as massas populares e a colaborar com os exploradores capitalistas de outros países. (E, hoje em dia, a China desempenha um grande papel na pilhagem de África e na exploração das pessoas nesse continente.) Devido a isto, vê-se que é o sistema económico que irá definir os termos para que tipo de estrutura política, mas também que tipo de ideias, são instituídos e promovidos para reforçar esse sistema económico.

Só com uma vanguarda que tenha uma abordagem científica e entenda que é necessário transformar o modo de produção, de uma maneira fundamental, e, juntamente com isso, todos os outros aspectos das “4 Todas”, é que será possível lidar corretamente com esta gritante contradição entre, por um lado, a imensa riqueza natural nesses países e, por outro lado, a terrível situação das pessoas, em que, ao mesmo tempo que um pequeno punhado de pessoas se torna incrivelmente rico e alguns outros estratos sociais se elevem para posições privilegiadas de classe média, as massas populares estão acorrentadas à pobreza e à miséria. Isto leva-nos de volta à seguinte questão básica: há toda esta imensa riqueza, mas se há um modo de produção que se baseia na acumulação capitalista — neste caso, os capitalistas locais em cumplicidade com o capital internacional do sistema imperialista — não há nenhuma maneira de que essa imensa riqueza natural venha a ser utilizada em benefício das massas populares, e sobretudo da necessidade de elas se libertarem da exploração, e da pobreza e da miséria que resultam disso.

A Máquina de Pilhagem analisa vários países diferentes, e esta mesma questão fundamental chama repetidamente a atenção. E novamente Angola é um caso particularmente agudo e pungente disto, devido a toda a luta anticolonial que aí teve lugar. Não é como se estivéssemos a lidar com pessoas que simplesmente sempre tenham sido lacaios e fantoches corruptos do imperialismo — e isto torna muito mais doloroso ver esta aguda contradição entre a riqueza natural, e a riqueza de um pequeno punhado de pessoas, por um lado, e as miseráveis condições das massas populares, por outro lado. Mas, claro, não é isso que muitas pessoas irão perceber espontaneamente ao lerem um livro como este. Em vez disso, o que provavelmente irão concluir é: “Estão a ver, as revoluções, todas elas acabam mal, as pessoas que lideram revoluções ficam poderosas e tornam-se corruptas — o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”, toda a maneira de pensar espontânea de inspiração burguesa em que as pessoas estão condicionadas a cair — quando a verdadeira e profunda lição é exatamente a oposta a essa, e está mesmo à frente delas, se tiverem olhos — ou seja, o método e a abordagem científicos — para a ver. Esta é uma lição muito importante que a vida nos está constantemente a ensinar, desde que se tenha uma abordagem materialista dialética científica à realidade. Sem ela, claro, só resta às pessoas retirarem todas as conclusões erradas, todas as lições erradas do que acontece repetidamente às massas populares.

Aqui fica um outro exemplo gritante: El Salvador. É um país onde, na década de 1980, havia forças revolucionárias a lutar contra regimes mantidos no poder pelos Estados Unidos, mas forças revolucionárias que não eram inteiramente revolucionárias. Elas eram essencialmente forças revisionistas, com alguma aparência externa comunista, mas com um programa que equivalia a tentar mudar as coisas dentro do quadro existente, e não a fazer uma revolução total. Contudo, elas lutaram, e sacrificaram-se enormemente, na luta contra esses regimes — terríveis regimes assassinos — que tinham sido impostos pelos Estados Unidos. E depois veio o colapso da União Soviética, e essas forças em El Salvador estavam a contar com o apoio dela, e a seguir Cuba não conseguiu dar muito apoio a essas forças, porque a própria Cuba também dependia do apoio da União Soviética. De modo que o movimento em El Salvador desistiu de pretender ser uma revolução, abandonou todos os aspectos da luta armada e integrou-se na estrutura dominante existente, tornando-se um partido político a atuar dentro do sistema eleitoral existente e do quadro do sistema existente em geral. E entretanto, o que estava a acontecer? No decurso dessa guerra que ocorreu em El Salvador na década de 1980, e devido às condições desesperadas das massas nesse país, muitas pessoas fugiram para norte, acabando no México, ou mesmo acabando nos Estados Unidos e estabelecendo-se nas zonas urbanas. Ora, elas viram-se perante as condições que os imigrantes enfrentam nos Estados Unidos — muitos deles indocumentados, forçados a viver na sombra. E muitos jovens cresceram nas condições dos bairros marginalizados das cidades e adotaram a cultura desses bairros, a qual era fortemente influenciada pela vida dos gangues. Portanto, havia aí muitos desses jovens de El Salvador cujas famílias tinham sido forçadas a sair do país delas devido ao que estavam a fazer às pessoas nesse país o imperialismo e os regimes que o imperialismo lhe tinha imposto. Eles vieram para os Estados Unidos, viram-se aprisionados nas condições em que vivem muitos imigrantes aqui, e muitos jovens entraram nos gangues. E então, o que é que aconteceu? A certa altura, muitos destes imigrantes, incluindo muitos destes jovens, foram expulsos dos Estados Unidos — forçados a voltar a El Salvador, de regresso a condições que continuavam a ser de desespero para as massas populares. E muitos dos jovens pegaram na cultura dos gangues e nas estruturas dos gangues de que tinham feito parte, em resultado de viverem nas zonas urbanas dos Estados Unidos, e estabeleceram isso em El Salvador. Começou a haver terríveis guerras de gangues em El Salvador, a uma escala que nunca antes aí tinha sido vista.

Portanto, vê-se aqui o funcionamento do imperialismo, mas também se vê o que acontece quando há uma força, como a que houve em El Salvador na década de 1980, que luta contra o sistema opressor existente, mas que não se baseia realmente numa plena abordagem comunista revolucionária científica, e acaba por fazer compromissos com esse sistema. Há esta horrível mistura de condições — em que os jovens se chacinam uns aos outros, e as pessoas em geral nas favelas de El Salvador ficam presas nesses terríveis conflitos entre os gangues, adicionando mais um elemento mortal às condições de opressão impostas pelo sistema em geral.

Tudo isto enfatiza uma vez mais o que realmente precisa de sobressair de tudo isto: sem uma verdadeira liderança comunista, as massas populares serão sempre submetidas a horror atrás de horror atrás de horror, ainda que as suas formas específicas possam mudar, de uma ou de outra maneira.

Posted in Uncategorized | Leave a comment

Breakthroughs (Abrindo Brechas)

O avanço histórico realizado por Marx
e o novo avanço histórico do novo comunismo

Um resumo básico

Por Bob Avakian

(Pré-publicação em português)

Acaba de ser publicada em português numa edição especial (n.º 5, outono de 2019) da revista Demarcations: A Journal of Communist Theory and Polemic [Demarcações: Uma revista de teoria e polêmica comunistas] a obra Breakthroughs (Abrindo Brechas): O avanço histórico realizado por Marx e o novo avanço histórico do novo comunismo — Um resumo básico, de Bob Avakian.

Esta obra, publicada originalmente em inglês e espanhol no sítio revcom.us, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA, está agora disponível também em português, bem como em farsi e parcialmente em turco e alemão.

A obra está disponível em demarcations-journal.org.

Posted in Uncategorized | Leave a comment

Três alternativas para o mundo

Por Bob Avakian

Do livro Observations on Art and Culture, Science and Philosophy [Observações sobre Arte e Cultura, Ciência e Filosofia], publicado no jornal Revolution/Revolución n.º 13, 28 de agosto de 2005, revcom.us/a/013/avakian-three-alternative-worlds.htm (em inglês) e revcom.us/a/013/avakian-tres-alternativas-mundo-s.htm (em espanhol).

Esta seleção é da 6ª Parte da palestra Ditadura e Democracia, e a Transição do Socialismo para o Comunismo, de Bob Avakian, que também está disponível em inglês em revcom.us/bob_avakian/new_speech/avakian_democracy_dictatorship_speech.htm e em espanhol em revcom.us/avakian-es/ba-dictadura-y-democracia-es.html.

Bob Avakian é o líder do Partido Comunista Revolucionário, EUA, e muito mais que isso: é um pensador inovador e crítico que elevou o marxismo a um novo nível. É um comentador singular sobre o basquetebol, a religião, a música doo-wop e a ciência. É também um lutador incansável contra a opressão, que não abandonou nem a sua solene claridade das metas nem o seu sentido do humor.

Convidamos a conhecer este líder revolucionário através desta passagem da coleção de ensaios Observations on Art and Culture, Science and Philosophy. Também te exortamos a visitar os sítios internet bobavakian.net e revcom.us para ouvires uma série de palestras que exploram a teoria comunista e a aplicam a uma impressionante diversidade de temas, entre os quais figuram as questões que se apresentam com urgência e força na atual situaçãol.

Três alternativas para o mundo

Por Bob Avakian

Basicamente vejo três alternativas possíveis para a mudança no mundo de hoje, especialmente em termos da transformação socialista da sociedade.

A primeira é o mundo tal como ele é. De jeito nenhum! [Risos].

A segunda é, em certo sentido, quase literalmente, e mecanicamente, virar o jogo. Ou seja, os hoje explorados não serão explorados da mesma maneira e os que dominam a sociedade não poderão dominar a sociedade de uma maneira significativa. A estrutura econômica básica da sociedade e algumas das relações sociais e formas de poder político irão mudar, e alguns aspectos da cultura e da ideologia irão mudar, mas, fundamentalmente, as massas não serão cada vez mais e mais e com grandes saltos incorporadas realmente no processo de transformação da sociedade. Na verdade, essa visão corresponde a uma sociedade revisionista. Se recordam da União Soviética quando era revisionista, essencialmente capitalista e imperialista, mas ainda socialista no nome? Às críticas por supostas ou reais violações dos direitos humanos, os soviéticos respondiam: “Como podem, vocês do Ocidente, nos criticar por violações dos direitos humanos? Em suas sociedades, não procurem mais que todos os desempregados! Haverá um direito mais básico que o direito ao trabalho?”.

Eles estavam certos? Sim, até certo ponto, mas, basicamente, o que propunham, a visão da sociedade que eles projetavam era de uma sociedade de assistência social, onde o papel básico das massas é o mesmo que no capitalismo clássico. Os direitos das pessoas não se devem limitar ao direito ao emprego e à renda, ainda que isso seja elementar. Vamos transformar a sociedade para que, em todos os aspectos (não apenas economicamente, mas também social, política, ideológica e culturalmente), seja superior à sociedade capitalista? Uma sociedade que não apenas atenda as necessidades das pessoas mas também seja caracterizada cada vez mais pela expressão consciente e pela iniciativa das massas.

Esta é uma transformação muito mais fundamental do que uma sociedade de assistência social, socialista no nome, mas essencialmente capitalista, em que o papel das massas é limitado, em grande parte, a produzir riqueza, mas não a discutir e definir os assuntos da transformação do estado, da direção da sociedade, da cultura, filosofia, ciência, artes, etc. O modelo revisionista é uma visão economicista estreita do socialismo. Reduz a atividade das massas à esfera econômica de maneira muito estreita, apenas o seu bem-estar econômico. Nem sequer pensa na transformação das perspectivas das pessoas enquanto elas, por seu lado, mudam o mundo em torno delas.

Não é possível criar uma nova sociedade e um novo mundo com a visão do mundo que nos ensinam nesta sociedade. Não é possível haver uma transformação revolucionaria de verdade, a abolição das relações sociais, econômicas e políticas desiguais, se as pessoas continuarem a abordar o mundo da maneira como estão condicionadas, limitadas e restringidas a abordar agora. Será que você será capaz de assumir a tarefa de conscientemente mudar o mundo, tendo a mesma visão do mundo e abordagem ao mundo que você tem neste sistema? Impossível! Esta situação irá simplesmente reproduzir as grandes desigualdades em todas as esferas da sociedade que eu tenho assinalado.

A terceira alternativa é uma ruptura radical de verdade. No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels disseram que a revolução comunista representa uma ruptura radical com as relações tradicionais de propriedade e as ideias tradicionais, e não é possível fazer uma ruptura sem a outra. Elas se reforçam mutuamente, de uma forma ou de outra.

Em uma sociedade em que o papel fundamental das mulheres é serem reprodutoras de crianças, como pode haver igualdade entre o homem e a mulher? Claro que não! Não atacando e varrendo as tradições, a moralidade e outros fatores que reforçam esse papel, será que é possível transformar as relações entre homens e mulheres e abolir as desigualdades profundas que impõem a divisão da sociedade em opressores e oprimidos, exploradores e explorados? Impossível!

Assim, a terceira alternativa é uma profunda ruptura radical em todas as esferas, em outras palavras, uma síntese radicalmente diferente, é uma sociedade e um mundo em que a grande maioria queira viver. Uma sociedade que não vive ao dia, preocupada sobre como irão alimentar a família ou o que irão fazer se ficarem doentes e tiverem que pagar o médico. Mas, por mais importante que isso seja, também é muito mais: é uma sociedade em que as pessoas estão enfrentando mais e mais todas as diferentes esferas da sociedade, aprendendo e as tornando suas.

A criação de tal sociedade e mundo é um grande desafio, algo muito mais profundo do que apenas mudar algumas formas de propriedade da economia e garantir o bem-estar social, mas em que continua havendo a situação em que poucos estão no comando disso para as massas, e a ciência, as artes, a filosofia e outras áreas permanecem basicamente o campo de poucos.

Dar esse salto de verdade é a luta histórica mundial monumental que iniciamos desde a revolução russa (excluindo a experiência muito curta e limitada da Comuna de Paris). Esta luta atingiu o seu ponto alto com a revolução chinesa e, especialmente, a Revolução Cultural, mas ela sofreu um revés temporário.

Temos que fazer um balanço profundo de toda essa experiência e dar outro salto, e temos que enfrentar alguns problemas muito sérios e complexos para seguir em frente e aprender com o melhor do passado e avançar ainda mais e fazer ainda melhor no futuro.

Posted in Uncategorized | Leave a comment

A revolução de que o Brasil precisa

Um novo despertar está acontecendo no Brasil.

Durante anos, o Brasil foi proclamado ao mundo como um dos novos motores do desenvolvimento global, prova do poder da recuperação e da renovação do capitalismo mundial. O país seria a demonstração de um novo modelo para se atingir uma melhoria gradual mas permanente na vida das pessoas, o que amarraria as suas esperanças e destino a esse mesmo sistema capitalista. E quem melhor para liderar este processo que ex-revolucionários e actuais defensores de reformas sociais que poderiam fazer valer as suas credenciais de defensores dos oprimidos à medida que se tornam em agentes preferidos do FMI e do Banco Mundial?
Mas a realidade social deste “milagre” explodiu perante a gigantesca revolta popular de junho. Centenas de milhares de pessoas se ergueram em revolta e esta justa indignação tem sido apoiada por vastos setores da população brasileira. Ao rejeitarem as extravagantes despesas de o país ser o anfitrião da Copa 2014, os brasileiros mostraram ousadamente que não se satisfarão com o futebol, o carnaval e a Bolsa Família. E afirmaram em voz alta que não querem gastar milhões tentando embelezar a imagem do Brasil com a limpeza das favelas ao mesmo tempo que se negligenciam as mais básicas necessidades da população, como os cuidados de saúde e os transportes.
As pessoas se revoltaram em fúria contra um aumento das tarifas dos transportes públicos, contra os mais recentes escândalos de corrupção ou ainda contra os exemplos do obsceno fosso entre os rendimentos das pessoas comuns e os de uma minúscula elite. Os brutais ataques da polícia contra os manifestantes revelaram a verdadeira natureza do estado. Cada vez mais a realidade atinge as pessoas na cara de que é impossível haver uma sociedade baseada no capitalismo sem todos esses males sociais que se estão tornando mais cruéis.
Os jovens e os estudantes estão procurando um futuro diferente e melhor do que se atacarem uns aos outros por uma hipótese de terem “sucesso” em se tornarem peças da engrenagem deste sistema que nos esmaga até aos ossos. Eles estão exigindo usar os seus talentos, a sua energia e as suas esperanças para trabalharem no interesse da sociedade. Os artistas e os músicos querem retratar e refletir a criatividade do povo do Brasil que tão enormemente tem enriquecido a herança cultural da humanidade. As mulheres precisam de representar o seu legítimo e decisivo papel de vanguarda da luta e não serem vítimas de todo tipo de abuso, seja ele moderno ou medieval.
O Brasil é um país onde séculos de genocídio, escravidão e a tirania dos proprietários feudais se estão transformando numa modernidade do século XXI ainda mais monstruosa, incorporando todo tipo de reação e atraso. O Brasil foi vítima do sistema capitalista mundial desde o primeiro dia da sua história moderna. Contudo, durante as últimas décadas, algumas pessoas têm defendido que esta mesma máquina que tanto sofrimento tem causado, de alguma forma, pudesse se tornar num veículo para a emancipação. Ou, talvez, que o Brasil poderia ”mudar de lado” e, tomando o caminho dos “BRICS”, passar para a mesa dos exploradores mundiais. Mas os centavos que “salpicam” para aqueles que continuam desesperadamente pobres, o rápido crescimento de uma classe média com poucas perspectivas de alcançar a prometida vida estável e confortável, e a expansão do acesso à internet e a sua falsa promessa de total participação no mundo contemporâneo, tudo isso só intensifica o fosso entre o que poderia ser possível e a cruel realidade.
O “milagre” brasileiro emergiu e não só entorpeceu e esmagou milhões de pessoas sob os seus pés, como também significou a rápida destruição da floresta tropical da Amazónia, um dos mais preciosos recursos da Terra que deve ser preservado no seu todo para benefício da humanidade. Aqui também se levantou um gigantesco “não”, não só dos povos indígenas que muito justamente temem a finalização do genocídio que faz parte da história do Brasil, mas também de muitos daqueles entre os que estavam sendo treinados para fornecer o conhecimento técnico ou a hipócrita conversa dúplice que acompanha este crime do século XXI.
As pessoas estão gritando “Basta!” aos abusos e cada vez mais se pode ver que eles fluem naturalmente de um sistema socioeconômico cujos princípios mais sagrados são a desigualdade e a exploração. E, sob a superfície, há uma sensação de que talvez não tenha que ser assim. Talvez o mundo não precise de estar dividido entre alguns poderosos países ricos e os outros que têm que servir como suas plantações, usinas de baixo custo ou prostíbulos. Um mundo onde as pessoas ultrapassarão a podre cultura do “cachorro que ataca cachorro”. Onde as mulheres se possam finalmente libertar de toda forma de opressão, dos sistemas patriarcais tanto o moderno como os antiquados, e ajudar a transformar o mundo. Onde talvez as palavras “revolução” e “mudança social” sejam algo mais que palavras eleitorais ou folhas de parra usadas por oportunistas.
Sim, esta insurreição despertou a esperança, entusiasmou as pessoas a se levantarem, e deu um vislumbre de que as condições sociais de hoje podem não ser assim tão permanentes e/ou inalteráveis.
Mas o despertar de esperanças e desejo de soluções radicais começou a enfrentar enormes obstáculos e inimigos: o estado e o seu exército e polícia que estão mostrando que usarão toda a força necessária (e mais que isso) para proteger o atual sistema de propriedade e governo; os políticos cínicos que prometem cumprir todas as demandas do povo ao mesmo tempo que conspiram freneticamente para desviar e esmagar o movimento; toda a rede de conexões que ligam o Brasil ao sistema imperialista mundial; as divisões entre as próprias massas populares e os seus horizontes reduzidos depois de gerações de exploração, opressão e degradação; a anestesia ideológica da religião. E o jogo da farsa eleitoral que então se desenrola regularmente para poderem dizer que o povo apoiou os seus próprios opressores.
Cada vaga de ilusões e falsas esperanças se despedaça contra os duros rochedos de uma sociedade inteiramente injusta. Mas a repetição da experiência por si só não será suficiente para levar as pessoas para fora deste pesadelo. Até que as pessoas se apercebam que um outro mundo é realmente possível e como é que essa possibilidade pode ser transformada em realidade, elas se sentirão forçadas a procurar o melhor do mundo atual.
HÁ uma solução para o capitalismo e todas as suas degradações: a revolução proletária e o comunismo. É possível construir um mundo em que nenhuma parte da humanidade oprima nem denigra as restantes. É possível acabar com o atual pesadelo e criar uma sociedade em que todos contribuam para o progresso da mesma e em que tudo se desenvolva a nível cultural, intelectual e nas relações mútuas. Para se construir tudo isto é necessária uma revolução, uma revolução total. Uma revolução que não instaure novas formas do mesmo poder de sempre ou que não seja apenas para que alguns indivíduos (mesmo que sejam em grande número) melhorem a sua situação e posição na velha sociedade e até tenham oportunidade de dominar o resto da sociedade. Isso são “soluções” que só significam a continuação do horror sem fim.
Atualmente, uma nova síntese do comunismo foi apresentada pelo pensador e dirigente Bob Avakian, erguida sobre as grandes conquistas da primeira fase da revolução comunista do século XX, bem como analisando as suas insuficiências e erros. Esta compreensão mais elevada do comunismo revolucionário nos permite ver mais claramente não só a necessidade mas também a possibilidade de uma verdadeira revolução proletária. Como o poder pode chegar às mãos das massas populares e ser utilizado para transformar completamente o sistema socioeconômico e também o pensamento das pessoas – até que a base da divisão da sociedade em classes tenha sido eliminada, material e ideologicamente, no mundo inteiro.
Esta resposta revolucionária para os problemas do Brasil e do mundo não tem nada que ver com as noções reformistas e revisionistas de propriedade do estado sem transformação social, as quais na realidade apenas significam “nacionalizar” as formas de exploração, tal como pode se ver na Venezuela.
A Revolução significa organizar, promover e apontar a torrente de ódio ao capitalismo contra o próprio sistema e os seus defensores. Significa o derrube pela força de um estado, e de um sistema social, por outro sistema social com um estado diferente. Em países como o Brasil, a revolução proletária tem que arrancar completamente séculos de formas précapitalistas de opressã, bem como a exploração capitalista do século XXI. A revolução terá no seu centro aqueles que são os mais oprimidos da sociedade de hoje, à volta dos quais a grande maioria pode e deve ser reunida. E o estabelecimento de um tipo diferente de estado baseado no governo das massas será um enorme passo de libertação.
O objetivo desta revolução, porém, não é e não pode ser simplesmente substituir a atual classe dominante pelos que antes eram explorados. Não pode ser, como nas palavras da bíblia, “os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”. A revolução proletária só poderá alcançar os seus objetivos de uma sociedade comunista sem classes se emergir uma liderança para essa revolução que entenda profundamente que o seu objetivo é a libertação de toda a humanidade, que o objetivo é a eliminação de todas as distinções de classe e de todas as relações entre as pessoas e todo o conjunto de idéias que surgiram na sociedade de classes e que o reforçaram. Uma liderança e pessoas que entendem que o objetivo final não é preservar um estado novo mas sim eliminar as condições que requerem a existência desse estado, mesmo que seja um estado socialista que representa os interesses do povo.
O objetivo comunista tal como é redefinido pela nova síntese tem que impregnar e deve ser consistente com todos os passos da nossa luta e de todos os elementos da nossa plataforma, agora que estamos lutando contra o poder atual e amanhã quando estivermos criando novos estados. Essa revolução não será feita às custas do planeta, mas ao serviço dele. A produção avançará, mas de um modo revolucionário onde a destruição insustentável das zonas rurais será invertida, e os meios de produção se tornarão numa ferramenta nas mãos das pessoas para serem usadas para eliminar passo a passo as injustiças sociais e aumentar racionalmente a abundância comum.
As sociedades socialistas que serão criadas pela revolução melhorarão as condições materiais das pessoas ao mesmo tempo que apresentarão uma vida cultural e intelectual vibrante e desafiadora, envolvendo tanto os que antes estavam “impedidos” de trabalhar com as idéias, como os intelectuais e artistas cuja criatividade não será mais algo subordinado ao mercado. Nós podemos construir sociedades em que será uma alegria viver. Isto é uma visão nova – e de muitas formas diferente – da sociedade socialista pela qual precisamos de lutar.
Não estamos partindo do zero. Antes houve mais de um século de revolução proletária, de grandes vitórias e profundas transformações sociais, tanto na União Soviética sob Lenine e Stalin como ainda mais na China de Mao. Mas também houve insuficiências nessas sociedades e na forma como elas foram concebidos. Houve derrotas amargas às mãos do sistema imperialista mundial que levaram esses países para trás e, que fazendo-o, destruíram as esperanças das pessoas em todo o mundo. Hoje em dia, análises erradas da anterior experiência socialista também estão alimentando noções de “revoluções sem líderes”, “horizontalismo” e por aí adiante. A nova síntese do comunismo nos permite apreciar ainda mais claramente os grandes passos que as anteriores revoluções socialistas alcançaram. Ao mesmo tempo, a sua abordagem científica nos permite entender muito melhor os contornos e as contradições dentro de uma nova sociedade que se esforça por fazer todas essas mudanças. Mostra como o verdadeiro problema de eliminar o fosso entre a liderança e os que são liderados pode ser corretamente resolvido. A nova síntese prevê uma sociedade socialista que não temerá a divergência mas que fervilhará em debate e luta sobre o caminho a seguir. Todos os que estão olhando para uma saída da loucura e da miséria do capitalismo e do imperialismo precisam de se envolver seriamente com esta nova síntese do comunismo.
(Nota: Ela é claramente apresentada nas obras de Bob Avakian e em Comunismo: O Início de uma Nova Fase, Um Manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA, disponível em http://www.revcom.us/Manifesto/Manifesto.html e em paginavermelha.org/documentos/pcr-manifesto.htm).
Momentos como aqueles que o Brasil está vivendo são de importância crucial. Uma nova geração está emergindo, e também reacendendo as esperanças de seus pais e avós. Imaginemos esta energia e entusiasmo revolucionário se ligando com a ciência necessária para transformar a sociedade. Avancemos da revolta para a revolução!

Pela revolução, e nada menos que isso.
Julho 2013
Email: revolucaonadamenos@yahoo.com.br

Bob Avakian é o Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA, e um teórico marxista. Durante décadas, tem trabalhado no problema de como fazer a revolução e de como manter a nova sociedade avançando como parte de um processo revolucionário mundial. A Nova Síntese do Comunismo, desenvolvida por Avakian, redefine e revigora o Marxismo, colocando-o numa base ainda mais científica.

Posted in Uncategorized | Leave a comment

A nova síntese do comunismo e os resíduos do passado

Organização Comunista Revolucionária, México

O mundo pode erguer-se numa nova base. A nova síntese do comunismo de Bob Avakian brinda-nos com um novo e essencial guia teórico para as revoluções do século XXI que poderão vir a pôr fim à miséria, opressão e degradação de que sofrem a maioria das pessoas e abrir caminho a avanços sem precedentes rumo ao mundo comunista: uma livre associação de seres humanos sem divisões de classe, nação, género nem entre trabalho manual e intelectual, em que os seres humanos transformem o mundo e a si mesmos com base numa compreensão mais profunda e científica da realidade. Nestes dias em que se ouve em todo o lado a pregação dos eruditos merolicos das classes dominantes de que o comunismo «fracassou», que foi «horrendo» e que não nos resta mais futuro que o que nos oferece este horroroso sistema capitalista-imperialista, a nova síntese representa uma renovada esperança de emancipação para as massas em todo o mundo.
Esta nova síntese convida e promove a crítica, a dissensão e o debate, e chama a todos a entrarem a enfrentarem os muitos problemas ainda por resolver da nova etapa da revolução proletária mundial. Contudo, ela tem tido que enfrentar em muitos casos, não uma crítica reflectida do seu conteúdo que, quer seja correcta ou incorrecta, sempre contribui para o processo de esclarecer as questões, mas antes uma enxurrada de insultos, mentiras e ataques pessoais provenientes, em primeira linha, de algumas organizações que se autodenominam «comunistas» e «marxistas-leninistas-maoistas». Bem dizia Mao que no início nada do que foi proposto foi aplaudido, mas antes coberto de desdém. Face aos grandes problemas de saber como enterrar este sistema apodrecido e de criar um mundo novo, a luta comunista tem sempre avançado através da luta entre ideias e posições opostas: os novos avanços abrem brechas, seja em oposição a posições dogmaticamente aferradas ao passado, seja contra posições que rejeitam o núcleo científico e revolucionário do comunismo em nome de «novas condições». Compreendendo isto, tal como dizia Engels, não vamos sentir muita pena por ter eclodido a inevitável luta. Ao desenvolvermos e levarmos até ao fim a luta entre as duas linhas que se tem vindo a desenvolver no movimento comunista internacional, poderemos aprofundar ainda mais a compreensão do que corresponde ao mundo real e do que não, do que contribui para a emancipação e do que não e poderemos unir e forjar novos iniciadores de uma nova etapa da revolução comunista mundial.
Estamos aqui a centrarmo-nos em quatro, entre outras, questões importantes da actual luta, examinando as posições da nova síntese e as dos seus detractores, quanto a: 1. A transição socialista para o comunismo; 2. O Estado e a luta armada; 3. A organização comunista internacional e o internacionalismo; e 4. O método científico do comunismo em contraste com o pragmatismo e o instrumentalismo. Abordamos os argumentos que alguns críticos têm desenvolvido em relação à nova síntese. Quanto aos insultos, ataques pessoais e mexeriquices de quem supostamente fez o quê a quem, para quem tem em vista a emancipação da humanidade e não mesquinhos interesses de grupo, basta observar que esses métodos de «luta» não têm nada a ver com o comunismo científico.

1.    É necessário fazer agora um balanço científico da experiência do socialismo e uma concepção de como esta vai avançar mais e melhor?

É necessário fazer agora um balanço científico da experiência do socialismo e uma concepção de como avançar mais e melhor agora na revolução comunista? Sim. É necessário, entre outras razoes, porque o socialismo que existiu na Rússia e na China foi derrotado e já não há países socialistas no mundo, porque as classes dominantes se aproveitaram destes reveses para propagarem amplamente a ideia de que o socialismo não funcionou, porque é essencial aprender como o que foi correcto e errado na experiência histórica do socialismo e do movimento comunista internacional em geral para que não se repitam velhos erros e para se poder avançar mais e melhor que mesmo o melhor do passado e porque nas últimas décadas houve importantes mudanças no mundo que requerem ser analisadas para poderem guiar correctamente a revolução comunista de hoje. É a esta necessidade de fazer um balanço científico das lições positivas e negativas da experiência anterior do movimento comunista e das sociedades socialistas, de analisar as novas condições no mundo actual, e de aprender com outros campos, que Bob Avakian dedicou mais de 30 anos de trabalho intenso. Isto resultou na nova síntese, a qual incluí, entre muitos outros elementos, uma compreensão mais profunda do objectivo comunista e do que isso implica para que o socialismo seja, efectivamente, tanto uma transição para o comunismo mundial como sociedade em que a grande maioria de nós queira viver.
Contudo, esta necessidade de um balanço da experiência anterior e de um novo desenvolvimento da teoria comunista para que ressurja e avance a revolução comunista hoje não é vista por algumas pessoas que se declaram comunistas mas que estão cegos por um método pouco marxista e pouco científico. Não são poucos os que pensam que se pode o se deve evitar a questão do socialismo e do comunismo, que isso «é para depois» e que os «êxitos práticos» do movimento na mobilização das massas em guerras populares ou outras lutas irão resolver estes problemas. Como se resume em Comunismo: O Início de uma Nova Etapa, Um Manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA, documento chave na actual luta no movimento comunista internacional, na forte divergência com a nova síntese existem «duas tendências opostas – seja a de teimarem religiosamente em todas as experiências anteriores e na teoria e no método a ela associados, seja a de (em essência, se não mesmo em palavras) se atirar tudo isso fora», ou seja, a de abandonar também os aspectos principalmente positivos da experiência anterior e abraçar a democracia burguesa .
Embora todas as analogias tenham as suas limitações, é como se construíssemos um grande e impressionante edifício – o socialismo – com muitas inovações e avanços extraordinários, bem como alguns defeitos secundários mas importantes, e depois, como resultado de um grande terramoto, toda a estrutura se desmoronasse. Perante este grande revés, os dogmáticos dizem-nos: «construamo-lo de novo como estava, não se passou nada». Os admiradores da democracia do actual sistema capitalista dizem-nos: «esqueçam, a estrutura não serve», sem nos deixarem outra alternativa a não ser viver a intempérie do actual sistema de opressão. Em vez disso, a nova síntese aplica um método científico: vamos aprender com as lições positivas e negativas dessa experiência, aprender também com outras fontes, e conceber e pormo-nos a construir um novo edifício que seja mais resistente aos desastres e que sirva melhor os fins da revolução comunista.

2.    A derrota das primeiras experiências do socialismo marca ou não o fim da primeira etapa da revolução comunista?

Em dois artigos, o Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão [PC(M)A]  argumenta essencialmente que a revolução comunista até agora não se divide em duas etapas, que não faz falta fazer agora um desenvolvimento qualitativo da ciência do comunismo e que a nova síntese de Bob Avakian é uma «ruptura» com o Marxismo-Leninismo-Maoismo (MLM), é uma ideologia «pós-MLM» e portanto é errada.
O reconhecimento ou não de que a restauração do capitalismo na China desde 1976, após a restauração anterior na União Soviética (1956), marca o fim de uma primeira vaga da revolução comunista mundial que começou com a primeira Internacional e terminou numa situação em que já não há nem países socialistas nem internacional comunista, está intimamente relacionada com o reconhecimento ou não de que estes acontecimentos exigem dos comunistas um balanço científico da experiência histórica da ditadura do proletariado e do movimento comunista em geral a fim de se poder avançar mais e melhor nesta nova etapa.
O argumento do PC(M)A na sua primeira carta é que «O único critério que se dá a esta divisão [em duas etapas] é a nova síntese de Bob Avakian e o seu resultado, a publicação do novo Manifesto do PCR». Isto simplesmente não é verdade. Os dois documentos que o PC(M)A está a comentar (o Manifesto do PCR, EUA acima citado e a Constituição do PCR,EUA) exprimem claramente que «Com o fim do socialismo na China depois de 1976, duas décadas depois do que tinha acontecido na União Soviética nos anos 1950, chegou ao fim a primeira vaga das revoluções socialistas e hoje o mundo não tem estados socialistas» . Em vez de criticar a verdadeira posição do PCR,EUA, inventam um argumento falso e absurdo, um método que, ao contrário do método científico e crítico do comunismo, não contribui para clarificar os argumentos e chegar à verdade.
De seguida, afirmam que «Esta divisão em duas etapas não é compatível com as diversas fases da evolução do capitalismo» nem «com as diversas fases da evolução da ciência e da ideologia do proletariado revolucionário». Isto não vem a propósito, já que não se está a falar da evolução do capitalismo nem do Marxismo, mas sim do desenvolvimento da revolução comunista mundial, a qual, se bem que esteja inter-relacionada com a evolução do capitalismo e da ideologia comunista, é um processo distinto com as suas próprias particularidades. De facto, quando o camarada Avakian primeiro falou no «fim de uma etapa» e no início de outra na revolução comunista, salientou especificamente que não estava a falar de etapas no desenvolvimento do capitalismo nem da ciência do comunismo . O PC(M)A não distingue a especificidade destes processos distintos. É ou não verdade que a já mencionada derrota temporária do socialismo constituiu uma mudança qualitativa profunda no processo da revolução comunista que separa uma etapa nesse processo de outra? O PC(M)A evita esta questão em vez de lhe responder.
No segundo documento do PC(M)A persiste a mesma confusão entre evolução do capitalismo, ideologia comunista e processo da revolução comunista, acrescentando que não foi uma primeira vaga mas sim várias vagas da revolução comunista até agora, que esta(s) vaga(s) de revoluções proletárias não terminou(aram) porque «Apesar das grandes mudanças que ocorreram, a ordem socioeconómica [i.e., a ordem capitalista] ainda está intacta» e porque «Mesmo que as vagas da revolução proletária desde o tempo de Marx até à derrota da revolução na China tenham diminuído, ainda não terminaram completamente» , e continua dando exemplos de lutas revolucionárias desde esse tempo.
Neste segundo documento, pelo menos o PC(M)A começa a reconhecer que se está a falar de vagas (ou etapas) da revolução proletária (ou comunista), reconhecendo implicitamente e sem autocrítica que o seu primeiro artigo falseou a posição de Avakian. Contudo, continua a evitar a questão de se saber se a restauração do capitalismo nos países que antes eram socialistas constitui ou não uma mudança qualitativa na revolução comunista que marca o fim de uma etapa.
Por um lado falam-nos de uma multiplicidade de vagas, aparentemente identificadas com a Comuna de Paris, a Revolução de Outubro, a Revolução Chinesa e a Revolução Cultural. É verdade que estas quatro revoluções marcam pontos altos da revolução comunista mundial. E se as derrotas das primeiras experiências socialistas tivessem sido seguidas de novas vitórias de estabelecimento ou restabelecimento da ditadura do proletariado, essas derrotas talvez não tivessem marcado o fim da primeira etapa. Isto não foi «predeterminado», foi influenciado por muitos factores da luta de classes e do desenvolvimento do sistema imperialista mundial, mas na realidade o que aconteceu foi um período de mais de três décadas em que não houve países socialistas nem internacional comunista. Falar de vitórias anteriores não responde à questão de saber se este grande revés representa ou não o fim de uma etapa (e se reflecte, entre outras coisas, uma relutância pouco materialista e pouco dialéctica de falar em reveses).
Por outro lado, dizem que se desenvolveram guerras populares durante vários anos, primeiro no Peru e depois no Nepal e que continua a haver lutas armadas na Índia e nas Filipinas, pelo que «onde diabo se vê o fim completo de uma vaga da revolução proletária?»  Mas ninguém está a dizer que acabaram todas as lutas revolucionárias: a questão em debate, uma vez mais, é saber se a restauração do capitalismo nos países que antes eram socialistas representa uma mudança qualitativa que marca o fim de uma etapa da revolução comunista mundial. Ao dizer que as lutas revolucionárias não acabaram e que a ordem capitalista se mantém intacta, argumentam essencialmente que a revolução proletária prossegue se mantém. Confundem o fim da sua primeira etapa com o fim da revolução comunista em si! Nós, os apoiantes da nova síntese, consideramos que a revolução proletária continua mais necessária que nunca e que constituí a única esperança dos oprimidos e, no fim de contas, da humanidade em geral, mas que para que esta esperança se concretize, é essencial reconhecermos as implicações da mudança qualitativa que ocorreu com a derrota do socialismo e a restauração do capitalismo na União Soviética e na China e fazermos um balanço científico das lições da primeira etapa da revolução comunista, bem como das mudanças no mundo desde então para podermos conseguir novos avanços na teoria e na prática comunista e forjarmos a vanguarda das revoluções do futuro, em vez de ficarmos como um resíduo do passado.
Ainda que não respondam directamente à questão em debate, fica claro que o PC(M)A nega que a restauração do capitalismo nos países que antes eram socialistas constitui uma mudança qualitativa no processo mundial da revolução comunista e que marca uma nova etapa na mesma. Pelo que só nos resta observar que não há pior cego que aquele que não quer ver. Ainda que o PC(M)A reconheça formalmente que houve uma restauração do capitalismo nos países que antes eram socialistas, retira importância a esta mudança profunda e qualitativa no processo da revolução comunista mundial. O método que eles aplicam para chegarem a esta conclusão é um método dogmático que não distingue a especificidade da contradição ao confundir o processo da revolução comunista mundial com outros processos relacionados mas distintos e ao não analisar claramente as etapas deste processo, confundindo o fim de uma etapa com o fim do processo em si. Na realidade, as mudanças qualitativas devidas à intensificação ou atenuação temporária de algumas das contradições num processo complexo, ou ao desaparecimento de umas e/ou ao aparecimento de outras novas, tendem a marcar etapas nele mesmo – neste caso, o desaparecimento temporário da contradição entre o sistema socialista e o sistema imperialista com a restauração do capitalismo nos países socialistas, a crise no movimento comunista internacional, com ela relacionada, e outras mudanças marcam o fim de uma etapa da revolução comunista mundial – e «Não é possível resolver correctamente as contradições inerentes a um fenómeno se não se presta atenção às etapas do processo do seu desenvolvimento.» .

3.    São necessários avanços qualitativos na ciência comunista para se liderar uma nova etapa da revolução proletária ou é suficiente o quadro teórico anterior?

A importância de reconhecer o fim de uma etapa e o início de outra na revolução comunista deriva de isso ser um facto material, mesmo que não nos agrade, e requer novos avanços na ciência comunista como base para reformular e reconfigurar as experiências positivas do passado, aprender com as negativas, analisar as novas condições e aprender com outras fontes a fim de desenvolver uma compreensão capaz de guiar correctamente as revoluções comunistas do futuro. É isto que tem vindo a fazer Bob Avakian, ao desenvolver a nova síntese, e tem dado alento a outros a fazê-lo também; a necessidade de fazer isto é precisamente o que negam o PC(M)A e outras tendências dogmáticas no actual movimento comunista internacional.
Ainda que o PC(M)A reconheça como principio geral abstracto a necessidade de desenvolver a ciência do comunismo, é de opinião que «uma correcta compreensão básica do Marxismo-Leninismo-Maoismo é a fundação e a base de confiança para a revolução comunista» , que mais importante que fazer o balanço da experiência do socialismo é fazer o balanço, em primeiro lugar, da experiência do reagrupamento de partidos maoistas no Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI) , e com «Base nesse balanço, podemos – e devemos – rever a revolução chinesa e Mao Tsé-tung, e desta vez não na perspectiva de estabelecer o Maoismo internacional prestando atenção apenas aos seus aspectos positivos – um nível pelo qual já passámos – mas de uma perspectiva crítica para se ver os erros, insuficiências e possíveis erros da revolução chinesa e do próprio Mao Tsé-tung. Isto é um trabalho que nunca antes foi feito a nível internacional (…)» [ênfase nossa]. Depois dizem que o mesmo pode ser feito com os tempos de Lenine, Marx e Engels, «apoiando-nos no actual quadro teórico sem afirmar que ele é completo» .
É pouco menos que incrível que após 30 años de trabalho e da publicação de literalmente dezenas de livros, folhetos e discursos da parte de Bob Avakian, em que realiza precisamente uma análise crítica de toda esta experiência, se diga que «Isto é um trabalho que nunca antes foi feito a nível internacional». Se há desacordo com o conteúdo desse balanço – e é evidente que há – gostaríamos de ouvir os argumentos em relação a isso mas, por favor, não tentem fingir que esse trabalho não existe! Ou será que pensam que não foi feito a «nível internacional» porque eles e forças similares não participaram no estudo e no debate deste trabalho por o considerarem de pouca importância? Isso foi uma decisão errada deles próprios, apesar dos repetidos apelos a que comentassem estas e outras questões. A importância e a veracidade de novos avanços na ciência do comunismo não dependem essencialmente de quem participou ou não na sua elaboração, mas sim de corresponderem ou não à realidade objectiva e ao avanço rumo ao comunismo.
É evidente que para o PC(M)A um balanço crítico da experiência da primeira etapa da revolução comunista em geral e da experiência da ditadura do proletariado em particular não é uma tarefa urgente, e pode ser adiada até um futuro indeterminado, depois de se fazer o balanço da experiência do MRI, e que, entretanto, basta o «actual» quadro teórico, ou seja, o quadro teórico de há quase 40 anos, ou uma compreensão falseada e errada do mesmo. (Sem dúvida que também é importante fazer o balanço da experiência do MRI. Como veremos adiante, as divergências de linha relacionadas com as que aqui comentamos tornaram impossível ao MRI defender de uma forma unida os princípios comunistas perante a luta entre as duas linhas no Partido Comunista do Peru, bem como a adopção de uma linha revisionista pelo Partido Comunista do Nepal (Maoista) em 2005. Mas como é que isto justificou que durante décadas não se tivesse feito um balanço crítico da experiência anterior da revolução comunista e que se tornasse impossível ignorar e por fim tentar desacreditar quem de facto o fez? Como é que se justifica a insistência em persistir no mesmo erro?)
O PC(M)A condena a nova síntese como «pós-MLM», com o que quer exprimir que na sua opinião a nova síntese é uma «ruptura» com a ciência desenvolvida por Marx, Lenine e Mao e um repudio das suas contribuições como sendo «parte de um passado que não é relevante» . Vemos uma vez mais o método do PC(M)A de imputar um argumento absurdo ao seu rival e depois «refutá-lo», em vez de criticar a verdadeira análise e sobretudo os melhores argumentos que foram feitos para a defender.
Para o PC(M)A, a «relevância» do passado é uma questão de repeti-lo acriticamente, já que por admissão própria, acima citada, «já passámos» por «um nível» de «prestar atenção apenas aos seus aspectos positivos» e a tarefa de o abordar «de uma perspectiva crítica» fica como tarefa para algum momento indeterminado no futuro, e isto é, para eles, o «actual quadro teórico» que nos deve bastar agora e durante mais um tempo indeterminado. Isto não é um quadro teórico marxista-leninista-maoista, mas sim um quadro dogmático criado pelo PC(M)A e por outros que abandonaram o espírito crítico do Marxismo, argumentando que por agora basta repetir algumas  formulações teóricas de há 40 anos sem uma reanálise crítica.
É evidentemente por apreciar a profunda «relevância» da primeira etapa da revolução comunista e o «rico caudal de teoria científica revolucionária que se desenvolveu durante a primeira vaga de revoluções socialistas»  que Bob Avakian não se contentou em repetir algumas frases do passado e analisou a fundo tanto essa experiência como os avanços teóricos a ela associados para chegar à conclusão de que, no seu aspecto principal, essa teoria é fundamentalmente correcta e científica, mas que de uma forma secundaria contém elementos errados que é necessário abandoná-los e desenvolver mais a teoria para abranger os novos fenómenos e fazer esforços mais profundos de forma a impedir a restauração capitalista e avançar mais rumo ao comunismo, entre outros problemas. Assim, na realidade, e ao contrário das adulterações do PC(M)A, a nova síntese representa principalmente uma continuação e um desenvolvimento em novas condições da ciência comunista desenvolvida desde Marx a Mao, e secundariamente, é sim uma crítica e uma ruptura com elementos errados secundários mas importantes que objectivamente contradizem o seu carácter principalmente correcto e científico.
De uma forma mais profunda, todas as formas de colocar o problema exprimem uma abordagem dogmática e religiosa. Como é que se decide o que é correcto ou incorrecto na nova síntese? Na essência, o método do PC(M)A é decidir da sua veracidade segundo o seu suposto grau de correspondência ou ruptura com «a doutrina» anterior. Uma abordagem científica requereria examinar em que grau a nova síntese corresponde ou no à realidade material. Por exemplo, se analisarmos a verdadeira experiência do socialismo com o método do materialismo dialéctico, será que Avakian tem ou não razão em retomar os elementos essenciais da teoria de Mao de continuação da revolução no socialismo, tais como a persistência da luta de classes antagónicas, a criação de uma nova burguesia entre parte da liderança do partido comunista, a base material para a restauração capitalista no «direito burguês», as desigualdades e outras relações e ideias herdadas do capitalismo e a necessidade de mobilizar as massas para ir transformando tudo isto passo a passo? Por outro lado, será que Avakian tem ou não razão em criticar tendências nacionalistas na China e na União Soviética expressas, por exemplo, em «acções por vezes acentuadas de subordinar a luta revolucionária noutros países às necessidades do estado socialista existente» ? Tem ou não razão em propor a orientação de um «núcleo sólido com muita elasticidade», combinando um núcleo sólido que luta por avançar rumo ao comunismo com muita elasticidade, no só permitindo, mas também promovendo no socialismo a dissensão e a crítica, incluindo ao partido e ao socialismo, ou em criticar o conceito de «verdade de classe» e em defender um maior papel para os intelectuais no socialismo? Esto sólo para mencionar algunas cuestiones pertinentes.
O PC(M)A não aborda estas questões, rejeita a nova síntese sem analisar nem responder ao seu conteúdo . É como se os físicos, ao avaliarem a nova teoria da relatividade de Einstein, em vez de examinarem em que grau a teoria newtoniana anterior, bem como a nova teoria de Einstein, explicam ou não os fenómenos da natureza, se opusessem à teoria de Einstein devido à sua «ruptura» com a teoria de Newton. Novos avanços teóricos na ciência podem representar uma maior ou menor continuidade ou ruptura com o conhecimento anterior (a nova síntese, repetimos, é principalmente uma continuação e um desenvolvimento da essência científica do Marxismo, e secundariamente uma ruptura necessária com elementos errados), mas a questão essencial de um ponto de vista científico não é esse, mas sim se o novo desenvolvimento teórico nos dá uma explicação mais correcta da realidade e portanto uma maior capacidade de transformá-la ou não.
Não há sagrado no Marxismo (e, de facto, tratá-lo como algo sagrado vai contra o método  científico e materialista dialéctico do Marxismo). Se houver factos que demonstrem a falsidade de princípios fundamentais do Marxismo ou do próprio Marxismo, seria necessário abandoná-lo. Contudo, tal como Bob Avakian mostrou na sua resposta ao crítico burguês do Marxismo, Karl Popper, os princípios centrais do Marxismo foram repetidamente comprovados na prática social e não há factos que o contradigam ou que demonstrem a falsidade desses princípios . Contudo, há importantes elementos secundários no Marxismo ou no Marxismo-Leninismo-Maoismo (tais como as tendências para o nacionalismo ao se tratar da contradição entre a defesa dos países socialistas e o avanço da revolução mundial, a ideia da «inevitabilidade» do comunismo, etc.) que são erradas e contradizem a essência científica do Marxismo e, portanto, uma ruptura com esses elementos é de facto essencial. Com a sua falsa caracterização da nova síntese como uma ruptura total e um repudio da ciência comunista anterior , o que na realidade o PC(M)A, tal como outros representantes da tendência dogmática, defende no movimento actual é a sua oposição à necessidade destas rupturas e, em geral, a sua oposição à necessidade de um desenvolvimento qualitativo da ciência para poder dirigir correctamente uma nova etapa da revolução comunista.

4.    Pode haver um movimento comunista que não se empenhe no comunismo?

Temos de fazer a pergunta: Pode haver um movimento comunista que não se empenhe no comunismo?, porque nos encontramos numa situação em que uma importante parte do movimento comunista internacional não se preocupa com o comunismo nem com os problemas da transição socialista para o comunismo. Podem tentar negar que se esteja no fim de uma etapa, podem tentar negar que há uma premente necessidade de desenvolver a ciência comunista, mas assim que saem da sua «igreja comunista» e falam com outros do socialismo e do comunismo, tropeçam em perguntas como «se o socialismo foi assim tão bom, porque é que foi derrotado?» há uma resposta a esta pergunta e a outras semelhantes mas, tal como disse Avakian, «há que escavar para encontrar a resposta e depois continuar a escavar» e isto é o que a tendência dogmática diz não ser necessário fazer agora. Portanto, falam muito em «guerra popular» e muito pouco no que deveria ser o seu objectivo, na esperança de que, com os «avanços na prática» do movimento, se esfumarão esses difíceis problemas políticos e ideológicos. Por outro lado, a outra tendência errada, a de editar fora toda a experiência anterior como sendo essencialmente negativa, também evita o assunto ou apresenta o socialismo e o comunismo como algo que é cada vez mais difícil de distinguir da actual democracia burguesa. e entre as duas tendências ou miscelâneas das mesmas é comum encontrar o argumento mais grosseiro de «para quê falar em socialismo agora? Podemos falar disso quando tomarmos o poder».
Por isso é importante a pergunta: Porque é tão essencial empenharmo-nos agora na compreensão mais científica do comunismo que nos brinda a nova síntese e popularizá-la entre as massas?
Em primeiro lugar, porque se a actual luta não for guiada por uma correcta compreensão do objectivo (além de outras questões cardiais), não servirá para se atingir esse objectivo. Todos já fizemos alguma vez uma viagem, fosse curta ou longa, e a ninguém ocorreu pensar que «Estou no início da minha viagem, por isso não me interessa onde fica o meu destino». Contudo, esta é a lógica daqueles que pensam que as questões do socialismo e do comunismo que são tão agudamente colocadas pela derrota temporária do socialismo «não estão na ordem do dia». É uma calunia da burguesia dizer que o comunismo defende que «os fins justificam os meios». O que é verdade, pelo contrário, é que os fins determinam ou devem determinar os meios, e se não há uma clareza sobre o objectivo, não se adoptarão os meios apropriados para o atingir.
Temos a amarga lição da guerra popular no Vietname ,que avançava nos anos 1960 num período em que irrompeu a luta entre as duas linhas no movimento comunista internacional. A linha de Mao, no processo de desenvolver a teoria da continuação da revolução no socialismo, enfrentava a linha dos revisionistas, os falsos comunistas, na União Soviética que tinham restaurado o capitalismo, principalmente na forma de capitalismo de estado, sob a direcção de um partido «comunista» agora revisionista. o Partido dos Trabalhadores do Vietname (PTV) assumiu uma posição centrista, advogando a unidade a partir de uma posição nacionalista e pragmática. Quando os revisionistas soviéticos passaram da conciliação com o imperialismo ocidental com Kruschov a um cada vez maior enfrentamento sobre uma base imperialista com Brejnev e, nesse contexto, devido às suas próprias ambições imperialistas, começaram a fornecer mais ajuda militar ao Vietname, o PTV ligou-se cada vez mais ao social-imperialismo soviético.
Assumir uma posição centrista e advogar pela unidade entre o que objectivamente era capitalismo de estado com uma fachada socialista na União Soviética, e o que era o verdadeiro socialismo como transição para o comunismo na China, representava objectivamente, uma posição de «ignorar» a diferença entre capitalismo e socialismo, e se a guerra popular que estava a ser feita no Vietname iria levar ao socialismo ou a alguma forma de capitalismo.
E aí estão os resultados dessa linha nacionalista e pragmática, para quem os queira ver. Com um custo de milhões de vidas, o povo vietnamita ganhou a guerra popular contra o imperialismo norte-americano… mas a sua revolução nunca tomou o caminho do socialismo. Primeiro, foi dominado pelo social-imperialismo soviético e, com a queda desse império, o país regressou ao redil do bloco imperialista encabeçado pelos Estados Unidos. e agora os trabalhadores do Vietname hoje em dia são escravos assalariados explorados em fábricas que são propriedade dos imperialistas.
Porque é que acabou por ficar assim? Não se deveu essencialmente a nenhuma desonestidade pessoal dos dirigentes, mas sim à linha ideológica e política que guiava o Partido. Aprendeu-se com a luta de classes no socialismo na China que muitos dos elementos que degeneraram em revisionistas eram, na realidade, democratas burgueses que haviam aderido ao Partido de uma forma orgânica mas não ideológica. Muitos deles fez contribuições no período da revolução democrática contra o imperialismo e o feudalismo, mas opuseram-se a que a revolução continuasse no socialismo e defenderam a linha revisionista. O objectivo essencial deles não era o comunismo e a eliminação das classes, mas simplesmente terem um país independente, moderno e próspero. Esta também foi a orientação do PTV, e a actual posição no movimento comunista internacional de ignorar a necessidade de se envolver nas questões da transição socialista para o comunismo e da restauração capitalista também reflecte os desvios para o nacionalismo, o pragmatismo e a democracia burguesa, sobretudo entre os comunistas que levam a cabo a luta nos países do «terceiro mundo». Não vêem a importância de se envolverem com o socialismo como transição para o comunismo porque, na essência o objectivo é outro: como melhorar de alguma forma, através da revolução e de alguma forma de capitalismo de estado, a posição do «meu» país no sistema capitalista-imperialista mundial.
Em segundo lugar, não se vai fazer nenhuma revolução comunista sem se convencer uma parte importante das pessoas que agora pensam que o comunismo «fracassou» ou foi pior que o capitalismo, e não se vai conseguir isso simplesmente através dos «êxitos práticos» de um movimento que não discute o comunismo. Requer um trabalho teórico para se compreender mais profundamente a verdade destas questões e requer uma luta ideológica com as massas para contrariar a campanha ideológica anticomunista do inimigo (vem como o predomínio da ideologia burguesa em geral). Já tínhamos visto no caso de Cuba que fazer uma revolução e só depois falar num pretenso «comunismo» apenas leva também, quando muito, a um capitalismo de estado revisionista.
Finalmente, um verdadeiro movimento comunista capacita os proletários e outras massas a governarem e o verdadeiro socialismo como transição para o comunismo precisa de envolver sectores cada vez mais vastos das massas na governação da nova sociedade e na luta pelo avanço rumo ao comunismo. E isto também nao vai acontecer ignorando as questões «difíceis» do socialismo e do comunismo, bem como outras questões cardiais da revolução.

5.    Se não se debate a forma de acabar com as «quatro todas», não se está a lutar pelo comunismo

No desenvolvimento do movimento comunista no século passado, influenciou cada vez mais um materialismo mecânico que tendia a identificar o socialismo simplesmente com a propriedade estatal, a planificação económica e a direcção de um «partido comunista» com o qual não se pode distinguir entre o capitalismo de estado revisionista e o socialismo, já que estas são característicos de ambos. Frente a estes erros do período da Terceira Internacional, e ainda mais com o profundo abalo da restauração do capitalismo na forma de capitalismo estatal sob a direcção de um partido comunista revisionista, propagando a ideologia burguesa com um discurso aparentemente marxista, foi essencial todo um trabalho de escavação teórica para redescobrir em grande parte a essência profundamente revolucionária do Marxismo quanto ao socialismo. Mao e os seus camaradas começaram este trabalho e ele foi continuado por Bob Avakian, o que incluiu um repetido regresso a uma citação profunda e essencial de Marx:

Este socialismo é a declaração da permanência da revolução, a ditadura de classe do proletariado como ponto de transição necessário para a abolição das diferenças de classe em geral, para a abolição de todas as relações de produção em que aquelas se apoiam, para a abolição de todas as relações sociais que correspondem a essas relações de produção, para a subversão de todas as ideias que emanam destas relações sociais.

O que é que isto significa? Que o socialismo e a ditadura do proletariado é e só pode ser um período histórico de transição para o comunismo que, tal como disse Avakian, «desemboca no que nos, maoistas, chamamos ‘as quatro todas’ – ou seja, a abolição de todas as diferenças de classe entre as pessoas; a abolição ou o fim de todas as relações de produção ou relaciones económicas subjacentes a estas diferenças de classe e divisões entre as pessoas; o fim de todas as relações sociais que estão ligadas a estas relações económicas e de produção – relações de opressão entre homens e mulheres, entre diferentes nacionalidades e entre pessoas de diferentes partes do mundo, tudo isto irá acabar e iremos será ultrapassado e, por fim, o revolucionar de todas as ideias que estão ligadas a isto, com este sistema capitalista, com estas relações sociais» .
Se olharmos ao nosso redor, as sociedades actuais são como uma pirâmide, com um pequeno grupo de grandes capitalistas e outros exploradores no cume. A revolução socialista, ao remover o cume e estabelecer uma economia e uma sociedade ao serviço das necessidades do povo e da revolução mundial, em vez dos lucros de alguns, possibilita grandes transformações e avanços libertadores. Contudo, fica, por assim dizer, o resto da pirâmide, com muitas desigualdades e relaciones herdadas da velha sociedade, bem como as correspondentes ideias. A abolição das quatro todas implica acabar passo a passo com tudo isto, desfazer toda a pirâmide e as correspondentes ideias, chegar finalmente à abolição, entre outras coisas, do intercambio de mercadorias através do dinheiro; eliminar a contradição entre trabalho manual e intelectual, partilhando os dois tipos de trabalho entre todos; ultrapassar o principio socialista de pagar segundo o trabalho realizado e passar a aplicar o principio comunista «De cada um segundo as suas capacidades; a cada um segundo as suas necessidades»; não apenas ultrapassar a opressão nacional mas transcender as próprias nações; eliminar todos indícios de opressão das mulheres pelos homens e da ideologia patriarcal; e muito mais. Enfim, implica chegar a uma livre associação de seres humanos em todo o mundo sem exploração, opressão nem desigualdades sociais, sem classes, nações nem estados, em que «haverá princípios colectivos cooperativos para o bem comum e, dentro disto, os indivíduos e a individualidade irão florescer de uma forma que nunca antes foi possível» .
É este o objectivo final? Ou o objectivo é simplesmente uma economia planificada que proporcione melhores condições às massas? Ou não chegaremos a distinguir a diferença? «Propomos uma sociedade que, além de responder às necessidades do povo, se caracterize cada vez mais pela expressão e a iniciativa consciente das massas? Isto é uma transformação mais fundamental que uma sociedade de assistência social, socialista no nome mas capitalista na essência, em que o papel das massas se limita em grande parte a produzir riqueza, não a debater e a definir as questões do estado, o rumo da sociedade, a cultura, a filosofia, a ciência, as artes, etc.» .
Foi a grande descoberta de Mao – agora ignorada ou repudiada por grande parte dos pretensos «maoistas» – com base no balanço da experiência da restauração do capitalismo na antiga União Soviética e da luta de classes no socialismo na China, que as desigualdades e as relações herdadas da velha sociedade que persistem no socialismo – aquilo a que Marx chamava o «direito burguês» ou os «estigmas» da velha sociedade na nova  –, bem como as correspondentes ideias, não só têm de ser transformadas e eliminadas para se chegar ao comunismo, como também, juntamente com o cerco imperialista, constituem a base, na sociedade socialista, da persistência de uma luta de classes antagónicas e a configuração de uma nova burguesia entre alguns altos dirigentes do próprio partido comunista, os «seguidores da via capitalista» que aplicam uma política de defesa e expansão destas desigualdades, relações e ideias herdadas da velha sociedade, em vez de ir restringindo-as passo a passo. Se esta posição, esta linha, consegue dar um golpe de estado e colocar-se ao comando do partido comunista e do estado socialista, restaurará o capitalismo, ainda que inicialmente na forma de um capitalismo de estado que ainda preserva o nome de «socialismo» sob a direcção de um partido revisionista que continua a chamar-se «comunista», e foi precisamente isto o que se passou na União Soviética em 1956 e na China em 1976.
Os fundadores do socialismo não previam esta complexidade da transição revelada pelas experiências iniciais do socialismo, e em 1936, Estaline erradamente concluiu que já não existiam classes antagónicas na União Soviética. Com  esta ideia fundamentalmente errada, interpretou a oposição e a luta que de facto persistiam como sendo unicamente produto de agentes do imperialismo e das classes exploradoras derrubadas, confundiu contradições no seio do povo com contradições com o inimigo e apoiou-se cada vez mais nas forças repressivas do estado socialista na luta de classes, em vez de se apoiar fundamentalmente na mobilização das massas e dirigi-las a levar a cabo a luta ideológica e política para continuar a avançar até ao comunismo.
Mao, por sua vez, ao chegar a uma compreensão mais correcta da persistência de uma luta de classes antagónicas no socialismo, descobriu na Revolução Cultural uma forma para libertar a iniciativa e a revolta das massas no socialismo para aprenderem a distinguir e a analisar as posições que defendiam as relações e ideias herdadas do passado com argumentos «marxistas» e «comunistas», a criticar e derrubar os dirigentes comunistas seguidores dessa via capitalista, a empenharem-se cada vez mais elas próprias nos problemas da transição comunista e a fazerem muitas novas e inovadoras transformações das relações produtivas e sociais, bem como nas ideias.
Estes enormes avanços teóricos e práticos são, hoje em dia, a «herança esquecida» pela tendência dogmática e pela tendência mais abertamente democrático-burguesa no movimento comunista internacional que, apesar das suas diferenças entre si, partilham a característica de «Jamais levarem a cabo – nem terem em conta de uma forma sistemática – um balanço científico da anterior etapa do movimento comunista, e em particular a pioneira análise de Mao Tsé-tung sobre o perigo e as raízes da restauração capitalista na sociedade socialista» .
Depois de 10 anos de Revolução Cultural, depois de derrotar duas tentativas de golpe revisionistas, depois de levar milhões de pessoas a debater, criticar e influenciar o rumo da sociedade de uma forma nunca antes vista na história, depois de criar novas coisas socialistas inauditas, infelizmente, com a morte de Mao, uma nova camarilha revisionista conseguiu fazer um golpe de estado, encarcerar os seguidores de Mao (o «bando dos quatro»), derrotar militarmente as milícias populares que se levantaram contra a usurpação e restaurar o capitalismo.
À luz desta experiência e destas descobertas, para quem tenha a vista posta no objectivo do comunismo, deve ser evidente que há muito mais a compreender, muito mais a desenvolver, para poder exercer melhor a ditadura do proletariado e avançar mais rumo ao comunismo nesta nova etapa da revolução proletária mundial. Nestes tempos de «conhecida tendência a reduzir o ‘Maoismo’ a uma mera receita para fazer a guerra popular num país do terceiro mundo, ao mesmo tempo que, uma vez mais, ignoram ou retiram importância à mais importante contribuição de Mao para o comunismo: o desenvolvimento da teoria e da linha da continuação da revolução sob ditadura do proletariado» , não podemos insistir demasiado que as linhas que se opõem ao envolvimento agora nos problemas da transição socialista para o comunismo se mantêm dentro do sistema capitalista de uma ou outra forma e não correspondem a uma luta capaz de estabelecer de novo a ditadura do proletariado e de dirigir as massas no exercício do Poder para avançarem mais e melhor rumo ao comunismo. Se não há envolvimento no objectivo da luta comunista, se não há envolvimento na forma como acabar com as «quatro todas», não se está a lutar pelo comunismo.

6.    Uma nova sociedade profundamente revolucionária e libertadora: o núcleo sólido com muita elasticidade

Ao contrario dos que argumentam que é suficiente o «marco teórico existente» do século passado, bem como dos que querem abandonar a experiência passada como sendo essencialmente negativa, a nova síntese fornece-nos uma compreensão mais profundo das contradições do processo da transição histórica mundial do sistema capitalista-imperialista mundial para o sistema comunista mundial, um balanço dos erros secundários mas importantes do passado, e um novo quadro teórico, orientação e método de como avançar mais e melhor nesta nova etapa da revolução comunista .
Uma contribuição central do camarada Avakian para um melhor debate sobre as contradições da transição socialista é a do núcleo sólido com muita elasticidade: «É necessário um núcleo sólido que capte firmemente e esteja comprometido com os objectivos estratégicos, as metas e o processo de luta pelo comunismo. Se perdemos isto, terminaremos por devolver tudo aos capitalistas de uma forma ou de outra, com todos os horrores que isso implica. Mas, por outro lado, se não abrirmos espaço para uma grande diversidade e para que as pessoas explorem muitos caminhos, isso irá causar um grande ressentimento e, além disso, não vamos ter o processo dinâmico e multifacetado que permite que surja no maior grau possível a verdade e que nos dê a capacidade de transformar a realidade» .
Isto é algo profundo, novo e importante. Em relação dialéctica com  um núcleo sólido que luta pelo comunismo, é necessário não apenas permitir, mas também estimular a dissensão, o debate, a diversidade, a «elasticidade». Porquê? Porque essa diversidade existe na sociedade socialista e não a reconhecer nem lidar correctamente com ela leva a um «grande ressentimento» e a consequencias nefastas. Porque, se bem que seja necessária a direcção do partido comunista, também é essencial incorporar cada vez mais as vastas massas no governo da nova sociedade e debater os problemas da transição comunista, e isso não se consegue por mandato, antes requer debate, dissensão e luta. E como não há um mapa predeterminado para se chegar ao comunismo, este processo envolve muitos problemas complexos e difíceis que terão de ser resolvidos, e é necessário uma relação dialéctica entre o núcleo sólido comunista e a «elasticidade» de muita diversidade, debate e experimentação social para se encontrar as respostas adequadas. Será muito difícil abarcar tudo isto num sentido lato e guiá-lo rumo ao comunismo – de facto, Avakian salienta que em momentos críticos se terá a sensação de se estar no limite de se ser esquartejado – mas esse processo rico e multifacetado é essencial tanto para a criação de uma nova sociedade socialista em que a grande maioria queira viver como para se fazer com que essa sociedade avance, em conjunto com o avanço da revolução mundial, rumo ao comunismo e não de regresso ao capitalismo .
O PC(M) do Afeganistão, no documento já citado, denuncia a nova síntese em geral como sendo «humanismo trivial» a que contrapõe «incluindo no socialismo» «a luta de classes revolucionária» e a «continuação da luta de classes» . Na realidade, como vimos, a nova síntese parte precisamente do reconhecimento da continuação da luta de classes antagónicas no socialismo e de como lutar melhor com essa e outras contradições da transição socialista para o comunismo, Não nos fazem o favor de nos darem sequer um exemplo desse suposto «humanismo trivial». Será porque Avakian propõe a luta pela «emancipação da humanidade» e não simplesmente das classes oprimidas? Não nos dizem. O que se pode supor, pelo menos, com a sua defesa do «quadro teórico existente» de há 40 anos e com a sua insistência na «luta de classes» em oposição a um suposto «humanismo trivial», é que o PC(M)A não está de acordo com a crítica à tendência para a «reificação» do proletariado no movimento comunista do século passado.
A «reificação» do proletariado e de outros grupos explorados é «uma tendência que considera que as pessoas específicas desses grupos, enquanto indivíduos, representam os interesses gerais do proletariado enquanto classe e, num sentido mais lato, a luta revolucionária que corresponde aos interesses fundamentais do proletariado» . Esta tendência tem sido expressa, por exemplo, na ideia de que as pessoas provenientes das classes exploradas têm necessariamente uma posição mais revolucionária e «proletária» que as pessoas de outras camadas. Ainda que seja verdade que o proletariado é a base social mais firme da revolução comunista, isso não se pode aplicar mecanicamente à ideologia e ao papel dos indivíduos: Marx, tal como observou Lenine, provinha da intelectualidade burguesa e, apesar disso, tinha a posição mais consequentemente revolucionária e de acordo com a realidade dos revolucionários do seu tempo. Um outro reflexo da mesma tendência errada foi a ideia que existiu na União Soviética de que, ao se treinar técnicos e outros elementos de entre os operários e camponeses, se iria resolver o problema da transformação dessas camadas. Ainda que isto tenha sido um progresso necessário e importante, não captava o suficiente a necessidade de se ir reduzindo as diferenças entre trabalho manual e intelectual (que não se alteravam mesmo que a origem de classe dos novos técnicos fosse proletária) e que não era por virem da classe operária que essas pessoas iriam necessariamente desempenhar um papel de acordo com o avanço da revolução comunista.
Isto exprime-se também na concepção do objectivo da luta: É apenas a eliminação da opressão e da exploração das classes antes oprimidas e exploradas (a qual é necessária mas não suficiente) ou requer a abolição das «quatro todas», o que implica a emancipação de toda a humanidade de todas as relações e ideias características das sociedades de classes? Ao contrário de todas as classes revolucionárias anteriores, o proletariado não visa simplesmente emancipar-se e estabelecer o seu domínio sobre a sociedade, antes visa desaparecer com o desaparecimento das classes em geral, já que não se pode emancipar «sem emancipar ao mesmo tempo, e para sempre, a sociedade inteira de toda a exploração, opressão, divisão em classes e luta de classes» . Ou como Avakian formulou de uma forma tão sucinta e profunda: «O comunismo: um mundo completamente novo e a emancipação de toda a humanidade – e não ‘os últimos serão os primeiros, e os primeiros, os últimos’» .
Ainda que o PC(M)A não nos forneça nem exemplos nem argumentos sobre o seu desacordo com o conteúdo da nova síntese, é simplesmente um expoente da tendência dogmática geral no movimento comunista internacional, que também teve bastante influência na nossa própria organização, a Organização Comunista Revolucionária, México. Assim, dado que o PC(M)A não nos fornece argumentos mais concretos, partilhamos com a leitora ou o leitor alguns argumentos das nossas próprias fileiras e outros que, muito provavelmente, têm a sua contrapartida de uma ou outra forma nas concepções dogmáticas expressas pelo PC(M)A e outros no movimento internacional.
Um dos argumentos é que falar dos erros do passado só fortalece a ofensiva anticomunista da burguesia. Esta ofensiva é real e, tal como comenta Avakian, há «verdadeiros tubarões» 33 que tentam aproveitar-se dos erros dos comunistas, mas uma abordagem científica capaz de compreender os problemas tal como eles realmente são e com o fim de lhes dar soluções reais requer identificar claramente tanto o que foi (principalmente) correcto como o que foi (secundariamente) errado na teoria e na prática anteriores. Ao abordar a experiência de uma forma científica, pode-se distinguir entre as mentiras e distorções, por um lado, e os verdadeiros erros, por outro, bem como compreender as condições em que estes foram cometidos, os erros de método envolvidos e retirar as lições pertinentes. Tudo isto na realidade fortalece a capacidade do comunismo para responder à ofensiva anticomunista e também contribui para o desenvolvimento de uma compreensão mais de acordo com a realidade que possa guiar a luta pelo comunismo. O método de não criticar abertamente as concepções do passado e de, em vez disso, dizer outra coisa como se houvesse uma continuação do passado quando não o é (ou ainda pior, simplesmente continuar a repetir os erros) representa uma abordagem quase religiosa do Marxismo que tem causado muitos danos no movimento.
Um outro argumento é que ao se estimular a dissensão, se irá restaurar mais rapidamente o capitalismo, e tem-se argumentado que Mao tentou algo semelhante com a política dos anos 1950 de que cem flores desabrochem e cem escolas de pensamento rivalizem, e que isso não resultou, que foi aproveitado pela direita e que teve de ser terminada. É verdade que a velha e a nova burguesia tentarão aproveitar-se de aberturas à dissensão para restaurarem o capitalismo, e é verdade que esta abordagem exige muito mais dos comunistas para convencerem os outros da força dos seus argumentos. Contudo, a experiência tem mostrado que as tendências erradas para tentar lidar com as complexas contradições do socialismo por decreto deixam as massas inconscientes e desarmadas, levam a que se trate antagonicamente as contradições no seio do povo, «arrefecem» o ambiente ao suprimirem o necessário fermento de diversas ideias e de trabalho científico, artístico e cultural e criam uma rigidez do pensamento incapaz de lidar correctamente com as contradições da transição socialista, que são complexas e não de solução «óbvia» na maioria dos casos.
É necessário estudar mais profundamente a experiência das «cem flores», mas pode dizer-se que mesmo que os reaccionários de dentro e fora do partido se tenham aproveitado da abertura, isso na realidade ajudou a clarificar várias posições no debate que Mao e os revolucionários depois puderam criticar mais profundamente e combater mais completamente. e isso esteve longe se ser o «fim» da dissensão no socialismo maoista: a revolução cultural implicava, entre outras coisas, o debate e a dissensão em grande escala.
A nova síntese e o núcleo sólido com muita elasticidade representam um progresso qualitativo, inclusive para além do melhor da experiência passada, e um balanço científico dessa experiência indica que a «elasticidade», a dissensão, o debate e a diversidade de experimentação social que propõe são essenciais para esclarecer os complexos problemas da transição socialista, para educar as massas e os próprios comunistas no confronto entre diversos pontos de vista na luta entre o avanço comunista e o retrocesso capitalista, e para que as massas participem cada vez mais no governo da nova sociedade, aproveitando as possíveis contribuições dos mais diversos sectores sociais sempre que um núcleo sólido que se vai expandindo lute constantemente por «abranger» tudo isto no sentido mais lato e lute para contribuir para o avanço rumo à meta comunista.
Também tem sido argumentado que isto dará um maior papel aos intelectuais e artistas (e, de facto, a nova síntese propõe um maior papel para os intelectuais e artistas no socialismo), que não sofreram e portanto vão lutar pela restauração, ao contrário dos operários e camponeses que sofreram e portanto vão ser a favor do socialismo e ter mais verdade do seu lado (ou seja, uma expressão da «reificação» do proletariado e outros oprimidos, já comentada, bem como da posição da «verdade de classe» que Avakian tem criticado). Ainda que o comunismo corresponda aos interesses gerais do proletariado como classe, não é por isso que os indivíduos que são proletários ou de outros grupos oprimidos tenham necessariamente uma posição melhor ou mais correcta e ainda que o ponto de vista e método científico do comunismo nos forneça a forma mais global, sistemática e consequente de chegar à verdade, as pessoas que não a partilham ou mesmo que estão contra ela também descobrem verdades. O caso Lysenko, na União Soviética, ilustra-nos quão nociva é esta ideia de «verdade de classe» e a importância de nos basearmos na verdade objectiva, independentemente de quem a descubra. Houve uma controvérsia na União Soviética quando ela era socialista, entre o agrónomo Lysenko, que defendia a teoria da «herança de características adquiridas», que na realidade a ciência mostrou ser falsa, e outros cientistas que defendiam que essa teoria era incorrecta. Estaline e outros dirigentes do partido intervieram em apoio de Lysenko, que era um apoiante do socialismo e do comunismo, contra os outros cientistas que tinham posições políticas mais recuadas, em parte também por razões pragmáticas, porque isso prometia resolver mais rapidamente os graves problemas da agricultura. Na realidade, os cientistas que mais se opunham ao socialismo tinham razão nesta questão, e não o reconhecer causou grandes danos, não só porque não resultou mas também devido ao método errado que também era aplicado noutros casos  e que se tornou parte da orientação guia para as ciências e a metodologia do partido.
Por outro lado, como parte do combate à restauração capitalista e do avanço rumo ao comunismo, é essencial conviver com as camadas intermédias e transformá-las. Tal como assinalou Avakian, «isto é uma unidade de contrários: conviver com as camadas intermédias e transformá-las. Se só nos propomos conviver com elas, acabaremos por entregar o poder, não à pequena burguesia, mas sim à burguesia; e esta ditará cada vez mais a situação. Por outro lado, se só nos propomos a transformar a pequena burguesia (falando em termos gerais das camadas intermédias), acabaremos a tratá-las como se fossem a burguesia e a levá-las para o campo da burguesia, o que minará seriamente a ditadura do proletariado e, dessa forma também perderemos o poder» .
A orientação do núcleo sólido com muita elasticidade está relacionada com uma ruptura epistemológica com tendências erradas no movimento comunista internacional de «verdade política» e de identificar a «verdade» com aparentes vantagens imediatas para as forças revolucionárias, ao insistir, pelo contrário, no método científico do materialismo dialéctico e na necessidade de nos basearmos na verdade objectiva, incluindo as «vergonhosas verdades» dos erros que o movimento comunista internacional cometeu, ao insistir em que «A verdade é boa para o proletariado; todas as verdades ajudam-nos a chegar ao comunismo» .
O reconhecimento mais profundo de que a transição socialista para o comunismo requer resolver muitas contradições ainda por resolver e de que para isso é necessária a interacção dialéctica entre um núcleo sólido comunista e muita «elasticidade», dissensão e experimentação social para se poder encontrar as respostas adequadas também está relacionado com a ruptura filosófica com a tendência para o «inevitabilismo» que se encontra até no Manifesto Comunista como elemento secundário contrário ao método principalmente científico de Marx e Engels e que chegou a atingir expressões mais extremas de materialismo mecânico e concepções quase religiosas de predeterminação, como as ideias expressas por Abimael Guzmán, mais conhecido como «Presidente Gonzalo» do Partido Comunista do Perú (PCP), de que «estamos condenados à vitória» ou que «quinze mil milhões de anos levaram a Terra a gerar o comunismo» .

7.    Um núcleo sólido sem elasticidade que «impõe» o comunismo: «Avançar» mantendo os erros do século XX

Esta metodologia mecânica e determinista está relacionada com outro conceito sobre como resolver os problemas da transição socialista para o comunismo: a linha da «guerra popular até ao comunismo» expressa sem muito desenvolvimento teórico pelo Partido Comunista do Peru (PCP) e retomada por alguns dos actuais detractores da nova síntese.
Ao criticar este conceito errado, gostaríamos de salientar que a guerra popular no Peru dirigida pelo PCP e pelo seu presidente Gonzalo representou um importante avanço na revolução comunista mundial que deu novas esperanças aos oprimidos de todo o mundo. Mereceu e recebeu o apoio dos comunistas, revolucionários e progressistas de todo o lado. Contudo, é necessária uma análise mais profunda para se extraírem as lições dessa rica experiência. Não pretendemos fazer aqui um balanço mais geral da linha do PCP sob a direcção de Gonzalo antes de propor a partir da prisão a linha oportunista de direita de negociar o fim da guerra popular .
Quanto à linha da «guerra popular até ao comunismo», para começar, a própria concepção do problema está errada. o PCP disse que «A burguesia quando perde o Poder introduz-se dentro do Partido, utiliza o exército e tenta usurpar o Poder, destruir a ditadura do proletariado para restaurar o capitalismo (…)» 39 Desta forma não se distingue entre o problema dos representantes da velha burguesia derrubada que se introduzem dentro do Partido e o problema da nova burguesia que é criada no socialismo e em particular entre alguns dirigentes do partido comunista devido à persistência do «direito burguês» – as desigualdades e relações herdadas da velha sociedade nas relações produtivas e sociais – bem como as ideias que lhes correspondem. De facto, nota-se algo dessa mesma concepção em vários documentos do principio da Revolução Cultural, mas a compreensão de Mao e dos seus camaradas ia-se desenvolvendo cada vez mais ao analisar a forma como as próprias contradições da sociedade socialista geraram novos elementos burgueses.
Como salientou Chang Chun-chiao, camarada de Mao no combate aos revisionistas que acabaram por tomar o poder após a morte de Mao, numa altura em que a China ainda era socialista: «É preciso ter plena consciência do facto de que a China continua exposta ao perigo de cair no revisionismo. Porque não só o imperialismo e o social-imperialismo nunca abandonaram os seus objectivos de agressão e subversão contra nós, não só os antigos senhores de terras e burgueses continuam presentes e não se resignam às suas perdas, mas também, como dizia Lenine, todos os dias, todas as horas são engendrados novos elementos burgueses» . E Chang procede analisando detalhadamente como é que a manutenção do direito burguês nas relações de produção no socialismo origina uma nova burguesia, bem como a luta entre continuar a restringir o direito burguês ou consolidá-lo e expandi-lo. Ao falar da necessidade de eliminar as «quatro todas» ácima mencionadas, diz: «Marx utiliza as expressões ‘todas’ ou ‘em geral’ por quatro vezes! Ele não diz em parte, nem em grande parte, nem em muito grande parte, ele diz na totalidade!» e contrasta essa necessidade com os membros do partido comunista que «são pela ditadura do proletariado em determinada etapa e num dado domínio, e alegram-se com algumas vitórias do proletariado», mas, chegado a certo ponto, opõem-se a que se continue a restringir o direito burguês: «Ditadura integral sobre a burguesia? (…) Desculpe! Que outros se metam nisso, eu, por mim, paro aqui, desço do comboio. A esses camaradas daremos este conselho: Descer a meio do caminho é perigoso!». E quanto aos dirigentes revisionistas seguidores da via capitalista assinala: «Queres restringir o direito burguês? Ele acha-o excelente e diz que é preciso expandi-lo. Estes campeões das coisas velhas zumbem, como um enxame de moscas, à volta do que Marx chamava os ‘estigmas’ e os ‘defeitos’ da antiga sociedade. Eles dão uma atenção muito especial a pregar aos jovens e adolescentes, aproveitando a sua inexperiência, que o incentivo material é como um queijo fermentado que embora cheire mal é bastante saboroso» .
Este entendimento maoista que se desenvolveu a partir da luta de classes no socialismo foi o que Bob Avakian resgatou, defendeu e sistematizou na sequência do golpe de estado na China: «são precisamente os dirigentes do partido seguidores da via capitalista que constituem o maior perigo para o socialismo e devem ser o principal alvo da luta revolucionária (…) As contradições da sociedade socialista – as divisões do trabalho e as diferenças de salários que se mantêm, a persistência das relações de mercado, etc., e a persistente influência da ideologia burguesa – criam a base para que constantemente se engendrem elementos burgueses na sociedade em geral e sobretudo ao alto nível do partido, e para que se mobilize uma base social para a contra-revolução. Isto não quer dizer que todos os funcionários dirigentes, meramente devido à sua posição, se vão converter necessariamente em burgueses traidores à revolução. Mas quer dizer que isso irá acontecer com alguns (em particular os que adoptem um estilo de vida burguês e uma linha política e ideológica revisionista), e que irão ter a necessidade e a oportunidade de galvanizar seguidores para tomarem o Poder e restaurarem o capitalismo. Este problema, tal como concluiu Mao, irá persistir durante um longo período do socialismo, até que as contradições deste se resolvam através do avanço revolucionário rumo ao comunismo» .
O próprio golpe de estado na China mostra a certeza desta análise: aqueles que tomaram o Poder não eram representantes da antiga burguesia derrubada, ainda estacionada em Taiwan, mas sobretudo representantes de uma nova burguesia surgida no socialismo. A formulação citada do PCP passa por alto todo este desenvolvimento da teoria maoista e, francamente, representa um recuo aos erros de Estaline, que pensava que o perigo da restauração provinha de representantes directos da antiga burguesia e dos países imperialistas. Se bem que o PCP, ao contrario de Estaline, reconheça a persistência de classes antagónicas no socialismo, ignora que as relações na própria sociedade socialista (as relações herdadas do capitalismo que é necessário ir transformando até ao comunismo) constituem a base material para o surgimento de una nova burguesia e para a restauração capitalista. Isto não é uma questão menor. Se se concebe que o problema são simplesmente os representantes da antiga burguesia derrubada e da burguesia internacional, poderia parecer que uma solução directa e eficaz seria simplesmente acabar de uma ou outra forma com esses representantes: morto o cão, acaba-se com a raiva. Mas se se compreende que as próprias contradições do socialismo regeneram constantemente o perigo da restauração capitalista, que há uma luta constante entre o progresso rumo ao comunismo ou o regresso ao capitalismo e que não é possível «descer a meio do caminho» sem se regressar ao capitalismo, então vê-se que isto é um problema bastante mais complexo.
À luz disto, não é muito surpreendente que o PCP tenha afirmado que «é falso que [Estaline] resolvia as coisas de uma forma administrativa» , que se tenha apresentado como se fosse consequente com a posição de Mao, quando na realidade exprimia uma discrepância com a análise de Mao, que observou que «Na época de Estaline [os anos 1920], não havia mais nada em que se apoiar a não ser as massas. Por isso era pedido ao partido e às massas operárias e camponesas que se esforçassem o máximo para se mobilizarem. Posteriormente, quando a União Soviética já tinha alguma coisa, os seus dirigentes já não se apoiaram nas massas» .
Com base nesta compreensão errada do problema, o «Pensamento Gonzalo» do PCP propunha, por um lado, «a organização armada das massas, a milícia popular, que engolisse o exército». A necessidade de manter um exército profissional no socialismo, devido en grande parte ao cerco e à agressão imperialista, é uma contradição de grande importância no socialismo mas, como vimos, está longe de ser a única. Também é correcto salientar o desenvolvimento de milícias, mas isto não pode ser uma solução integral para este problema. De facto, os revolucionários na China promoviam as milícias e parte destas opuseram-se ao exército regular na altura do golpe de Estado, mas não puderam fazer nada contra a maior força, armamento, treino e disciplina das forças regulares. De uma forma mais profunda, simplesmente armar as massas não garante qual a linha que elas vão seguir: de facto muitas das massas armadas das milícias seguiram a corrente da nova linha revisionista no poder.
Desta proposta parcial, passou-se a propostas profundamente erradas e prejudiciais: a «militarização da sociedade»  e a ideia de que as contradições do socialismo se resolvem com «violência revolucionária»: «manteremos a continuação da revolução sob ditadura do proletariado com violência revolucionária através de revoluções culturais e ao comunismo só chegaremos com a violência revolucionária, e enquanto houver um lugar na Terra em que haja exploração acabaremos com ela com a violência revolucionária» . Em primeiro lugar, apresentar a Revolução Cultural como sendo essencialmente «violência revolucionária» é uma grosseira falsificação da teoria e da prática da Revolução Cultural, já que Mao insistiu repetidamente em não se resolver as contradições por meio da violência, o que só foi possível porque o proletariado ainda detinha o Poder, e a violência que de facto ocorreu foi contrária à linha de Mao e prejudicou o desenvolvimento da Revolução Cultural. Em vez de assumir francamente a divergência em relação a Mao, apresenta-se uma ideia oposta como se estivesse de acordo com a posição de Mao, um método errado que, como já mencionámos, reflecte a herança de tendências erradas anteriores no movimento comunista internacional para uma atitude dogmática e religiosa em relação ao Marxismo.
A violência revolucionária é, sem dúvida, necessária para se derrubar o capitalismo e estabelecer o socialismo, para defender os países socialistas das agressões do capitalismo-imperialismo, para restabelecer o socialismo depois de uma restauração capitalista e para derrotar as tentativas armadas de derrubar o estado socialista. Contudo, não pode ser o principal meio de resolução dos problemas da transição socialista, de simplesmente «cortar cabeças». Por um lado, a nova burguesia não é um alvo estático e inalterável nem facilmente distinguível. As forças que a constituem não falam abertamente a favor do capitalismo: são dirigentes do próprio partido comunista que persistem em defender uma linha que na realidade levará à restauração, em determinados momentos, alguns podem ser ganhos, pelo menos em parte, para a linha revolucionária e outros não, e na realidade a força relativa dessa linha e o facto de ter ou não a capacidade de usurpar o poder muda em relação à situação objectiva no mundo e no país. Por outro lado, o problema essencial, como vimos, não está nessa gente enquanto indivíduos mas numa linha que tem bases materiais na sociedade socialista. A experiência já mostrou demasiadamente que quando se retiram alguns dirigentes revisionistas, surgem outros, pelo que, além de se mobilizar as massas para derrubar os dirigentes revisionistas, é essencial trabalhar o problema de fundo elevando a capacidade das pessoas de distinguirem entre a linha revisionista e a comunista, bem como compreender a profunda necessidade e encontrar as formas adequadas de continuar a transforma as «quatro todas» até ao comunismo.
O uso da violência como forma principal de resolver estes problemas de linha, de consciência e de transformação das quatro todas é, de facto, prejudicial, como nos mostra a experiência negativa da União Soviética. Leva necessariamente a confundir contradições com o inimigo com contradições no seio do povo, já que pode haver e vai haver gente que se opõe às necessárias transformações socialistas sem que esteja a trabalhar activamente pelo derrube do socialismo, bem como muita gente que segue uma linha errada num dado momento que pode e deve ser ganha para a linha revolucionária. Nos dois casos, são contradições no seio do povo que devem ser tratadas com a luta ideológica e política e não com «violência revolucionária». Em contrapartida, tentativas armadas de derrubar o socialismo têm de ser desarticuladas. Por outro lado, o uso da violência como meio principal de resolver as contradições no socialismo «arrefecem o ambiente», pondo fim aos grandes debates, à dissensão e à luta entre as duas linhas que são essenciais tanto para se encontrar soluções correctas para os complexos problemas da transição socialista como para que cada vez mais gente desenvolva a capacidade de distinguir entre o comunismo e o revisionismo: entre a linha que proclama uma posição com uma linguagem marxista que objectivamente leva de volta ao capitalismo e a que luta pelos passos adequados à transição para o comunismo num momento dado, algo que não é muito fácil.
O PCP e o seu presidente, ou desconheciam ou rejeitaram a análise de Mao e dos seus seguidores sobre a complexidade desta transição e da necessidade de eliminar as «quatro todas». Na citação anterior, fala-se como se o comunismo fosse simplesmente uma questão de abolir a exploração. Mesmo Ainda que isso seja fundamental, a revolução socialista, com a expropriação da burguesia e a conversão dos meios de produção em propriedade de todo o povo e onde a propriedade colectiva basicamente elimina a exploração, mesmo que em certos momentos a linha revisionista vá expandindo as desigualdades da sociedade socialista em vez de as restringir, «cheira a exploração», como diziam os seguidores de Mao. Mas, como vimos, há um caminho muito mais longo (e todo um período histórico) a percorrer para se abolir as «quatro todas» em todo o mundo e se chegar ao comunismo que eles não têm em conta ao dizerem coisas francamente ridículas como «o Presidente Gonzalo (…) vai levar-nos ao Comunismo» .
Semelhante à forma como se propõem resolver as complexas contradições do socialismo através de um método aparentemente mais fácil mas fundamentalmente errado de impor as coisas através da violência, também se tentou resolver os problemas da luta entre as duas linhas no PCP através da subordinação de todo o Partido ao seu presidente Gonzalo, num profundo desvio do centralismo democrático e do principio de que o individuo (incluindo o presidente) se subordina ao colectivo e ao Partido. um dirigente revolucionário pode desempenhar um papel extremadamente importante para elevar a perspectiva de outros quando luta por uma compreensão que corresponde à realidade material e ao avanço da revolução comunista. Se não tivesse sido a luta de Lenine, não se teria aproveitado a crise revolucionária que originou a Revolução de Outubro, e Mao comentou que «na Revolução Cultural havia momentos, sobretudo no principio, em que eu era a única pessoa que partilhava a minha opinião». Contudo, este papel não se deve essencialmente a nenhuma qualidade pessoal do dirigente revolucionário mas à linha que defende: à sua compreensão dos problemas que a revolução comunista enfrenta e como resolvê-los correctamente. Cada indivíduo segue e aplica uma ou outra linha, mas um individuo enquanto tal não tem linhas, que na realidade são um produto de um processo colectivo de um partido ou do movimento internacional. Nalguns casos, os indivíduos podem conseguir sintetizar e concentrar elementos chave da ciência comunista, e em certos caso isso deve ser reconhecido, mas não há ninguém que não se possa enganar face aos problemas da revolução comunista ou mesmo adoptar «soluções» que na realidade vão contra o avanço dessa revolução. Por isso, entre outras razões, é essencial a direcção colectiva, a subordinação do individuo, incluindo o presidente do partido, ao colectivo e o mais vivo e crítico debate nesse colectivo.
Aparentemente, a prática profundamente errada em que os militantes do PCP juravam lealdade ao seu presidente Gonzalo foi parcialmente importante na lógica de que ele, enquanto pessoa, era a garantia, como era muitas vezes dito, da linha correcta e da vitória. Mas nenhuma pessoa, em si mesmo, pode ser a garantia de uma linha correcta: uma linha correcta é o produto de um processo de aplicação correcta do método científico do materialismo dialéctico para desenvolver concepções que reflictam ou quw basicamente reflictam a realidade material e a forma de a transformar. uma linha correcta ou basicamente correcta é essencial para obter a vitória, mas também não pode haver uma «garantia» da vitória já que as forças revolucionárias podem ser derrotadas, não devido sobretudo aos seus errores mas a uma correlação de forças desfavorável, e outros factores também podem intervir.
O que acontece com a detenção de Gonzalo? A mesma lógica errada de que ele é a garantia da linha correcta e da vitória leva a pensar que a guerra popular não pode continuar, já que ele, a garantia, não está presente, e é o próprio Gonzalo que apela à negociação do fim da guerra popular, e propõe uma análise errada, uma linha revisionista, face às dificuldades reais da sua captura e de outros dirigentes do partido, bem como às dificuldades da situação internacional.
Esta linha já causou bastantes danos no Peru e no mundo, mas estas formas metafísicas e mecânicas de abordar as contradições levam a coisas ainda piores ao lidarem com o problema de forjar uma nova sociedade. Como salientou Avakian sobre um caso diferente de núcleo sólido sem elasticidade: «Um exemplo negativo, extremamente negativo, de não compreender nem lidar correctamente com isto [a diversidade da sociedade socialista e como conviver com as camadas intermédias e transformá-las – OCR] viu-se na experiência de Pol Pot no Camboja (que não vou aqui tentar tratar de uma forma completa, apenas de uma sucinta), onde, em vez deste tipo de abordagem eles tinham uma toda uma abordagem que envolvia uma verdadeira ironia, bem como um verdadeiro desastre: tinham massas camponesas que não tinham passado por nenhuma verdadeira transformação radical da sua forma de pensar, apesar de certas mudanças das condições materiais; as massas camponesas, sobretudo nas bases de apoio que estabeleceram durante a guerra contra o governo de Lon Nol e os Estados Unidos (que instalaram e apoiaram esse regime), eram dirigidas por intelectuais que tinham um problema, um problema muito real de que já falei noutras conversas e textos: o fenómeno da educação numa base limitada (voltarei a falar deste ponto em breve, porque de facto é muito importante); e os Khmer Vermelhos, sob a direcção de Pol Pot, tomaram o resto da sociedade cambojana e tentaram a aplaná-la ao nível do campesinato, do campesinato com era então, supostamente para chegarem ao comunismo. Dizendo de uma forma muito suave, não captaram em nada a noção do núcleo sólido com muita elasticidade nem a noção do ‘pára-quedas’ [ou seja, da diversidade da sociedade socialista – OCR]. E isso levou a grandes desastres e, sim, a verdadeiros horrores» .
A linha de Gonzalo não foi igual à de Pol Pot, mas a orientação dele de «guerra popular até ao comunismo» também é uma expressão da forma de passar por  alto as complexas contradições da transição socialista para o comunismo e de pensar que um núcleo sólido sem nenhuma elasticidade pode simplesmente impor as suas soluções por cima da diversidade da sociedade socialista. Isto é insistir em repetir e aprofundar os erros do século XX e rejeitar e atirar para o lixo a essência da maior contribuição de Mao para a ciência comunista, a teoria da continuação da revolução no socialismo (e isto, ainda por cima, pretensamente em nome de «impor o Marxismo-Leninismo-Maoismo, principalmente o Maoismo»). Se aplicada, esta linha só pode levar à desgraça e não à emancipação.

8.    Elasticidade sem um núcleo sólido: «Avançar» até ao século XVIII, ou não há melhor comunismo que a democracia burguesa

Enquanto uns defendem um núcleo sólido sem nenhuma elasticidade, outros entusiasmam-se com a «elasticidade» ao redescobrirem a democracia eleitoral burguesa e rejeitarem a necessidade de um núcleo sólido que luta pelo comunismo, e em particular a necessidade da direcção institucionalizada do partido comunista no socialismo. É o caso do presidente Prachanda e de Baburam Bhattarai, dirigentes do Partido Comunista do Nepal (Maoista) [PCN(M)] – agora Partido Comunista Unificado do Nepal (Maoista) [PCUN(M)] – e da linha revisionista adoptada por esse partido na reunião do seu Comité Central de Outubro de 2005.
A nova linha revisionista do PCN(M) ignora por completo as verdadeiras contradições da transição socialista para o comunismo e a abolição das «quatro todas», que já examinámos, e reduz o problema essencial no socialismo ao «burocratismo». Com isto substituem uma análise seria das reais contradições da sociedade socialista com o lugar comum da típica análise burguesa, social-democrata e revisionista que não descobre outro problema que não o do «burocratismo». Por exemplo: «Quando a democracia não cria raízes em todas as classes oprimidas, surgem tendências burocráticas no partido, no Estado e na sociedade…»  Ainda que tenha havido, e haverá no futuro, problemas de métodos burocráticos de trabalho, como vimos, o problema da luta de classes no socialismo é muito mais profundo que isto.
Isto anda de mão dada com uma profunda distorção da experiência socialista, ignorando a luta das massas sob a direcção dos comunistas revolucionários para continuarem a avançar rumo ao comunismo, sobretudo na Revolução Cultural na China, contra os seguidores da via capitalista entre outros dirigentes do partido que acabaram por consegui fazer um golpe de Estado, prender e assassinar os revolucionários e restaurar o capitalismo. Em vez desta realidade, oferecem-nos uma historia inventada da lenta e gradual degeneração burocrática do partido e do estado proletário no seu conjunto, sem nenhuma distinção entre comunistas e revisionistas nem entre o socialismo e o capitalismo: «no passado, os estados proletários, em vez de servirem as massas e de agirem como instrumentos de revolução contínua, converteram-se em senhores do povo e instrumentos da contra-revolução, e em vez de se extinguirem transformaram-se em enormes burocracias totalitárias e em instrumentos de repressão» .
Esta «análise» de «burocracias totalitárias» é simplesmente a crítica burguesa do socialismo, difundida ininterruptamente por milhares de meios de comunicação transplantada para uma literatura pretensamente comunista. Portanto, tal como Lenine comentou sobre a crítica revisionista das ideias fundamentais do Marxismo desses dias, «não é de estranhar que a ‘nova’ tendência ‘crítica’ na social-democracia tenha surgido, de repente, completamente acabada, tal como Minerva da cabeça de Júpiter. Pelo seu conteúdo, esta tendência não teve de se desenvolver nem de se formar, foi transplantada directamente da literatura burguesa para a literatura socialista» . Ou como dizemos nesta época dos computadores, «copiar e colar».
Ao redefinir o problema da transição socialista para o comunismo como «burocratismo» em vez da abolição das «quatro todas» em todo o mundo, e ao falsificar a verdadeira luta de classes nos primeiros países socialistas, o PCN(M) chega à conclusão que nada tem de novo de que a «solução» é a «democracia» e em particular a «disputa multipartidária»: «Se não tivesse de vencer numa disputa entre as massas para permanecer na direcção do poder, haveria uma base material em que a relação entre o partido e as massas se torna formal e mecânica, e portanto uma oportunidade para o surgimento da burocracia no interior do próprio partido (…) Por isso, consideramos que a disputa multipartidária pelo governo popular e, além disso, o direito do povo a supervisionar, controlar e intervir, incluindo destituir do poder os seus representantes, constitui uma espécie de gancho nas mãos das massas que pode arrastar os camaradas que erram para o seu campo» .
Dizem que sem esta disputa multipartidária «haveria uma base material» para a degeneração burocrática, com a implicação de que com essa disputa já não há essa base, fechando os olhos à base material para a restauração capitalista nas próprias relações, desigualdades e ideias da sociedade socialista, herdadas do capitalismo, bem como na feroz luta durante todo o período socialista entre avançar mais rumo ao comunismo ou regressar ao capitalismo. À força de ignorarem o verdadeiro problema, encontram a «solução» na «disputa multipartidária», que não é outra coisa senão a democracia eleitoral burguesa que em nenhum caso na história serviu para arrastar ninguém no Poder para o «campo» das massas e antes tem servido muito para arrastar as massas e os comunistas que se vão degenerando em revisionistas para o «campo» da burguesia. e isto tem sido demonstrado uma vez mais na sua plenitude pelo PCN(M) ao por fim à guerra popular que dirigiu durante 10 anos, ao entregar as suas armas, ao desmantelar as bases de apoio, ao participar nas eleições e ao entrar e encabeçar um governo juntamente com vários partidos da grande burguesia aliados ao imperialismo. Aí oferecem-nos o espectáculo de vermos pretensos comunistas a mandar soldados nepaleses lutar ao lado do imperialismo norte-americano na sua guerra de agressão no Afeganistão ao mesmo tempo que desmantelam a revolução agrária antes impulsionada pelo partido, devolvendo as terras em vários lugares aos antigos grandes agrários. É este o fruto amargo da «disputa multipartidária».
Como sublinhou Avakian na sua profunda crítica de essencialmente a mesma linha proposta na sua altura por K. Venu, «O seu ‘modelo’, onde o ‘direito a governar’ do partido comunista ‘deve basear-se estritamente no apoio eleitoral ganho pelo seu programa, tal como qualquer outro programa’, levaria, no melhor dos casos,  a uma situação em que centros rivais de poder, com os respectivos programa, competiriam pelo voto das massas. O resultado disto (uma vez mais, no melhor dos casos) seria um governo de «coligação», onde «socialistas» e «comunistas» de todo o tipo se uniriam a representantes de tendências «democráticas» mais abertamente burguesas e pequeno-burguesas, e onde entre acordos e pactos se comprometeriam os interesses fundamentais das massas e não se faria nenhuma transformação radical da sociedade (e onde qualquer tentativa de a fazer seria rápida e eficazmente reprimida pelo governo de «coligação»). Será que não houve experiência suficiente, para não dizer demasiada, no mundo que ilustre isto?»  Avakian menciona, por exemplo a experiência da Indonésia, onde este tipo de parlamentarismo burguês levou ao massacre de centenas de milhares de comunistas e outras pessoas. A experiência recente no Nepal também tem mostrado claramente a certeza da sua análise, já que os acordos e pactos com os partidos burgueses do Nepal têm levado a sacrificar os interesses revolucionários fundamentais das massas por um prato de lentilhas de lugares no estado burguês.
Actualmente, grande parte da população do planeta vive em «democracias» com disputa eleitoral entre diferentes partidos e onde se comprova ano após ano que não servem. Onde, no mundo e na historia, as eleições organizadas segundo o modelo burguês resultaram na implementação dos verdadeiros interesses das massas, e não em todo o tipo de enganos, falsas ilusões e repressão? Em lado nenhum. Onde se conseguiu uma maior democracia para as massas populares, uma maior possibilidade de transformar a sociedade na direcção de eliminar todo o tipo de desigualdades sociais, uma maior possibilidade de participar na administração do estado, uma maior expressão das opiniões das massas, que não nas experiências socialistas dirigidas por um partido comunista, e sobretudo na experiência mais avançada até agora, a Revolução Cultural? Em parte nenhuma.
A conquista do poder pelo proletariado é apenas o primeiro passo numa larga e difícil luta que enfrenta o cerco de países imperialistas determinados a esmagá-la, que enfrenta as trapaças de uma nova burguesia que fala em nome de um pretenso «comunismo», que enfrenta a complexa luta pelo avanço da revolução mundial ao mesmo tempo que vai eliminando as «quatro todas», envolvendo e capacitando cada vez maiores sectores das massas a realmente governarem e transformarem a nova sociedade, em vez de meterem papelinhos numa urna para «decidirem» que grupo de impostores as vai esmagar e oprimir a partir do governo durante os próximos 4 ou 6 anos. Face a estes desafios, não é possível prescindir da direcção do partido comunista no socialismo, não é possível prescindir de um núcleo sólido que lute pelo comunismo, ainda que esse núcleo, tal como argumenta Avakian, tenha de estimular e dirigir, no sentido mais lato da palavra, uma elasticidade ainda maior que o melhor do passado. Isto incluí um maior papel de eleições em que se apresentam vários candidatos que representam forças e posições distintas, e a orientação de exercer a direcção comunista fundamentalmente através da luta ideológica e política e não sobretudo através do monopólio das posições de autoridade. Contudo, não se vai por a votação a «opção» de regressar ao pesadelo capitalista que ainda predomina no mundo e que faz todo o possível por minar e derrubar o socialismo, depois de tanto sacrifício do povo para se emancipar desse pesadelo. Propostas deste tipo são francamente criminosas.
A «democracia do século XXI» do PCN(M) é apenas una reedição do logro da democracia «pura» «acima das classes», ou seja, a teoria da democracia burguesa reciclada dos teóricos burgueses do século XVIII. Como sublinhou Avakian, «Num mundo de profundas divisões de classe e grandes desigualdades sociais, falar em ‘democracia’ – sem referir a natureza de classe dessa democracia e que classe ela serve – não faz sentido ou ainda pior. Enquanto a sociedade estiver dividida em classes não pode haver ‘democracia para todos’: uma ou outra classe dominará, apoiando e promovendo o tipo de democracia que servir os seus interesses e objectivos. A questão é: que classe dominará e se o seu domínio, e o seu sistema de democracia, servirá a manutenção, ou a eventual abolição, das divisões de classe e das correspondentes relações de exploração, opressão e desigualdade»
Tal como refere o Manifesto do PCR,EUA, o que as duas «tendências erradas e similares têm em comum [é] estarem apegadas, ou estarem a recuar para, modelos do passado, de uma forma ou de outra (mesmo que os modelos específicos possam diferir): seja teimando dogmaticamente na experiência passada da primeira etapa da revolução comunista – ou, em vez disso, numa compreensão incompleta, unilateral e, no fim de contas, errada dela – ou recuando inteiramente para a era passada da revolução burguesa e dos seus princípios: regressando para o que, em essência, eram as teorias da democracia (burguesa) do século XVIII, sob o disfarce, ou em nome, do «comunismo do século XXI», comparando na realidade esse «comunismo do século XXI» a uma democracia que é supostamente «pura» ou «sem classes» – uma democracia que, na realidade, enquanto existirem classes, apenas pode significar democracia burguesa e ditadura burguesa» .
Não precisamos do núcleo sólido sem elasticidade que «impõe» uma concepção falsificada, e em última análise revisionista, do «comunismo», nem também da elasticidade sem núcleo sólido que abraça a democracia burguesa e leva ao reforço da ditadura burguesa. Também não nos oferecem nada os dogmáticos preguiçosos tipo PC(M)A que não só se contentam em não oferecerem nada de novo depois de quase 40 anos, como também nos avisam dos perigos de nos atrevermos a desenvolver algo de novo. Necessitamos do núcleo sólido com muita elasticidade, necessitamos da nova síntese, que nos abre novas vistas tanto de uma sociedade nova e libertadora em que a grande maioria queira viver como da forma de avançar mais e melhor na transição histórica mundial para o comunismo. Esta é a teoria comunista que poderá e deverá guiar a nova vaga de revoluções comunistas ou então não haverá essa vaga.

9.    No haverá emancipação para ninguém sem o se esmagar o Estado burguês: lições do Nepal

O outro aspecto fundamental do revisionismo de Prachanda e do PCN(M) desde a adopção da sua nova linha em 2005 é a substituição da linha de desenvolver a guerra popular para tomar o poder, terminar a revolução de nova democracia e passar à revolução socialista, pela suposta «táctica» de lutar por uma «república democrática» e um «estado transitório» em conjunto com vários partidos – que o próprio PCN(M) tinha caracterizado como burgueses e pró-imperialistas – para «restruturar o estado», justificando isto com a necessidade de lutar contra a monarquia, que já tinha sido deposta. Foi esta a linha que guiou o acordo de paz, o fim da guerra popular, a proposta de fusão do exército revolucionário com o exército reaccionário, e a participação do PCN(M) nas eleições, nas quais obtiveram um grande número de votos e formaram um governo com os partidos burgueses.
O Partido Comunista Revolucionário, EUA, criticou profundamente esta nova linha revisionista, que já era evidente nos textos de Bhattarai, numa carta enviada ao PCN(M) em Outubro de 2005, ou seja, numa altura em que o PCUN(M) ainda estava a adoptar oficialmente essa linha e antes que as suas nefastas consequencias práticas fossem tão evidentes . O PCN(M) rejeitou a crítica do PCR,EUA, dizendo que era apenas uma repetição do «ABC do Marxismo», recusou-se a responder às suas cartas posteriores e prosseguiu no seu caminho rumo ao pântano revisionista em que actualmente se encontra. Além das questões da transição socialista que já aflorámos, a questão central desta luta foi saber se o objectivo imediato era «restruturar o estado» ou destruí-lo, reduzi-lo a pó.
Como salienta uma das cartas do PCR,EUA:

Uma das expressões surge repetidamente nos textos do PCN(M) como leitmotiv é o apelo à «restruturação do estado». Na realidade, esta expressão por si só resume claramente o erro do programa político do PCN(M). Vale a pena rever o muito difamado «ABC do Marxismo» sobre isto. Ao fazer o balanço da experiência das diversas revoluções na Europa no século XIX, Marx fez a profunda observação de que «todas as revoluções aperfeiçoaram esta máquina, em vez de destruí-la» (ênfase nosso). Que queria Marx dizer com isto?
Em particular, referia-se ao facto de as varias vagas da revolução na Europa e sobretudo em França (1789, 1830 e 1848) tinham resultado na transformação da máquina do estado de forma a que ela ficasse de acordo com a base económica capitalista e «aperfeiçoasse» a sua capacidade de cumprir o seu papel de imposição da ditadura burguesa. É muito claro que Marx se está a referir à abolição da monarquia em grande parte da Europa e à generalização da democracia burguesa como «aperfeiçoamento» da ditadura capitalista que o estado representa. Mais tarde, Marx retirou especificamente a lição da Comuna, que não foi, quanto à sua essência, uma tentativa de aperfeiçoar mais o aparelho de estado burguês em França, mas uma primeira tentativa, ainda que titubeante, por vezes indecisa, e por fim derrotada, de destruir a máquina de estado burguesa e substituí-la por um estado diferente que surgiria da luta revolucionária proletária.
O que está em jogo no actual debate é saber se os 10 anos de guerra popular, depois de tudo, serviram para destruir a máquina de estado reaccionária ou aperfeiçoá-la. Para falar sem rodeios, se o resultado da guerra for a consolidação de una república burguesa, o resultado trágico é que o sacrifício do povo não terá servido para estabelecer uma forma de domínio proletário mas apenas para «modernizar» e «aperfeiçoar» o próprio instrumento que o mantêm oprimido .

Este «resultado trágico» é precisamente o que está a acontecer hoje em dia no Nepal, resultado da adopção de uma linha revisionista em relação ao socialismo e ao comunismo, como vimos, e resultado, a ele intimamente relacionado, da adopção de uma linha revisionista de luta pela «restruturação» ou aperfeiçoamento do antigo estado, em vez de prosseguir na luta por destruí-lo.
A justa crítica comunista do PCR,EUA, recebeu ataques de «esquerda» e de direita, sem que se tentasse tratar ou refutar o conteúdo da sua posição.
Por um lado, alguns atacaram o PCN(M) antes do desvio revisionista na sua linha, por ele aplicar algumas tácticas de cessar fogo, insistindo, em nome de um pretenso «Maoismo» – na realidade, um infantilismo de «esquerda» – que todos os cessar fogos e todas as negociações equivalem a traição, sem terem suficiente coerência de princípios para chamarem traidor a Mao, que estabeleceu um cessar fogo e negociou com o Kuomintang em Tchuntchim. Nessa altura, ele salientou que, quando se combate o inimigo, «O ‘ripostar taco-a-taco’ é algo que depende da situação. Às vezes, não ir negociar é responder taco-a-taco; mas, às vezes, ir negociar também é ripostar taco-a-taco» . Mao explica claramente que as negociações tinham o objectivo político de isolar ainda mais o Kuomintang e assim preparar a guerra civil que acabou por levar à vitória da revolução chinesa. Para os comunistas, a questão de analisar as tácticas de cessar fogo ou de negociações é saber se estas servem para fortalecer a luta armada revolucionária e por fim destruir o estado burguês o se levam à liquidação da guerra popular necessária para o reduzir a pó. As negociações de Tchuntchim tinham claramente o objectivo e tiveram o efeito de fortalecer a guerra popular e a vitória da revolução. Ainda que não tenhamos investigado o suficiente para avaliarmos cada uma das tácticas do PCN(M) antes da sua mudança de linha, torna-se claro que as tácticas de cessar fogo tinham o objectivo político de isolar o inimigo e potenciar a guerra popular. Com o desvio revisionista e a mudança de objectivos estratégicos do PCN(M), todas as suas tácticas já servem fins que não saem dos limites sufocantes e mortíferos do sistema capitalista-imperialista mundial. Da mesma forma, o «acordo de paz» proposto pela linha oportunista de direita (LOD) no Peru era parte de toda uma linha revisionista, como na altura os camaradas do agora Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista) correctamente analisaram .
Vale a pena mencionar que a abordagem simplista e dogmática que temos estado a comentar também fez estragos no caso do Peru. Foi, sem dúvida, uma situação difícil, com a detenção do Presidente Gonzalo, e depois a proposta de um acordo de paz que saiu da prisão atribuído a ele, mas inicialmente sem provas fiáveis de que ele era, de facto, o autor. Contudo, a resposta dos dirigentes decididos a continuar a guerra popular de simplesmente denunciarem isto como um «embuste» sem responderem com argumentos nem desenvolverem a luta entre as duas linhas contra a LOD (recorrendo, pelo menos nalgumas versões, ao mesmo argumento de que todas as negociações são uma traição e que Gonzalo «não podia» ter feito isso, bem como o estranho argumento de que desenvolver a luta entre as duas linhas contra a LOD seria «conciliar») deixou o partido e as massas desarmadas politicamente, enquanto essa linha oportunista de direita desenvolvia documento atrás de documento de argumentação política e havia cada vez mais indícios de que Gonzalo foi, efectivamente, o autor da proposta dos acordos de paz e da LOD.
Por outro lado, mesmo alguns dos protagonistas dos ataques infantis acima mencionados, fazendo gala da sua falta de princípios, «suspenderam o julgamento» face aos «êxitos» eleitorais do PCUN(M) e tentam uma unidade sem princípios com esse partido agora dirigido por uma linha revisionista. O impacto prático do revisionismo provocou protestos e oposição no interior do PCUN(M) mas, infelizmente, até agora, que saibamos, esta oposição não passou da crítica a algumas tácticas, em vez de repudiar, criticar e lutar profundamente contra a linha revisionista adoptada em 2005. Para falar francamente, ainda que Prachanda e outros falem em preparar a «insurreição» e mesmo que chegarem a levar a cabo de novo algum tipo de luta armada, enquanto isso estiver a servir a linha de «restruturação» do estado reaccionário e de luta por um pretenso socialismo de «disputa multipartidária» democrático-burguesa, não vai resultar em nenhuma libertação de ninguém.

10.    Unidade para a emancipação da humanidade ou unidade sem princípios para ter «força material»?

Temos vindo a observar de vários ângulos, tal como também refere o Manifesto do PCR,EUA, que as duas tendências erradas que se opõem à nova síntese – uma vez mais, «a de se teimar religiosamente em todas as anteriores experiências e na teoria e no método a elas associados [e a] de (em essência, se não mesmo em palavras) se atirar com tudo isso fora»  – ainda que pareçam ser tendências tão distintas e divergentes entre si, na realidade têm vários traços em comum. Algumas organizações participantes no Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI), apressaram-se a ilustrar isto na prática ao tentarem unir as duas correntes erradas (e também misturas eclécticas das duas) numa nova organização internacional «marxista-leninista-maoista» à margem do MRI e em oposição à nova síntese de Bob Avakian.
O primeiro apelo da parte de algumas forças no MRI para se «criar uma nova unidade do movimento comunista com base no Marxismo-Leninismo-Maoismo e construir a organização internacional necessária» apareceu no 1° de Maio de 2011 com as assinaturas do Partido Comunista Maoista-Itália, Partido Comunista Unificado do Nepal (Maoista), Partido Comunista da Índia (ML) Naxalbari, Partido Comunista Maoista-Turquía e Curdistão do Norte e cinco organizações que não participam no MRI. Dizem-nos, entre outras coisas que «No Nepal, 10 anos de guerra popular criaram as condições para o avanço da Revolução nepalesa, que agora está numa difícil encruzilhada e deve ser apoiada face à contra-revolução levada a cabo pelos inimigos internos e externos, bem como contra os reformistas que querem corroê-la pelo interior» .
Eis que falam em 2011 da «guerra popular» no Nepal com uma vaga referência ao «reformismo» sem mencionarem que ela foi liquidada em 2006 pelos acordos de paz com a linha revisionista no comando do PCUN(M), que também aparece como signatário do documento. Isto aconteceu dois anos depois de se terem tornadas públicas as cartas do Partido Comunista Revolucionário,EUA, que criticam o desvio revisionista do PCUN(M) e a única carta de resposta do partido do Nepal, e todas elas os participantes no MRI certamente receberam muito antes. Num novo documento no 1° de Maio de 2012, assinada pelo Partido Comunista Maoista-Itália (PCm-Itália), pelo Partido Comunista (Maoista) do Afeganistão e pelo Partido Comunista da Índia (Marxista-Leninista) Naxalbari [PCI(ML)N], mencionam agora o revisionismo de Prachanda e Bhattarai e apelam aos maoistas no PCUN(M) a que se rebelem contra ele, sem nada dizerem sobre o conteúdo desse revisionismo, sobre a sua linha de «restruturar» em vez de esmagar o antigo estado e a sua linha revisionista sobre o socialismo de «disputa multipartidária» e democracia burguesa. Assim fazem um fraco favor aos camaradas do PCUN(M) que se opõem à linha de Prachanda, os quais infelizmente até agora se têm limitado a propor outras tácticas em vez de criticarem o fundo do desvio oportunista na linha do partido a partir de 2005 .
Porque é que primeiro encobrem a liquidação da guerra popular no Nepal pela linha revisionista no comando do partido e depois nos oferecem o rótulo de «revisionista» sem falarem, nem que fosse brevemente, do conteúdo dessa linha? O Partido Comunista Maoista-Itália (PCm-Itália), que tem desempenhado um papel importante nestes esforços, deu-nos uma pista ao dizer que «Não precisamos de unir os partidos na base de um documento mas sim de criar um centro internacional que seja uma força material» e «Qualquer que seja o ponto de vista de cada um sobre o ‘revisionismo’ de Prachanda, não se pode criar uma organização internacional sem o PCUN(M)» . Deveríamos agradecer ao PCm-Itália por esta formulação tão franca da unidade sem princípios que caracteriza todo este projecto. A unidade «com base num documento» teria pelo menos a possibilidade de alguma unidade na base de princípios partilhados. Mas isto é considerado desnecessário. O que interessa é ter «força material» e como o PCUN(M) tem «força material», mesmo que siga una linha revisionista, deve estar nesta «nova unidade do movimento comunista».
E Isto da parte de gente que se chama maoista, quando foi Mao que tanto insistiu em que a correcção ou incorrecção da linha ideológica e política decide tudo. A linha, ou seja, a compreensão de como é o mundo e de como transformá-lo, de qual é o problema e qual é a solução, determina se uma organização realmente pode contribuir para fazer avançar a revolução comunista ou se de facto vai transformar-se num obstáculo revisionista à mesma. Não há dúvida que o PCUN(M) tem força material, mas é uma força material que agora está ao serviço de uma linha que objectivamente se opõe à emancipação das massas do Nepal e do mundo, que se opõe à destruição do velho estado e ao estabelecimento de um verdadeiro socialismo.
E isto interessa-nos? Interessa se a compreensão que se tenha do mundo e de como transformá-lo poderá na realidade levar à emancipação ou se corresponde à manutenção das massas sempre escravizadas por este sistema? As formulações do PCm-Itália acima citadas dizem-nos essencialmente que isso não lhes interessa, que o que lhes interessa é terem «força material» e influencia agora, sem se preocuparem com o problema de para que objectivo.
Se queremos realmente dirigir a luta das massas para se emanciparem da miséria deste sistema, temos de nos preocupar em primeiro lugar com estabelecer e unir os comunistas em torno de uma linha que realmente corresponda ao mundo material e que realmente possa guiar uma revolução que liberte o povo, e demarcar das falsas soluções que, mesmo que se autoproclamem de comunistas, como a linha revisionista do PCUN(M), na realidade representam uma traição às massas e à revolução. Ou como indicou Lenine: «antes de nos unirmos e para nos unirmos é necessário começar por delimitar os campos de luta, resoluta e definitivamente» .
Foi precisamente esta a abordagem que se aplicou para se formar o Movimento Revolucionário Internacionalista (MRI). Estabeleceu-se na Declaração do MRI uma base de unidade em torno de princípios fundamentais e demarcou-se das principais formas de revisionismo, e uniu-se os diversos partidos e organizações que aceitaram esses princípios, a que se acrescentou mais tarde o documento Viva o Marxismo-Leninismo-Maoismo! Isto é proceder na base de princípios, motivado pela forma de realmente chegar à emancipação.
O fim de uma etapa na revolução comunista mundial e o inicio de outra e novas mudanças e vitórias no mundo neste contexto têm requerido e requerem que haja avanços na base relativa de unidade atingida nos documentos fundamentais do MRI. Por outro lado, acentuaram-se as divergências no interior do MRI que se exprimiram agudamente em particular em torno dos acontecimentos no Peru e no Nepal, e agora em torno da nova síntese. Apelou-se, exortou-se muitas vezes a que os partidos e organizações escrevessem e debatessem estas divergências, com uma resposta muito reduzida. Em particular, Avakian apelou varias vezes a que se comentasse a nova síntese e a que os que estivessem contra fizessem una crítica do seu conteúdo. Essa crítica, na base de princípios, fosse correcta ou errada, iria contribuir para o debate para clarificar o essencial: uma compreensão mais profunda e correcta da forma de entender o mundo e de o transformar e, com base nisso, a capacidade de o conseguir fazer na prática. A resposta a este pedido, na maior parte das vezes, foi ou o silêncio ou uma série de ataques pessoais, falsificações e calúnias contra a pessoa de Bob Avakian por atrever-se a propor uma forma de avançar mais e melhor na emancipação do povo e pedir que outros opinem sobre o conteúdo dessa proposta, seja a favor ou contra. Outras organizações do MRI, como o Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista), que manifestaram a favor da nova síntese, também tiveram que aguentar uma barragem de ataques pessoais e falsificações das suas posições, como se pode constatar no documento do PC(M) do Afeganistão antes citado.
A este respeito, temos de insistir em que o debate e a luta entre as duas linhas, mesmo quando esta se torna muito aguda, são imprescindíveis e contribuem para clarificar o que é que corresponde à realidade e aos interesses das massas e o que não, sempre e quando se centrem na luta na base de princípios, sobre as «grandes questões» de como fazer avançar a revolução proletária e se tenha em conta a verdadeira posição e os melhores argumentos do adversário. Por sua vez, os métodos de «luta» baseados em falsificar ou inventar supostas posições do adversário, em fábulas e mexericos de quem supostamente fez o quê a quem e em ataques e calúnias pessoais são extremadamente prejudiciais: escondem e ofuscam as questões de princípio em debate, desmoralizam as massas ou educam-nas nos mesmos métodos de desvalorização e calúnia que a burguesia utiliza e objectivamente ajudam o inimigo de classe, facilitando assim os seus ataques aos dirigentes revolucionários, que podem ser mascarados como «broncas entre os revolucionários». São métodos de luta oportunistas que todos os revolucionários devem repudiar e criticar.
Face às divergências de principio no MRI, o PCm-Itália, o PC(M)A e o PCI(ML)N propõem a formação de outra organização internacional de «comunistas MLM» sem resolverem nenhuma das questões em debate e sem clarificarem a base de unidade de princípios desta nova organização. Simplesmente declaram que «Para construir esta nova organização internacional devemos romper com o revisionismo em todos os seus aspectos e particularmente com aqueles que levaram à actual crise e colapso do MRI, ou seja, a ‘nova síntese’ pós m-l-m de Bob Avakian do Partido Comunista Revolucionário,EUA, e a linha revisionista estabelecida por Prachanda/Bhattarai no PCUN(M)» .
Já vimos que, pelo menos para o PCm-Itália, «romper com o revisionismo» de Prachanda não quer necessariamente dizer que o PCUN(M), guiado por essa linha desde 2005, não se encaixe na sua nova «organização internacional de comunistas MLM», e o PC(M)A assegura-nos que «Só passaram quatro anos desde a derrota final – ou da fase final da vitória que se aproxima no Nepal (…)» . Esta afirmação é pouco menos que incrível: Não tomam uma posição! O fim da guerra popular devido à linha revisionista adoptada pelo PCUN(M) poderá representar a «derrota final» ou talvez pelo contrario é a «fase final da vitória que se aproxima no Nepal». Falam na «linha revisionista estabelecida por Prachanda/Bhattarai no PCUN(M)» ao mesmo tempo que «suspendem o julgamento» e «esperam para ver» se o desenlace das políticas adoptadas com base nessa linha representam a «derrota definitiva» ou «a fase final da vitória que se aproxima no Nepal». Na realidade, o que é preciso do ponto de vista do comunismo e do internacionalismo é lutar para que os camaradas no Nepal (bem como os comunistas em todo o mundo) repudiem e critiquem a fundo a linha revisionista adoptada pelo PCUN(M) em 2005, tal como o tem feito o PCR,EUA, desde então. Por seu lado, a forma de actuar do PCm-Itália e do PC(M)A nesta questão de tanta importância para o MRI, o movimento comunista internacional e o povo do Nepal é outra indicação da falta de princípios do seu projecto de organização internacional «MLM» .
Ainda mais importante e mais indignante, rotulam de «revisionista» a nova síntese de Bob Avakian e tratam de dividir o MRI, apelando publicamente à criação de outra organização internacional, sem terem feito nenhuma crítica do conteúdo da nova síntese. Isto é completamente o oposto do método comunista que se deve aplicar face a divergências de linha num partido ou organização comunista internacional. Com o método comunista correcto, analisa-se a fundo a outra posição, demonstra-se com argumentos em que sentido não corresponde à realidade e ao avanço rumo ao comunismo e luta-se, sobre essa base, por unir todos os que possam ser unidos em torno de uma linha mais correcta. Só na base de uma crítica argumentada e de uma luta de princípios é correcto caracterizar a outra posição como revisionista e só quando se leva a luta entre as duas linhas até ao fim é adequado tomar medidas organizativas, se se tiver comprovado que a outra linha de facto se opõe ao avanço revolucionário e os seus apoiantes não podem ser ganhos. É crucial proceder desta forma porque só assim se clarifica uma compreensão mais correcta dos problemas objectivos que a outra posição trata de uma forma errada e só assim se une todos os que for possível unir em torno de uma linha correcta. Este foi o método aplicado, por exemplo, na luta de Marx com os anarquistas, na luta de Lenine com o revisionismo na II Internacional e na luta de Mao com o revisionismo de Khruschov e dos seguidores da via capitalista na China. É o método que o PCR,EUA, e outros, têm lutado por aplicar à luta entre as duas linhas no Partido Comunista do Peru, bem como na recente luta entre as duas linhas no Nepal. É o método que está resumido nos princípios de: «Praticar o Marxismo e não o revisionismo; unir e não dividir; ser franco e honrado e não urdir intrigas nem conspirações» .
Como temos vindo a demonstrar com base na análise dos documentos do PC(M)A e outros, os «reorganizadores» não estão a aplicar o Marxismo e, como consequencia, trabalham para a cisão do MRI e recorrem a desvalorizações pessoais, mexericos e rumores que enchem as páginas de Maoist Road/Vía Maoísta, em vez de desenvolver a luta entre as duas linhas sobre as questões chave abordadas pela nova síntese. São métodos muito nefastos desprovidos de princípios que devem ser criticados e repudiados por todos os comunistas, independentemente da posição que tenha sobre a nova síntese de Bob Avakian.
Para cúmulo, ao tentarem dividir o MRI, tentam atribuir a Avakian a culpa da «crise e colapso» do MRI. A actual crise do MRI não foi provocada pela nova síntese de Bob Avakian. Surge devido à luta entre as duas linhas face aos problemas objectivos da luta de classes e, em particular, à negativa das linhas opostas à nova síntese a envolverem-se num debate de princípios sobre esses problemas. Ocorre no contexto da necessidade objectiva de desenvolver a teoria e a prática comunistas face à restauração do capitalismo, ao fim da primeira etapa, às novas condiciones e às exigências da nova etapa da revolução comunista. A tendência dogmática, reflectida por exemplo nas posições do PC(M)A ou sob outra forma nalgumas das formulações do «Pensamento Gonzalo» que aqui temos vindo a examinar, nega que exista esta necessidade objectiva, refugiando-se numa versão falsificada do «Marxismo-Leninismo-Maoismo» que ignora ou falsifica a maior contribuição de Mao e põe de lado a essência revolucionária e científica do comunismo. Outros, como a linha ao comando do PCUN(M), em nome das novas condições, quanto ao essencial atacam e põem de lado toda a experiência anterior do socialismo como sendo sobretudo negativa, apresentando a teoria democrática da burguesia do século XVIII como sendo o novo comunismo do século XXI.
Estas tendências multiformes e erradas encontraram um ponto de «unidade» na oposição à nova síntese de Bob Avakian, que ela sim colocou-se à altura da necessidade objectiva de desenvolver mais a teoria comunista e criou um novo quadro teórico do comunismo que reforça os seus fundamentos científicos. O problema não está apenas na sua oposição ao que objectivamente representa uma grande esperança para as massas oprimidas e para a revolução comunista em todo o mundo, mas na sua negativa a debaterem e a argumentarem com seriedade a sua oposição, bem como os métodos de falsificação, intriga e divisão que têm utilizado. Se aqui nos temos ocupado sobretudo das posições do PC(M)A, não é porque sejam o pior exemplo disto, mas precisamente porque pelo menos responderam com alguma coisa, ainda que não tenham chegado a criticar o conteúdo da nova síntese. Em vez de levarem a luta entre as duas linhas até ao fim, estas forças preferiram tentar liquidar e dividir sem mais delongas o MRI e formar uma outra organização sem sequer especificarem a sua base de unidade ideológica e política para além de um pretenso «Marxismo-Leninismo-Maoismo» que tenta conciliar posições opostas sobre o socialismo, o estado, a guerra popular e outras questões.

11.    Ciência ou pragmatismo?

Embora estas forças tentem evitar tomar una posição consequente sobre as grandes questões colocadas pelo fim de uma etapa e o início de outra, todos as temos de enfrentar, são inevitáveis, fazem parte da situação objectiva que enfrentamos. Basta ir falar com as pessoas sobre o comunismo para nos darmos conta do desencanto ou rejeição do comunismo da parte de muita gente, incluindo muita gente progressista e revolucionária, devido à ofensiva anticomunista do inimigo aproveitando o facto material de que as primeiras experiências socialistas acabaram por ser derrotadas. Não será possível combater com verdade e êxito essa ofensiva anticomunista sem se fazer um balanço profundo das lições da primeira etapa mas, ainda mais importante que isso, sem as respostas adequadas a estas questões profundas da revolução proletária não será possível sair deste sistema reaccionário.
Os organizadores desta nova organização internacional «comunista» imaginam que poderão evitar estes problemas espinhosos atraindo as pessoas com a «força material» do movimento, vangloriando-se dos seus «êxitos práticos» reais ou imaginários. Na perspectiva deles, tão francamente expressa pela citação acima referida do PCm-Itália, o importante é ter «força material», atrair as pessoas, não interessa para que linha nem para que objectivo. É de extrema importância desenvolver a força material e ganhar toda a gente possível para uma linha que realmente possa resolver os problemas objectivos de como fazer avançar a revolução comunista mundial. Atrair as pessoas para uma organização que não tem nem acha necessário desenvolver verdadeiras soluções para estes problemas ao nível da teoria é, independentemente das intenções subjectivas de quem o faça, uma fraude cruel, que promete a emancipação mas não pode sair dos sufocantes limites deste sistema de opressão. Esta unidade sem princípios, a ideia de que é possível esquivarem-se à necessidade de encontrar soluções para os problemas colocados pela primeira etapa da revolução comunista e o afã de atrair pessoas pela «força material» real ou imaginária do movimento são expressões do pragmatismo, a filosofia burguesa que diz que o que interessa é o que «funciona», o que dá resultados práticos imediatos aparentemente favoráveis, e que não interessa compreender mais profundamente porquê nem para quê. Ou como dizia o arquitecto da restauração capitalista na China, Teng Siao-ping, gato negro, gato branco, não importa desde que cace ratos, ou seja, capitalismo, socialismo, não importa desde que nos dê crescimento económico e outros resultados. Ou como dizem por aqui, «vejamos qual deles é pastilha elástica e pega».
O pragmatismo é uma filosofia apropriada para a burguesia, e ouvimos os seus representantes a elogiarem algumas pessoas pelo seu «pragmatismo» e a criticarem outros pela sua «falta de pragmatismo». Corresponde ou tem uma base material na natureza do mercado capitalista, no qual reina a anarquia. Os capitalistas, ao levarem as suas mercadorias ao mercado, não podem ter a certeza do que vai acontecer, e mesmo os maiores podem cair na bancarrota. Embora façam alguns estudos de mercado e coisas do género, uma compreensão profunda e científica da essência do capitalismo não é aquilo de que sentem falta para os seus fins: antes necessitam de ver «que funciona», ou seja, o que é que lhes dá lucro. É uma filosofia de curto prazo que, tal como o mercado capitalista, privilegia sobretudo os resultados imediatos: desde que retirem lucros e a economia cresça, não importa que esse crescimento esteja a aquecer a Terra e a conduzir-nos a um desastre planetário.
O pragmatismo não nos leva à verdade. Por exemplo, em meados do século passado foi desenvolvida uma droga chamada talidomida, que «funcionava»: ajudava a harmonizar o sono e a tratar as náuseas em mulheres grávidas e os ensaios clínicos não mostraram nenhuma toxicidade nas pessoas que a tomavam, mesmo em doses elevadas. Funciona! Foi aprovada e vendida a muita gente… e só depois se descobriu a tragédia humana de milhares de bebés que nasceram com deformações. Contentaram-se em ver os resultados imediatos «de sucesso» e não se foi à essência do problema para se poder compreender que drogas que não são tóxicas para os adultos podem provocar deformações nos fetos.
O pragmatismo no movimento comunista, insistimos, é uma fraude cruel, porque atrai e entusiasma as pessoas com resultados imediatos reais ou imaginários supostamente para a sua emancipação e, sem a ciência, tal como aconteceu com a talidomida, só se dá conta dos resultados trágicos posteriormente, quando já é demasiado tarde. Uma vez mais, aí está o exemplo do Vietname (e também de Cuba e da Nicarágua) do que acontece com a linha pragmática de rodear as questões de principio, incluindo a necessidade de distinguir entre o capitalismo e o socialismo, em nome do «avanço prático». e aí está o «êxito» do PCUN(M) de governar o Estado reaccionário na base de ignorar o «ABC do Marxismo» em nome de «tácticas» de sucesso. Em todos estes casos, é uma cruel fraude e uma traição atirar para o lixo a possibilidade de um mundo completamente novo para que pretensos «comunistas» possam fazer parte de esmagar e reprimir as massas através do Estado, e isso é «o máximo» que o pragmatismo pode conseguir.
O pragmatismo e a ausência de princípios característicos deste novo projecto de organização internacional é a continuação do positivismo, do pragmatismo e do empirismo que o Manifesto do PCR,EUA, correctamente analisa como uma outra característica que ambas as tendências erradas do movimento comunista internacional partilham. Tem-se argumentado, por exemplo, que as linhas identificadas con Gonzalo ou Prachanda são «correctas» pelos avanços práticos na altura das guerras populares no Peru e no Nepal, ou que Bob Avakian não pode ter uma posição correcta porque não está a dirigir uma guerra popular. Teríamos então de por de lado o trabalho de Marx, porque também não dirigiu uma guerra popular e teve pouca influência na Comuna de Paris, ainda que tenha retirado lições profundas e científicas dessa experiência e, como vimos, Gonzalo e o PCP, ainda que tenham tido razão nalgumas questões importantes, também propagaram posições profundamente erradas, incluindo no período de avanço da guerra popular nesse país. (E diga-se de passagem, que ainda bem que Avakian e o PCR,EUA, não estão a tentar iniciar a luta armada neste momento em que não há uma situação revolucionária nos Estados Unidos, porque como correctamente insistiu Lenine e como também foi comprovado pelas «acções armadas» de grupúsculos de vários países imperialistas nos anos 60 e 70 do século passado, iniciar a luta armada quando não há uma situação revolucionária só leva ao isolamento e à destruição das forças revolucionárias. A posição do PCR,EUA, que está disponível para quem a queira comentar em vez de inventar argumentos absurdos , é, em termos básicos, a de fazer tudo o que for possível para acelerar e preparar-se para o aparecimento de uma situação revolucionária, que é o que constitui a base material para que então dirijam as massas na luta armada revolucionária até à destruição do antigo estado e o estabelecimento da ditadura do proletariado).
O pragmatismo que identifica «o correcto» directa e intimamente com aparentes êxitos na prática imediata, equivale a uma «vulgarização e degradação da teoria – reduzindo-a apenas a um ‘guia para a prática’ no sentido mais estreito e imediato, tratando a teoria, em essência, como um produto directo da prática específica e tentando estabelecer uma equivalência entre prática avançada (a qual, em si mesma, sobretudo da parte dessas pessoas, envolve um elemento de avaliação subjectivo e arbitrário) e teoria supostamente avançada. Uma perspectiva comunista científica, materialista e dialéctica, leva a uma compreensão de que a prática é o ponto de partida fundamental e de verificação da teoria; mas, em oposição a estas distorções estreitas e empiristas, isto deve ser entendido como significando compreender a prática num sentido lato, abarcando uma vasta experiência social e histórica, e não simplesmente a experiência directa de um individuo, grupo, partido ou nação em particular» .
Uma abordagem empirista imagina que um quadro teórico correcto se pode desenvolver na base de simplesmente se fazer um balanço da experiência da luta de um partido ou país, em vez de se reconhecer a necessidade de fazer o balanço da experiência histórica e internacional – da qual faz parte a experiência de um partido, mas de que é apenas uma parte – bem como de aprender de outros campos: a filosofia, a ciência, a cultura e as artes, etc. Uma abordagem positivista imagina que a prática concreta nos fornece directamente uma teoria correcta, sem reconhecer a necessidade de um salto qualitativo no conhecimento racional com base em abranger e sintetizar, retirar lições, uma vez mais não apenas da prática concreta, imediata, mas compreendendo esta no contexto da sua interpenetração e relação com a vasta experiência histórica e social e a teoria desenvolvida sobre essa base. Uma abordagem empirista  e positivista, é como se nos propuséssemos a construir grandes edifícios na base de simplesmente fazermos o balanço da nossa própria experiência a construí-los, sem termos em conta a experiência mais geral sintetizada nos princípios da engenharia e da arquitectura, o estudo dos solos, terramotos, furacões, etc.
O PC(M)A dá-nos um bom exemplo desta estreita abordagem empirista e positivista ao argumentar, contra o suposto «absolutismo do papel da teoria» do Partido Comunista do Irão (Marxista-Leninista-Maoista) e do PCR,EUA, que: «Claramente, o ponto mais alto do progresso da revolução comunista no tempo de Marx, a Comuna de Paris, não tinha nenhuma dívida para com o quadro teórico desenvolvido por Marx. De facto, os marxistas não tiveram um papel claro no início e na direcção da Comuna de Paris. Pelo contrário, o progresso teórico de Marx e, em particular, a teoria da ditadura do proletariado, teve uma grande dívida para com a prática revolucionária da Comuna de Paris, e Marx, ao fazer o balanço dessa prática, desenvolveu a Ditadura do Proletariado e construiu-a e estruturou-a dentro do Marxismo» .
Falam como se Marx só tivesse desenvolvido (e só pudesse ter desenvolvido) a teoria da ditadura do proletariado depois de se ter tido a prática da Comuna de Paris, o que é falso. Basta notar que a citação acima reproduzida sobre «a ditadura de classe do proletariado como ponto de transição necessário» para acabar com as «quatro todas» foi retirada de As lutas de classes em França, 1848-1850, publicado em 1850, ou seja, duas décadas antes da Comuna de Paris, o que mostra que, embora Marx tenha retirado novas e importantes lições da Comuna, um método científico, aprender de toda a diversidade da prática social, pode e deve em certo sentido «adiantar-se» à prática revolucionária, e dar forma e guiar a luta por coisas que ainda não foram concretizadas na prática (e se não fosse assim, não poderia haver uma teoria comunista, já que ninguém viveu o futuro comunismo). Marx pode estabelecer correcta e cientificamente a necessidade da ditadura do proletariado antes de essa ditadura existir na prática, precisamente porque não se contentou com um estreito balanço empirista da prática da luta imediata num ou outro país. Chegou a essa compreensão como parte do estabelecimento, pela primeira vez, de um quadro teórico científico para se compreender o desenvolvimento e a transformação revolucionária da sociedade. Desenvolveu isto com base no estudo e numa análise profunda da filosofia, da economia política, da luta de classes e do desenvolvimento social. O argumento do PC(M)A, por seu lado, é a ideia pragmática, empirista e positivista de tratar a teoria «essencialmente como um produto directo da prática específica» e de rejeitar a necessidade de a revolução ser guiada pela teoria científica mais avançada desenvolvida a partir da mais vasta prática social (e não apenas da prática imediata de um dado partido) e do conhecimento humano em diversos campos.
Esse método tem consequencias nefastas. Precisamente uma das razões da rápida derrota da Comuna foi o facto de carecer de uma direcção marxista, tendo-se desenvolvido à margem de um envolvimento com a teoria revolucionária mais avançada da época, e é isto o que o PC(M)A nos aconselha a voltar a fazer, esperando que a prática imediata nos dê as respostas às grandes interrogações colocadas pelo fim de uma etapa e pelo início de outra, com a sua falsa narrativa de como se desenvolveu a teoria da ditadura do proletariado. Não devemos repetir, agora de outra forma, o lado negativo da Comuna que contribuiu para a sua rápida derrota; pelo contrário, devemos lutar por que a teoria científica do comunismo, tal como se desenvolveu até agora com a nova síntese, guie a prática revolucionária e continue a desenvolver-se, e não o pragmatismo e empirismo que eles nos aconselham.

12.    Basearmo-nos na realidade objectiva ou inventarmos uma «realidade» mais ao nosso gosto?

Repetimos várias vezes a frase «êxitos reais ou imaginários» deliberadamente, porque, além do pragmatismo, outra coisa que partilham as tendências que se opõem à nova síntese é o instrumentalismo, que é, além disso, uma herança muito nefasta do movimento comunista internacional do passado. O instrumentalismo é o método de «tornar a realidade num ‘instrumento’ dos nossos objectivos, distorcê-la ao serviço dos nossos fins e da ‘verdade política’» .
Isto é visível nos documentos de 1 de Maio de 2011 e 2012 já citados que nos pintam um belo panorama em que «é cada vez mais claro que a revolução é a tendência principal no mundo» , em que guerras populares avançam em vários países, em que as revoltas nos países árabes «abriram caminho a novas revoluções anti-imperialistas, anti-sionistas, anti-feudais e de nova democracia», constituindo «uma nova frente na batalha entre o imperialismo e os povos. Unem-se às já existentes no Iraque, Afeganistão e Palestina…» «As emocionantes revoltas da juventude proletária (…) comovem as cidades imperialistas…» e outras coisas deste estilo .
O método instrumentalista por trás deste tipo de «análise» é o de realçar e exagerar os aspectos positivos da situação e omitir ou minimizar os aspectos negativos, criando uma pretensa «realidade» de acordo com os desejos e objectivos dos autores, a qual, por sua vez, se espera que possa motivar as pessoas a agirem de acordo com esses desejos e objectivos. Podem ter «êxito» ou não a motivar algumas pessoas com a sua realidade cor de rosa, mas não vão conseguir nenhuma revolução comunista com esse método instrumentalista e subjectivista.
Não nos vamos deter nos pormenores, mas convidamos a leitora ou o leitor a comparar a ideia de que as revoltas árabes «abriram caminho» à revolução de nova democracia com a mensagem de Avakian sobre o Egipto que, ainda que elogiasse os aspectos muito positivos dessa revolta e desse o seu «sentido apoio e ânimo aos milhões de pessoas que se levantaram», também referia a necessidade de uma vanguarda comunista guiada pela teoria mais avançada, sem a qual a perspectiva é de simplesmente substituir um regime por outro e permanecer «no quadro geral do domínio e exploração imperialista global» . Ou comparar a representação unilateral do significado das recentes revoltas nos países imperialistas com o que Avakian escreveu sobre o movimento «ocupar», em que uma vez mais dá as boas-vindas ao aspecto principalmente positivo destas lutas, ao mesmo tempo que critica a ideia de movimento «horizontal» que tem uma forte influência em muitos destes movimentos e que nega a necessidade de uma direcção .
Ao qualificar a situação no Iraque e no Afeganistão como uma «frente na batalha entre o imperialismo e os povos», a abordagem instrumentalista passa por cima do problema de que grande parte das forças no campo de batalha são forças fundamentalistas islâmicas reaccionárias (que incluem por exemplo a Al-Qaeda e os talibãs) que não representam os interesses da luta popular contra o imperialismo. Em vez disso, o que vemos na disputa entre a jihad e a agressão imperialista «são sectores historicamente obsoletos da humanidade colonizada e oprimida contra sectores dominantes historicamente obsoletos do sistema imperialista. Estes dois pólos reaccionários opõem-se, mas, ao mesmo tempo, reforçam-se mutuamente. Apoiar um ou outro desses pólos obsoletos, acabará por fortalecer aos dois» .
O cúmulo do instrumentalismo surge quando nos dizem que «A guerra popular no Peru, iniciada sob a direcção do Partido Comunista do Peru dirigido pelo presidente Gonzalo continua a ser um farol ideológico e estratégico para todo o movimento comunista internacional». Por um lado, combinam dois em um na relação entre teoria e prática: um «farol ideológico» teria necessariamente de ser uma ideologia, e já analisámos alguns dos aspectos em que a ideología do «Pensamento Gonzalo», incluindo antes de Gonzalo ter apelado aos acordos de paz, se desviava da realidade. Por outro lado, ao identificarem a «guerra popular» como um «farol ideológico», evadem o incómodo problema da actual situação no Peru, em que, após a detenção de Gonzalo e do apelo à luta pelos acordos de paz e por uma «retirada estratégica» prolongada, a maior parte das forças revolucionárias estão derrotadas ou desmoralizadas, e os poucos redutos que prosseguem com alguma forma de luta armada estão divididos em facções rivais, algumas das quais também apelam a um acordo de paz. Como já referimos, a linha de denunciar o apelo aos acordos de paz como um simples «embuste», em vez de criticar e refutar o conteúdo da linha revisionista que os propôs, deixou política e ideologicamente desarmados o partido e às massas e contribuiu para este desenlace. Foi precisamente nesse contexto que alguns no MRI avançaram com o argumento instrumentalista de que, independentemente dos factos materiais, a «verdade política» era que Gonzalo não estava por trás do apelo aos acordos de paz. Ou seja, em termos mais francos, deve-se proclamar como «verdade» o que for mais conveniente para os nossos objectivos revolucionários, mesmo que isso não corresponda aos factos materiais.
Não se resolverão os complexos problemas da transição histórico-mundial do sistema capitalista-imperialista mundial para o comunismo mundial inventando e tentando «impor» uma realidade mais ao nosso gosto, mas sim através do nosso esforço para fazermos corresponder as nossas ideias ao contraditório mundo material, percebendo o movimento e o desenvolvimento das profundas contradições sob a superfície dos acontecimentos num dado momento, e percebendo tanto os aspectos favoráveis como os problemas, tanto o que é correcto como os erros, e não evitando nem escondendo os factos desagradáveis dos erros do movimento comunista internacional. Como sublinhou Avakian «A dinâmica de ‘verdades vergonhosas’ em parte pode-nos fazer avançar; pode estimular um fermento que nos estimule a perceber a realidade. Isto é a objectividade científica. Se penetrarmos o suficiente nas contradições que agora surgem, dar-nos-emos conta de que a sua resolução poderá levar a uma nova era, e é bom desencadear uma dinâmica em que nos mostrem as nossa insuficiências. Não digo que deixemos que os erros esmaguem tudo o que estamos a tentar fazer, mas, num sentido estratégico [devemos] estar muito receptivos a isto e não tentar controlá-lo demasiado – queremos isso, esse esticar e esquartejar» .
Segundo o «optimismo oficial» destas abordagens instrumentalistas, qualquer reconhecimento das dificuldades da situação objectiva (por exemplo, falar da derrota do socialismo e das suas causas), é «pessimismo» e «revisionismo». Com este ponto de vista, reconhecer que algo é difícil equivale a pensar que é impossível (como a anteriormente citada confusão do PC(M)A entre o fim de uma etapa na revolução comunista e o fim da revolução comunista). Porque é que o movimento comunista deve fingir que a transformação histórico-mundial – que é urgente, necessária e possível – também é relativamente fácil, que marchamos sempre em frente em linha recta, que a revolução é sempre a tendência principal, que as massas estão sempre prontas e que a única questão é a vontade e determinação dos comunistas? Pelo contrário, esta transformação histórico-mundial «só se pode concretizar a partir das condições materiais concretas e das contradições que as caracterizam, que abrem esta possibilidade, mas que também contêm obstáculos à realização desta transformação social radical; e requer que se compreenda e se trate de forma científica esta dinâmica contraditória – e que seja dirigida por um grupo organizado de pessoas apoiado neste método e abordagem científicos – para levar a cabo a complexa e árdua luta para atingir esta transformação através do avanço rumo ao comunismo em todo o mundo» .

13.    Nacionalismo ou internacionalismo?

No decurso deste texto assinalámos vários aspectos comuns e partilhados entre as tendências dogmáticas e as mais abertamente democrático-burguesas que se opõem à nova síntese: rejeitam a necessidade premente de se analisar cientificamente as experiências do socialismo e da etapa anterior da revolução comunista em geral, passam ao lado de qualquer consideração séria da teoria de Mao sobre a continuação da revolução sob ditadura do proletariado, reduzem o «Maoismo» a uma mera receita para a luta armada, apegam-se a um ou outro modelo do passado e aplicam um método pragmático e instrumentalista.
Um outro denominador comum é o nacionalismo. Como já assinalámos, além do pragmatismo, no passado e agora, o nacionalismo é outra fonte da recusa a aprofundar os problemas da transição socialista para o comunismo, característica destas tendências. Nos países oprimidos em particular, a prática tem mostrado que ainda são possíveis dois tipos de revoluções e movimentos revolucionários na época do imperialismo: revoluções e movimentos revolucionários que não saem do sistema capitalista mundial (revoluciones democrático-burguesas do velho tipo, para usar a expressão de Mao) e a revolução de nova democracia que rompe com o sistema capitalista-imperialista mundial, que leva à transição socialista e faz parte da revolução comunista mundial. Como é sabido, a revolución chinesa foi um exemplo do segundo tipo. Embora muito distintas entre sí, as revoluções no Vietname, Cuba e Nicarágua acabaram por ser revoluções do primeiro tipo, revoluções populares e justas que era necessário apoiar na altura, mas que não saíram do quadro do sistema capitalista-imperialista mundial e que portanto acabaram por não conseguir libertar o país do domínio imperialista, muito menos levar a cabo a transição socialista para o comunismo.
O que marca a diferença entre um tipo e outro, tal como mostram os exemplos citados, não é se as forças dirigentes se dizem comunistas mas sim se efectivamente dirigem esta primeira etapa da revolução como parte subordinada da revolução comunista mundial com vista à abolição das quatro todas em todo o globo terrestre. Uma linha que não distingue entre capitalismo de estado e socialismo, entre revisionismo e comunismo revolucionário, que considera que os problemas da transição para o comunismo podem ser adiados para depois da tomada do poder, acabará num revisionismo que aborta a revolução proletária, como aconteceu no Vietname. Se não se debate a transição histórico-mundial do sistema capitalista-imperialista mundial para o comunismo mundial, não se pode passar de uma posição nacionalista revolucionária limitada ao objectivo de conseguir a libertação do «nosso país» como fim em sí mesmo (que, ironicamente, na época imperialista, nem sequer isso consegue obter).
É este o problema (além do pragmatismo e do instrumentalismo) com toda a algazarra por parte dos organizadores da nova organização internacional sobre a «guerra popular» isolada da discussão dos problemas da transição socialista e como seu substituto. Francamente, como tem sido sobejamente demonstrado por varias forças burguesas e revisionistas, a luta armada isolada e oposta ao objectivo do comunismo não é uma guerra popular e, em última análise, não vai libertar ninguém.
É também este o problema com a formulação do Partido Comunista do Peru e outros de que «O fundamental do Maoismo é o Poder».  É completamente verdade que «excepto o Poder tudo é ilusão» e, tal como diz Avakian, «E correcto querer o poder de estado. É necessário querer o poder de estado. O poder de estado é uma coisa boa —é uma coisa excelente – nas mãos das pessoas certas, da classe certa, ao serviço dos objectivos correctos: eliminar a exploração,  a opressão e a desigualdade social, e de forjar um mundo, um mundo comunista, em que os seres humanos possam desenvolver-se mais e melhor que antes».  Contudo, quando se toma o Poder como o fundamental do «Maoismo» (e ainda mais quando se concebe toda a ciência do comunismo como «principalmente Maoismo», na outra formulação errada do PCP), não só se nega a maior contribuição de Mao, a teoria da continuação da revolução sob ditadura do proletariado, como também leva a colocar o objectivo final da luta como sendo a tomada e o exercício do Poder em vez do comunismo, onde não existirá um Poder de estado, o que reflecte objectivamente, sobretudo nos países oprimidos, um desvio para o nacionalismo revolucionário que vê a necessidade de combater o imperialismo mas não a necessidade de se chegar à abolição das classes.
O PC(M)A acusa a «síntese de Bob Avakian» e o PCR,EUA, de uma «estreita visão nacionalista e de supremacia» por propagar o seu Manifesto, que sintetiza o seu ponto de vista em relação aos fundamentos do comunismo e a nova síntese e analisa a luta entre as duas linhas no movimento comunista internacional, em vez de se limitar a falar do MRI e da sua Declaração numa situação caracterizada pelo mesmo PC(M)A e outros como de «crise e colapso» do MRI, e por não dedicar mais páginas ao MRI no Manifesto.  A «estreita visão nacionalista» corresponde, pelo contrário, aos que, face a uma proposta sobre como fazer avançar mais e melhor a revolução comunista apresentada para comentário e debate, não respondem ao seu conteúdo e antes acham que o próprio acto de se fazer uma proposta e de a apresentar a debate é um acto de «supremacia», de hegemonismo, de «total desprezo (…) da existência e do esforço do MRI», etc. Se me fazes uma proposta, estás a exercer «supremacia» sobre mim e a mostrar «total desprezo» por mim! Que internacionalismo é este? Onde está a preocupação com a emancipação da humanidade? Se queremos a emancipação da humanidade e se compreendemos que isso requer conhecer o mundo tal como ele realmente é, qualquer proposta séria é de grande interesse. Se estamos apegados ao passado, ao dogmatismo e ao nacionalismo, achamos que o mero acto de se fazer uma proposta que contradiz esse dogma é um acto de «supremacia».
Longe de uma «estreita visão nacionalista», a nova síntese do camarada Avakian aprofundou ainda mais a base material e filosófica do internacionalismo ao analisar «porque é que, num sentido último e global, a arena mundial é tão decisiva, mesmo em termos da revolução em qualquer país específico, em especial nesta época do imperialismo capitalista como sistema mundial de exploração, e de como esse conhecimento deve ser incorporado na abordagem à revolução, tanto em países específicos como à escala mundial»,  ao criticar os desvios nacionalistas por subordinarem a revolução mundial à defesa do país socialista e ao insistir em que o internacionalismo não é algo que o proletariado de um país estenda a outro mas sim parte, nas palavras de Lenine, «da minha contribuição na preparação, na propaganda e na aceleração da revolução proletária internacional».
Em que consiste o internacionalismo e em que consiste o nacionalismo? Em dedicar recursos e esforços que muita falta lhe faziam, tal como fez o PCR,EUA, para promover a criação e o desenvolvimento do MRI ou em manter-se à margem para depois lançar acusações de «hegemonismo»? Em promover a campanha «Mover o céu e a terra para defender a vida do Presidente Gonzalo»,, após a detenção dele, e face à proposta de «acordos de paz», um ano depois, lutar por cumprir com o dever internacionalista do MRI de analisar a situação e a luta entre as duas linhas para chegar a conclusões científicas, ou em insistir que essa análise era um assunto apenas das pessoas no Peru e/ou apegar-se à «verdade política» de que Gonzalo não tinha nada a ver com a linha oportunista expressa em Asumir e noutros documentos, apesar das crescentes provas em contrario? Em desenvolver uma crítica comunista da linha oportunista no Peru ou seguir atrás da posição simplista de a denunciar como «embuste» e limitar a crítica a epítetos como «vómito negro», o que retirou ao PCP e às massas uma análise científica dessa difícil situação e de como a enfrentar? Em criticar na base de princípios e de uma argumentação racional a reviravolta revisionista da linha do Partido Comunista do Nepal (Maoista) desde o principio da sua adopção ou em não assumir uma clara posição de principio a esse respeito? Em insistir no debate para se chegar a uma análise científica das lições das importantes experiências da guerra popular no Peru e no Nepal ou em passar de promover uma ou outra luta segundo cálculos estreitos dos benefícios de prestigio e «força material» sem nunca se analisar nada cientificamente? Por fim, é uma demonstração da firme orientação internacionalista de Avakian o facto de não só ter reconhecido a necessidade de desenvolver mais a teoria comunista a fim de fazer avançar a revolução comunista nesta nova etapa, não só ter apelado repetidamente a que outros contribuíssem para esse mesmo esforço, como não vacilou nem sacrificou estas necessidades da luta pela emancipação, sobrepondo estreitos interesses de grupo para manter «boas relações» no MRI, quando outros se dedicaram a atacá-lo desapiedadamente e pessoalmente e a deixar claro que não iam tolerar sequer que estas questões fossem debatidas.

Camaradas,

Estamos imersos numa luta entre as duas linhas no movimento comunista internacional sobre o caminho rumo à revolução comunista mundial e à emancipação da humanidade. O PCR,EUA, foi bastante franco a descrever, no seu Manifesto, a profunda luta nas suas próprias fileiras contra o revisionismo. Na Organização Comunista Revolucionária, México, tal como já foi mencionado, também temos atravessado uma aguda luta, sobretudo com as tendências dogmáticas de apego religioso à experiência, à teoria e aos métodos do movimento comunista do século passado, aos quais se opõem ao reconhecimento das novas e profundas contribuições da nova síntese de Bob Avakian. Tal como outros apoiantes da nova síntese no movimento comunista internacional, continuamos a dar as boas-vindas a todas as críticas argumentadas, continuamos a debater a nova síntese e vemos claramente que há muito a fazer. Fazem falta as contribuições de muitos mais para que se desenvolva a teoria e a prática do comunismo, o que se torna necessário para se poder dirigir correctamente a nova etapa da revolução comunista mundial.
A unidade sem princípios com as posições dogmáticas e com as posições mais abertamente democrático-burguesas que aqui temos vindo a esboçar só pode levar a que se fique como resíduo do passado ou pior, a uma punhalada nas costas das massas que precisam urgentemente da revolução comunista para se libertarem deste sistema de horrores. O caminho para essa emancipação requer uma ruptura com essas tendências erradas na nossa própria forma de pensar e no movimento comunista em geral, requer que se leve a luta entre as duas linhas até ao fim, empenhando-nos de uma forma séria e crítica na nova síntese do comunismo e na sua aplicação à prática revolucionária em todo o lado, e construir sobre essa base a vanguarda do futuro, em cada país e a nível mundial, à altura dos desafios da nova etapa da revolução comunista e da possibilidade e da necessidade de se conseguirem novos e históricos progressos na luta pelo comunismo mundial e pela emancipação da humanidade.

– Maio de 2012

Posted in Uncategorized | Leave a comment

COMUNISMO: O INÍCIO DE UMA NOVA ETAPA – Um Manifesto do Partido Comunista Revolucionário, EUA

Setembro de 2008

Apesar do que nos é constantemente pregado, este sistema capitalista em que vivemos, esta forma de vida que constantemente consome – ou que num instante destrói – a vida da grande maioria da humanidade, não representa o melhor mundo possível – nem o único mundo possível. As formas com que a marcha diária da vida tem, há séculos e milénios, feito vergar a grande maioria da humanidade, prostrada de corpo e alma, através da opressão, da agonia, da degradação, da violência e da destruição, e de um negro manto de ignorância e superstição, não são culpa da humanidade em sofrimento – nem resultam da «vontade» de um deus ou deuses que não existem, nem de uma «natureza humana» inalterada e inalterável. Tudo isto é a expressão, e o resultado, da forma como a sociedade humana se desenvolveu até esta altura sob o domínio de exploradores e opressores… Mas esse mesmo desenvolvimento trouxe a humanidade até um ponto em que o que tem existido, há milhares de anos, já não tem de continuar a existir – em que uma forma de vida inteiramente diferente pode permitir que os seres humanos, tanto individualmente como sobretudo na sua interacção mútua, e em todo o mundo, se podem libertar das pesadas grilhetas da tradição e ascender ao seu ponto máximo, prosperando de formas nunca antes vividas, ou sequer completamente imaginadas.

I.
A longa escuridão – e o progresso histórico

As relações económicas e sociais de exploração, incluindo a sistemática opressão das mulheres pelos homens e a divisão da sociedade humana em diferentes classes com interesses antagónicos, nem sempre existiram entre os seres humanos. A situação de um pequeno grupo monopolizar não só a riqueza mas os próprios meios de subsistência, e dessa forma impor a escravidão sob o seu comando, de uma forma ou de outra, a um muito maior número de seres humanos, ao mesmo tempo que esse pequeno grupo também monopoliza o poder político e os meios de imposição dessa exploração e domina a vida intelectual e cultural da sociedade e condena a vasta maioria das pessoas à ignorância e à subserviência – isto nem sempre fez parte da sociedade humana. Nem está destinado a continuar a ser a forma como os seres humanos se relacionam uns com os outros, enquanto existirem seres humanos. Estas divisões opressivas surgiram há milhares de anos, substituindo as anteriores formas de sociedade comunal que existiam há milhares de anos e que consistiam em grupos relativamente pequenos de pessoas que detinham em comum os seus bens mais importantes e trabalhavam de forma cooperativa para satisfazerem as suas necessidades e formarem novas gerações.

A desagregação dessas primeiras sociedades comunais não se deveu a nenhuma «inclinação natural» das pessoas de procurarem posições superiores às dos outros e de «se desenvolverem» à custa dos outros, nem a nenhuma suposta «predisposição genética» dos homens a dominarem as mulheres ou de uma «raça» de pessoas a conquistarem e saquearem outras «raças». Sem dúvida que por vezes havia conflitos em que os membros dessas primeiras sociedades comunais se defrontavam umas às outras e não conseguiam reconciliar imediatamente as diferenças entre si, mas essas sociedades não se caracterizavam por divisões institucionalizadas de opressão como as que hoje nos são tão familiares. Para os membros dessas sociedades comunais, a ideia de haver algumas pessoas no interior dessas sociedades a estabelecerem-se como senhores acima dos outros e a procurarem obter riquezas e poder forçando as outras a trabalhar para elas, teria parecido estranha e ultrajante. Em vez disso, o surgimento das divisões de classe e das relações sociais de opressão entre as pessoas deveu-se a alterações na forma como os seres humanos interagiam com o meio ambiente natural «exterior» e, em particular, a alterações na forma como esses seres humanos levavam a cabo a produção das necessidades materiais da vida, da reprodução e da formação de novas gerações.

Em particular, quando a organização dessa produção e reprodução começou a ser levada a cabo de uma forma tal que os indivíduos, em vez da sociedade no seu todo, começaram a controlar os excedentes produzidos pela sociedade, acima e muito mais do que era necessário para a mera sobrevivência, e sobretudo quando as pessoas se estabeleceram de uma forma mais ou menos permanente em segmentos específicos do território e começaram a desenvolver a produção agrícola nos territórios em que se estabeleciam, foi então introduzida a longa noite em que os seres humanos passaram a ficar divididos entre amos e escravos, entre os poderosos e os sem poder, entre os que dominam e os que são dominados, entre aqueles cujo papel é decisivo na definição do rumo da sociedade e aqueles cujo destino é moldado dessa forma, mesmo quando não têm nenhum papel efectivo na determinação desse destino.
Ao longo destes milhares de anos de escuridão para a grande maioria da humanidade, as pessoas têm sonhado com uma vida diferente – uma vida em que a escravidão, a violação, as guerras de pilhagem e toda a vida de alienação, agonia e desespero deixariam de constituir «a condição humana». Este anseio por um mundo diferente encontrou expressão em diferentes formas de fantasias religiosas – que olham para lá deste mundo, para um deus ou deuses que supostamente controlam o destino humano e que supostamente, nalguma existência futura, se não mesmo nesta vida, irão finalmente recompensar os que suportaram um sofrimento infinito durante a sua permanência na Terra. Mas também houve repetidas tentativas para mudar de facto as coisas neste mundo. Houve revoltas e insurreições, grandes rebeliões, conflitos armados e mesmo revoluções em que as sociedades, e as relações entre diferentes sociedades, foram transformadas de muitas formas. Caíram impérios, foram abolidas monarquias, foram derrubados proprietários de escravos e senhores feudais. Mas, durante centenas e milhares de anos, embora nessas lutas tenham sido sacrificadas as vidas de muitas pessoas, voluntária ou involuntariamente, o resultado foi sempre que o domínio de um grupo de exploradores e opressores foi substituído pelo de outro – de uma forma ou de outra, uma pequena parte da sociedade continuou a monopolizar a riqueza, o poder político e a vida intelectual e cultural, dominando e oprimindo a grande maioria e envolvendo-se repetidamente em guerras com estados e impérios rivais.
Tudo isso tem permanecido inalterado quanto ao fundamental – a luz de um novo dia nunca emergiu para as massas da humanidade, apesar de todos os seus sacrifícios e luta… Até que, há pouco mais de 100 anos, surgiu algo de radicalmente novo: pessoas que se levantaram, encarnando não só o desejo mas também o potencial de pôr fim a todas as relações de exploração e opressão e todos os conflitos antagónicos destrutivos entre seres humanos, em todos os pontos do mundo. Em 1871, no meio de uma guerra entre o «seu» governo e o da Alemanha, o povo trabalhador da cidade capital de França, há muito explorada, empobrecida e desprezada, ergueu-se para tomar o poder e estabeleceu uma nova forma de associação entre as pessoas. Foi a Comuna de Paris que teve existência apenas nessa parte de França e durou apenas dois curtos meses, mas que representou, de uma forma embrionária, uma sociedade comunista em que as distinções de classe e as divisões de opressão entre as pessoas seriam finalmente abolidas. A Comuna foi esmagada pelo peso e pela força da velha ordem – com milhares de pessoas chacinadas numa corajosa mas em última análise vã tentativa de manter viva a Comuna. Mas tinham sido dados os primeiros passos para um mundo novo, o caminho tinha sido aberto e a direcção tinha sido indicada, mesmo que nessa altura apenas transitoriamente.
Mesmo antes dos acontecimentos da Comuna de Paris, a possibilidade de um mundo radicalmente novo, sem exploração nem opressão, já tinha sido cientificamente estabelecida pelo trabalho de Karl Marx, em conjunto com o seu colaborador e contemporâneo, Frederick Engels, os fundadores do movimento comunista. Como disse o próprio Marx, apenas alguns anos antes da Comuna:
Uma vez compreendida a conexão interna, todas as convicções teóricas sobre a permanente necessidade das actuais condições sucumbem antes do seu colapso na prática.1
E isso foi o que Marx já tinha feito: tinha aprofundado cientificamente e trazido à luz do dia não só as «conexões internas» do sistema capitalista que se tinha tornado na forma dominante de exploração na Europa e que tinha vindo a colonizar cada vez mais partes do mundo, mas também as «conexões internas» entre o capitalismo e todas as anteriores formas da sociedade humana – e, ao fazê-lo, tinha mostrado que não havia nenhuma «permanente necessidade» nem da continuação do capitalismo nem da existência de qualquer outra sociedade baseada na exploração e na opressão da maioria por uma minoria. Isto foi um profundo progresso na compreensão da realidade pelos seres humanos e estabeleceu a base teórica para um progresso histórico na prática à escala mundial, para uma revolução sem precedentes na sociedade humana e nas relações entre as pessoas, em todo o mundo.
A descoberta mais fundamental que Marx fez foi que o carácter da sociedade humana, e das relações entre as pessoas na sociedade, não é determinado pelas ideias e pelas vontades individuais – seja dos seres humanos individualmente, seja de seres imateriais sobrenaturais – mas sim pela necessidade que as pessoas enfrentam ao produzirem e reproduzirem as necessidades materiais da vida _e_ da forma como as pessoas se juntam, e dos meios que utilizam, para satisfazerem essas necessidades. No mundo actual, com a tecnologia altamente sofisticada que existe – e, em particular, para os que estão mais afastados do real processo de produção dos requisitos básicos da vida – pode ser fácil esquecer que, se a actividade produtiva não for levada a cabo para satisfazer esses requisitos básicos (alimentos, habitação, transportes, etc.) e que, se as sociedades humanas não forem capazes de reproduzir as suas próprias populações, então em breve a vida chegará a uma estagnação e tudo o que acontece na sociedade, cujo funcionamento é mais ou menos assumido como garantido desde que as coisas estejam a decorrer «normalmente», deixará de ser possível. Penetrar dentro de todas as complexas camadas do desenvolvimento histórico e da organização social da humanidade, e chegar a esta base subjacente e a este âmago essencial do funcionamento social da humanidade foi um grande feito e uma inestimável contribuição de Marx.
Mas Marx também mostrou que, em qualquer momento dado, quaisquer que sejam os meios com que as pessoas levem a cabo a produção e a reprodução das necessidades materiais da vida – qualquer que seja o carácter das forças produtivas (a terra e as matérias-primas, a tecnologia, quer a simples ou a mais complexa, e as próprias pessoas com o seu conhecimento e capacidades) –, serão elas que, fundamentalmente e em última análise, irão determinar as relações de produção em que as pessoas entram, a forma como as pessoas se organizam para melhor utilizarem as forças produtivas. Uma vez mais, Marx mostrou que essas relações de produção não são uma questão de vontade, ou de caprichos, de seres individuais, independentemente de quão poderosos sejam, mas devem, por necessidade, conformar-se basicamente ao carácter das forças produtivas em qualquer momento dado. Por exemplo, se as tecnologias de informação e os processos de produção com elas relacionados, que são cruciais nas actuais economias modernas, fossem introduzidas nas sociedades constituídas por pequenos grupos de pessoas que recolhiam alimentos e caçavam em grandes áreas (relativamente à dimensão das suas populações), que era o modo de vida das primeiras sociedades comunais, a introdução dessas tecnologias provocaria mudanças dramáticas no carácter dessas sociedades: o seu modo de vida seria destruído e alterado de uma forma significativa. Nem, por exemplo, poderia a tecnologia moderna ser utilizada eficazmente nas plantações que eram a espinha dorsal do modo de vida do sul dos Estados Unidos durante o período da escravidão e durante quase cem anos após a escravidão formal ter sido abolida pela guerra civil da década de 1860. Essas plantações eram marcadas por um baixo nível de tecnologia e por um trabalho muito intensivo levado a cabo inicialmente por um grande número de escravos e depois por rendeiros e trabalhadores rurais: uma labuta árdua de «não se ver de manhã até não se ver à noite». E, de facto, em particular no período a seguir à II guerra mundial, a introdução de novas tecnologias na agricultura do sul – sobretudo tractores e aparelhos mecanizados de plantação e colheita, numa escala crescente – minou o velho sistema de plantação e foi um importante impulso para que muitos negros, que antes estavam de uma forma ou outra acorrentados à terra, fossem afastados dos campos para as cidades do norte dos EUA, e também do sul. E isso, por sua vez, constituiu uma parte importante da base material em que foi levada a cabo a luta para acabar com a segregação legal e o terror aberto do Ku Klux Klan e outros supremacistas brancos – uma luta que, através de tremendos sacrifícios e heroísmo, provocou alterações muito significativas na sociedade norte-americana, e na posição dos negros em particular, mesmo que não tenha, e não o podia ter feito, posto fim à opressão dos negros que tem sido, e continua a ser, um elemento integrante e essencial do sistema capitalista-imperialista dos EUA.2
Isto ilustra outro facto crucial trazido à luz do dia por Marx: Com base nas relações de produção existentes em qualquer momento dado, daí surgirá uma superstrutura política e ideológica – estruturas, instituições e processos políticos, formas de pensar e cultura – que, num sentido fundamental devem corresponder e corresponderão às relações de produção existentes, e que, por sua vez, servem para as manter e reforçar. E Marx mostrou, além disso, que desde o momento em que as alterações nas forças produtivas levaram ao surgimento de relações de produção caracterizadas pela subjugação e dominação, a sociedade se dividiu em diferentes classes cujas posições na sociedade se baseiam nos seus diferentes papéis no processo de produção. Numa sociedade dividida em classes, é a classe economicamente dominante – o grupo da sociedade que monopoliza a propriedade e o controlo dos principais meios de produção (a tecnologia, a terra, as matérias-primas, etc.) – que também dominará a superstrutura política e ideológica. Essa classe economicamente dominante exercerá um monopólio do poder político. Esse monopólio do poder político materializa-se no estado – em particular nos instrumentos de repressão política, incluindo a polícia, bem como o exército, o sistema legal e as instituições penais, bem como no poder executivo – e assume uma expressão concentrada no monopólio da força armada «legítima». Por isso, também as formas dominantes de pensamento que influenciam a sociedade, incluindo a forma como isso se exprime na cultura, corresponderão à perspectiva e aos interesses da classe dominante (como Marx e Engels dizem no Manifesto Comunista, enquanto a sociedade estiver dividida em classes, as ideias dominantes em qualquer época serão sempre as ideias da sua classe dominante).
Então, qual é a base fundamental, e quais são as forças motrizes subjacentes, da mudança na sociedade? Marx analisou como, através da actividade e da inovação dos seres humanos, as forças produtivas estão a ser continuamente desenvolvidas e como, a certo ponto, as novas forças produtivas que foram desenvolvidas entram em antagonismo com as relações de produção existentes (e a superstrutura política e ideológica que corresponde a essas relações de produção). Nesse momento, tal como Marx o caracterizou, as relações de produção existentes tornam-se, num sentido global, uma grilheta, um entrave às forças produtivas; e quando essa situação emerge, deve ocorrer uma revolução cujo objectivo fundamental é transformar as relações de produção, torná-las conformes às forças produtivas, provocar uma situação em que as relações de produção sejam agora uma forma mais apropriada ao desenvolvimento das forças produtivas, em vez de um entrave a esse desenvolvimento. Essa revolução será levada avante por forças que representam uma classe que encarna o potencial para levar a cabo essa transformação das relações de produção, que as torne conformes, quanto ao essencial, à forma como as forças produtivas se desenvolveram. Mas essa revolução deve, e só pode, ocorrer na superstrutura – na luta pelo poder político sobre a sociedade, através do derrube e desmantelamento do velho poder de estado e do estabelecimento de um novo poder de estado – o qual torne então possível a transformação das relações de produção, bem como da própria superstrutura, em linha com os interesses da nova classe dominante e com a sua capacidade para libertar e utilizar mais integralmente as forças produtivas.
Claro que uma revolução é um processo extremamente complexo e envolve muitas pessoas e grupos diferentes com uma diversidade de perspectivas e objectivos, e quem levar a cabo essa revolução pode estar mais ou menos consciente de quais são as contradições subjacentes – entre as forças de produção e as relações de produção – cujo desenvolvimento estabeleceu a necessidade e deu origem à dinâmica que torna essa revolução possível, e necessária. Mas, em última instância, a influência dessas contradições e dessa dinâmica farão avançar os que podem e actuam essencialmente segundo a necessidade de transformação das relações de produção para as fazerem ficar de acordo com o desenvolvimento das forças produtivas. Foi isso que aconteceu, por exemplo, na revolução francesa de finais do século XVIII e início do século XIX, a mais radical de todas as revoluções burguesas: Muitas e diferentes forças de classe e grupos sociais participaram nessa revolução mas, em última análise, foram as forças políticas que avançaram para estabelecer o sistema capitalista, em substituição do velho sistema feudal, que se puderam entrincheirar no poder, fundamentalmente porque essa transformação da economia, e da sociedade no seu todo nessa base, representava o meio necessário para alinhar as relações de produção com a forma como as forças produtivas se tinham desenvolvido.
A Guerra Civil norte-americana também é uma ilustração dos princípios e métodos básicos que Marx desenvolveu e aplicou ao desenvolvimento histórico humano. Essa guerra civil ocorreu fundamentalmente como resultado do facto de que dois modos de produção diferentes – caracterizados por diferentes sistemas de relações de produção: o capitalismo e o esclavagismo – tinham entrado em conflito antagónico entre si e já não podiam coexistir no mesmo país. E o resultado dessa guerra civil foi que, com a vitória da classe capitalista, centrada no Norte, o sistema esclavagista foi abolido e o sistema capitalista tornou-se dominante em todo o país – ainda que, sobretudo após o breve período de Reconstrução que se seguiu à guerra civil, a aristocracia meridional de proprietários de terras e os capitalistas em desenvolvimento no Sul foram reintegrados na classe dominante do país como um todo, e têm tido de facto uma importante influência dentro dessa classe dominante, enquanto os ex-escravos foram uma vez mais dominados, através de formas de exploração e opressão pouco menos onerosas que a escravidão (e algumas formas de escravidão aberta continuaram a existir, particularmente no Sul, muito depois de a escravidão ter sido legal e formalmente abolida).
A partir destes exemplos históricos pode-se ver como, nas revoluções que resultaram em mudanças qualitativas na sociedade mas que, apesar disso, apenas levaram ao estabelecimento de uma nova classe exploradora na posição dominante, se repetiu um padrão em que as massas populares oprimidas se sacrificam (ou são sacrificadas) nessas revoluções (por exemplo, 200 mil antigos escravos lutaram do lado do Norte na guerra civil dos EUA, a partir do momento em que foram autorizados a fazê-lo, e morreram numa proporção muito maior que os outros grupos étnicos no exército da União). Contudo, em última análise, são os exploradores das massas, novos ou velhos, que tem recolhido os frutos desse sacrifício. É assim que tem sido desde que as divisões de classe, e o domínio das classes exploradoras, emergiram e passaram a caracterizar a sociedade humana. Isto era o que era possível… Até agora.
O que de mais significativo, e libertador, Marx trouxe à luz do dia foi que o desenvolvimento da sociedade humana, como resultado da dinâmica que ele revelou, leva a uma situação em que se torna possível um mundo radicalmente diferente. Nós chegámos a um ponto em que, através de todo o complexo desenvolvimento que foi aqui apenas esboçado em termos muito básicos, existem agora forças produtivas que tornam possível criar, e expandir continuamente, uma abundância que, em termos fundamentais, pode ser partilhada por toda a humanidade e utilizada para satisfazer as necessidades materiais das pessoas em todo o lado, fornecendo ao mesmo tempo uma vida intelectual e cultural cada vez mais enriquecida para todos. Não se trata apenas de a tecnologia se ter desenvolvido até um ponto que torna isso possível em sentido geral, mas também que essa tecnologia pode – e de facto deve – ser usada por grandes grupos de pessoas a trabalharem cooperativamente. Marx revelou a contradição fundamental do sistema capitalista que domina o mundo actual, a um custo tão grande e com um tão grande perigo para a humanidade: a contradição entre o modo socializado em que a produção é levada a cabo e o facto de esse processo de produção, e o que ele produz, ser controlado e apropriado privadamente por um pequeno número de capitalistas. Como salienta o Programa do nosso Partido:
[N]o mundo actual, a produção de bens, e a distribuição dos bens produzidos, é esmagadoramente levada a cabo por um grande número de pessoas que trabalham colectivamente e estão organizadas em redes altamente coordenadas. Na base de todo este processo está o proletariado, uma classe internacional que nada possui, mas que criou e trabalha essas gigantescas forças produtivas socializadas. Esse enorme poder produtivo poderia permitir à humanidade não só satisfizer as necessidades básicas de todas as pessoas do planeta, mas também construir uma nova sociedade, com todo um diferente conjunto de relações sociais e valores… uma sociedade onde todas as pessoas poderiam, em conjunto, florescer verdadeira e plenamente.3
Conseguir isso – resolver, por meios revolucionários, a contradição fundamental do capitalismo, e ultrapassar a divisão dos seres humanos entre exploradores e explorados, governantes e governados – é o objectivo da revolução comunista. Ela é uma revolução que corresponde aos interesses mais fundamentais do proletariado, o qual leva a cabo, em condições de domínio e exploração capitalistas, uma produção socializada e encarna o potencial para fazer alinhar as relações de produção com as forças produtivas e libertar ainda mais essas forças produtivas, incluindo as próprias pessoas. Mas, ao contrário de todas as anteriores classes que fizeram revoluções no seu próprio interesse, o proletariado revolucionário não pretende simplesmente estabelecer-se a si próprio e aos seus representantes políticos na posição dominante da sociedade; pretende ultrapassar a divisão da sociedade em classes, extirpar todas as relações de opressão e com isso eliminar todas as instituições e instrumentos através dos quais uma parte da sociedade domina e reprime as outras. Como Marx sucintamente resumiu, essa revolução visa – e será concluída apenas quando isso for alcançado – os objectivos que se tornaram conhecidos como as «4 Todas»: a abolição de todas as distinções de classe, de todas as relações de produção em que essas distinções de classe se baseiam, de todas as relações sociais que correspondem a essas relações de produção e a transformação de todas as ideias que correspondem a essas relações sociais. Marx também captou sucinta e poderosamente a sua essência ao salientar que o proletariado só se pode emancipar emancipando toda a humanidade.
É por tudo isto que a revolução comunista constitui a revolução mais radical e verdadeiramente libertadora da história humana.
Ao analisar a imensa experiência histórica que levou às conclusões que ele retirou, Marx salientou o profundo facto de que são realmente as pessoas que fazem a história, mas que elas não a fazem de qualquer forma que desejem. Fazem-na com base em condições materiais – e em particular nas condições económicas e nas relações subjacentes – que herdaram de gerações anteriores e nas possíveis vias de mudança que residem na natureza contraditória dessas condições. Como salientou Bob Avakian, Presidente do Partido Comunista Revolucionário, EUA, em «Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade» (Parte 1):
Podemos fazer aqui uma analogia com a evolução no mundo natural. Um dos pontos que é repetidamente acentuado no livro de Ardea Skybreak sobre a evolução é que o processo de evolução só pode gerar mudanças com base no que já existe… A evolução no mundo natural ocorre, e só pode ocorrer, através de mudanças que surgem com base na realidade existente, e estão com ela relacionadas, e nos constrangimentos existentes (ou, dito de outra forma, nas necessidades existentes).4
Isto fornece a resposta essencial a quem levanta a questão: Quem são vocês para dizerem como é que a sociedade se pode organizar, que direito têm vocês comunistas de ditarem que a mudança é possível e como ela deve ocorrer? Estas questões estão essencialmente deslocadas e representam um mau entendimento fundamental da dinâmica do desenvolvimento histórico – e das possíveis vias de mudança – na sociedade humana bem como no mundo material mais geral. Isto é semelhante a perguntar porque é que os pássaros não podem dar à luz crocodilos – ou porque é que os seres humanos não podem produzir descendência que seja capaz de voar à volta da terra, por si mesma, num instante, transpondo edifícios altos com um único salto e tendo uma visão de raios-X que permita ver através de objectos rígidos – e exigir saber: Quem são vocês para ditarem o que pode acontecer através da reprodução, quem são vocês para dizerem que a descendência humana terá determinadas características particulares e não outras? Não se trata de uma questão de saber «quem são vocês», mas sim do que é a realidade material e que possibilidades de mudança existem de facto dentro do carácter – contraditório – dessa realidade material. A questão tem aqui dois aspectos:
Pela primeira vez na história da humanidade surgiram as condições materiais que tornam possível a abolição final das relações de domínio, opressão e exploração; e o conhecimento teórico para guiar a luta até esse objectivo foi trazido à luz do dia com base em se ter retirado conclusões da realidade material, e do seu desenvolvimento histórico, que criou essa possibilidade.
Ao mesmo tempo, essa transformação histórica das relações sociais humanas a nível mundial só pôde ocorrer com base em se progredir a partir das actuais condições materiais e das contradições que as caracterizam, o que cria essa possibilidade mas também apresenta obstáculos à realização dessa transformação social radical; e requer uma compreensão e uma abordagem científicas dessa dinâmica contraditória – e a liderança de um grupo organizado de pessoas que se baseie nesse método e abordagem científicos – para levar a cabo a complexa e árdua luta pela obtenção dessa transformação através do avanço para o comunismo em todo o mundo.

II.
A Primeira Etapa da Revolução Comunista

A Comuna de Paris foi uma primeira grande tentativa de ascensão às alturas da emancipação humana e foi um precursor do futuro, mas faltou-lhe a liderança necessária e não foi guiada pelo conhecimento científico necessário a poder resistir às inevitáveis arremetidas contra-revolucionárias das forças da velha ordem e a depois levar a cabo uma sistemática transformação da sociedade em todos os campos: económico, social, político, cultural e ideológico. Algumas pessoas que abordam a experiência da Comuna com perspectivas e métodos romantizados, em vez de científicos, gostam de citar que a falta de uma liderança organizada de vanguarda, unida com base numa perspectiva científica, marxista, seria uma das virtudes da Comuna. Mas a verdade é que isso foi uma das suas maiores fraquezas e um dos principais factores que contribuíram para a sua derrota, depois de apenas ter tido um muito curto período de existência. A falta desse tipo de liderança – e a tentativa de implementar de imediato medidas que iriam essencialmente eliminar qualquer liderança institucionalizada – foi uma das principais razões por que a Comuna não suprimiu suficientemente as forças organizadas que estavam decididas a aniquilá-la e a assegurar que o espectro da revolução comunista – tão terrível do ponto de vista dos exploradores e opressores – nunca mais se voltaria a erguer. Em particular, como mostrou Marx, os Comunardos não marcharam imediatamente para a praça-forte da contra-revolução, a vizinha cidade de Versalhes; e assim a contra-revolução pôde acumular as suas forças, marchar sobre Paris e dar um golpe mortal à Comuna, nesse processo chacinando milhares dos seus mais dedicados combatentes.
Mas, para além das consequências imediatas derivadas, em grau significativo, das insuficiências e limitações da Comuna de Paris, a realidade é a seguinte: tivesse a Comuna derrotado os ataques da contra-revolução e sobrevivido, teria então enfrentado o ainda maior desafio de reorganizar e transformar toda a sociedade, e não apenas a cidade de Paris, onde deteve o poder durante um período brilhante mas demasiado breve. Teria tido de criar uma economia radicalmente nova e diferente, uma economia socialista, num país em grande parte ainda composto por pequenos agricultores (camponeses) e teria tido de superar desigualdades e opressões profundas e maceradas pela tradição, em particular as grilhetas que durante milhares de anos prenderam as mulheres. E aqui, uma vez mais, sobressaem as fraquezas e limitações da Comuna: as mulheres representaram um papel vital e heróico na criação da Comuna e na luta pela sua defesa mas, apesar disso, elas foram mantidas numa posição subordinada dentro da Comuna.
Menos de 50 anos após a derrota da Comuna de Paris, com início a meio da I Guerra Mundial entre os imperialistas, ocorreu uma transformação revolucionária muito mais arrebatadora e profunda no que antes fora o império russo. Essa revolução derrubou o Czar (o monarca russo) que era o governante hereditário deste império e depois derrubou a classe capitalista que tentou aproveitar-se do «vazio de poder» e assumir o controlo da sociedade assim que o Czar foi derrubado. Através dessa revolução, que foi liderada por V. I. Lenine, a União Soviética nasceu como primeiro estado socialista do mundo; e embora o próprio Lenine tenha morrido em 1924, durante várias décadas após ter ocorrido essa transformação socialista na União Soviética, mesmo enfrentando persistentes ameaças e repetidos ataques das forças contra-revolucionárias, de dentro e fora do país, incluindo uma maciça invasão da União Soviética pela imperialista Alemanha Nazi durante a II Guerra Mundial, que custou a vida a mais de 20 milhões de cidadãos soviéticos e trouxe uma enorme destruição ao país.
Ao liderar a revolução russa, no seu primeiro grande passo para tomar e consolidar o poder político e entrar na via da transformação socialista, Lenine agiu com base nos desenvolvimentos científicos que Marx tinha conseguido e ele próprio desenvolveu essa ciência viva do Marxismo. Retirou importantes lições da Comuna de Paris, bem como da experiência histórica da sociedade humana, e do mundo natural de uma forma mais geral. De grande importância, foi a sistematização por Lenine da compreensão que era essencial um partido comunista de vanguarda para permitir às massas populares levar a cabo uma luta cada vez mais consciente pelo derrube do domínio dos capitalistas e depois levar a cabo uma transformação radical da sociedade até ao objectivo final do comunismo, em todo o mundo.
Lenine também aplicou e desenvolveu a compreensão erigida por Marx, com base nas amargas lições da Comuna de Paris, de que quando se leva a cabo a revolução comunista, não é possível deitar fora a maquinaria disponível do velho estado que serviu o sistema capitalista; é necessário esmagar e desmantelar esse estado e substitui-lo por um novo estado: em vez do que é na realidade a ditadura da classe capitalista (a burguesia), é necessário estabelecer o domínio político da classe revolucionária em ascensão, a ditadura do proletariado, como forma radicalmente diferente de estado, a qual cada vez mais envolverá as massas populares no progresso da transformação revolucionária da sociedade. Essa ditadura revolucionária é necessária, sublinhou Lenine, por duas razões fundamentais:
1) Para impedir que os exploradores – velhos e novos, de dentro do país e de outras partes do mundo – derrotem e afoguem em sangue a luta das massas populares para fazerem nascer uma sociedade – e um mundo – radicalmente novos, para avançar até a concretização das «4 Todas».
2) Para garantir os direitos do povo em cada momento, mesmo com as desigualdades que irão permanecer, em vários graus, entre diferentes sectores do povo durante as várias fases da transição socialista para o comunismo, ao mesmo tempo que o objectivo da ditadura do proletariado é continuar a extirpar e finalmente ultrapassar essas desigualdades sociais, até se chegar ao ponto, em todo o mundo, em que já não possam surgir divisões sociais de opressão e em que o estado, enquanto instrumento institucionalizado de imposição de leis e direitos, já não seja necessário e em que o próprio estado seja substituído pela autogovernação das pessoas, sem distinções de classe e antagonismos sociais.
Citando uma vez mais o Preâmbulo do Programa do nosso Partido:
Todos os estados anteriores serviram o prolongamento e a defesa de relações de exploração; impuseram o domínio de classes exploradoras e fortaleceram-se a si próprios contra qualquer alteração fundamental dessas relações. Em contraste, a ditadura do proletariado visa a abolição final do próprio estado, com a abolição das distinções de classe e de todas as relações sociais antagónicas que levam à exploração, à opressão e à constante regeneração de conflitos destrutivos entre as pessoas. E, para continuar a avançar rumo a esse objectivo, a ditadura do proletariado tem de atrair cada vez mais as massas populares, de muitos diferentes sectores da sociedade, para um envolvimento significativo no processo de governação da sociedade e de levar avante o avanço rumo ao objectivo final do comunismo em todo o mundo.
Nos poucos anos em que Lenine liderou o novo estado soviético, ele liderou-o no processo de transformação da economia, e da sociedade no seu todo, e de dar uma orientação teórica e um apoio activo à luta revolucionária em todo o mundo. Mas, com a morte de Lenine em 1924, o desafio de levar avante esse processo, num mundo hostil dominado por poderosos países imperialistas e outros estados reaccionários, recaiu sobre outros membros do Partido Comunista Soviético, e em particular sobre José Estaline, que emergiu como líder do Partido Comunista Soviético. Tratou-se de uma experiência histórica sem precedentes: Durante várias décadas, a economia, bem como as relações sociais em geral – incluindo as relações entre mulheres e homens, bem como entre diferentes nacionalidades – e as instituições políticas e a cultura da sociedade e a forma de as massas populares verem o mundo sofreram profundas alterações. O nível de vida das pessoas melhorou enormemente e em todas as áreas, incluindo a saúde, a habitação, a educação e a alfabetização. Mas, mais que isso, o fardo da exploração e o peso de tradições muito antigas começou a ser afastado das massas populares. Houve grandes feitos em todos os campos da vida e da sociedade, mas, também não surpreendentemente, limitações, negligências e erros muito reais – alguns deles devido à situação em que se encontrava a União Soviética, como único estado socialista do mundo durante várias décadas (até ao final da II Guerra Mundial) e outros devido a problemas na perspectiva, abordagem e métodos dos que lideravam esse processo, em particular Estaline. Com a necessária perspectiva histórica, e com a aplicação de uma abordagem e um método científicos, materialistas e dialécticos – e em oposição à aparentemente infinita difusão de distorções e calúnias vomitadas contra o socialismo e o comunismo – pode-se, e deve-se, retirar claramente a conclusão de que a experiência histórica do socialismo na União Soviética (e ainda mais na China, depois de o socialismo aí se ter estabelecido) foi decididamente positiva, ainda que com inegáveis aspectos negativos – de todos os quais devemos retirar profundas lições.5
Foi Mao Tsetung que durante várias décadas liderou a luta revolucionária na China, a qual culminou na vitória da primeira fase dessa revolução com a criação da República Popular da China em 1949. Para compreendermos a sua imensa importância, é necessário recordar que a sabedoria convencional, mesmo dentro do movimento comunista, defendia que, num país como a China, não se podia fazer uma revolução que levasse ao socialismo e se tornasse parte da luta mundial com vista ao objectivo final do comunismo, da forma como acabou por ser realmente feita sob a liderança de Mao. Não se tratava apenas de a China ser um país atrasado, em grande parte camponês (isso também era verdade na Rússia, na altura da revolução de 1917), mas de a própria China não ser um país capitalista; estava dominada por outros países capitalistas-imperialistas e a economia e a sociedade em geral na China estavam submetidas aos ditames do domínio imperialista estrangeiro e da acumulação capitalista que serviam esses imperialistas. Em conjugação com isso, a revolução que Mao liderou na China não tentou chegar imediatamente ao socialismo mas, em vez disso, construiu uma vasta frente única contra o imperialismo e o feudalismo (e o capital burocrático ligado ao imperialismo e ao feudalismo); e essa revolução não foi feita centrada nas cidades, entre a reduzida classe operária que aí havia, mas levando a cabo uma guerra revolucionária prolongada, baseada entre o campesinato das vastas zonas rurais, cercando as cidades a partir dos campos e depois finalmente derrotando as forças reaccionárias nas suas praças-fortes nas cidades e conquistando o poder em todo o país, completando a primeira fase dessa revolução e abrindo caminho para o socialismo.
Contudo, como sublinhou o próprio Mao, apesar de quão importante e histórica foi essa vitória, ela foi apenas o primeiro passo de uma longa marcha. Teve de enfrentar imediatamente o desafio de avançar na via socialista, ou então mesmo as vitórias iniciais da revolução seriam perdidas – o país cairia uma vez mais sob o domínio das classes exploradoras e das potências imperialistas estrangeiras. Mas isso não era tudo: à medida que era levado a cabo o processo de construção de uma economia socialista e de realização das correspondentes mudanças nos outros campos da sociedade, e que Mao retirava lições dessa experiência inicial, ele chegava cada vez mais à conclusão que era necessário desenvolver uma abordagem da transformação socialista diferente da do «modelo» que tinha sido utilizado na União Soviética. A abordagem de Mao a esta questão dava mais iniciativa ao povo aos níveis mais básicos e nas zonas locais, e acima de tudo não punha tanta ênfase na tecnologia – embora o desenvolvimento de uma tecnologia mais avançada tenha sido reconhecido por Mao como muito importante – mas, primariamente, na iniciativa consciente das massas populares. Isto foi concentrado na expressão fazer a revolução e promover a produção, que forneceu a directriz fundamental para a realização de uma construção económica que fortalecesse as bases para um avanço contínuo na via socialista e que se reforçasse mutuamente com a transformação revolucionária das relações de produção e da superstrutura política e ideológica.
Tudo isto estava relacionado, e fez parte do seu processo de desenvolvimento, com a mais importante e decisiva contribuição de Mao para a causa da revolução comunista: a teoria da continuação da revolução sob ditadura do proletariado, rumo ao objectivo final do comunismo, e a liderança de Mao na tradução dessa teoria num poderoso movimento revolucionário das massas populares, durante a década de Revolução Cultural na China iniciada em meados dos anos 60. Rompendo uma vez mais com a «sabedoria herdada» do movimento comunista, Mao fez a inovadora análise de que ao longo do período socialista permanecem condições materiais que colocam a revolução socialista em risco de derrota. As contradições na base económica, na superstrutura e na relação entre a base e a superstrutura dos próprios países socialistas, bem como a influência, a pressão e os ataques directos dos restantes estados imperialistas e reaccionários em qualquer momento dado, originarão diferenças de classe e luta de classes num país socialista; essas contradições abrirão constantemente a possibilidade de a sociedade ser conduzida quer pela via socialista quer pela via capitalista e, mais especificamente, regenerarão repetidamente uma classe burguesa esperançada, dentro da própria sociedade socialista, que encontrará a sua expressão mais concentrada entre os que, dentro do Partido Comunista, e em particular nos seus níveis mais elevados, adoptaram linhas e políticas revisionistas que, em nome do comunismo, poderiam de facto acomodar o imperialismo e fazer as coisas regressarem ao capitalismo. Mao identificou esses revisionistas como «pessoas com autoridade que adoptam a via capitalista» e definiu a luta entre comunismo e revisionismo como a expressão concentrada, na superstrutura, da contradição e luta na sociedade socialista entre a via socialista e a via capitalista. Mao reconheceu, e sublinhou, que enquanto existirem essas condições materiais e os seus reflexos ideológicos, não pode haver nenhuma garantia contra a derrota da revolução e a restauração do capitalismo, não há nenhuma forma simples e fácil de o impedir, não há outra solução que não seja continuar a revolução para restringir e finalmente, em conjunto com o avanço da revolução em todo o mundo, extirpar e eliminar as desigualdades sociais e outros vestígios do capitalismo que deram origem a esse perigo.
Uma vez mais, é difícil exagerar a importância desta análise teórica de Mao – que clarificou muito confusão sobre se, e por quê, haveria o perigo de restauração capitalista na sociedade socialista, e forneceu uma orientação fundamental na mobilização das massas para o avanço na via socialista em oposição às forças revisionistas cuja orientação e actuação estavam a levar precisamente a essa restauração capitalista. A Revolução Cultural na China foi a incorporação viva dessa mobilização revolucionária em massa em que dezenas e centenas de milhões de pessoas debateram e discutiram questões que afectam decisivamente a direcção da sociedade e da revolução mundial. Durante dez anos, essa insurreição de massas conseguiu deter, e colocar na defensiva, as forças da restauração capitalista, incluindo altos responsáveis do Partido Comunista da China como Deng Xiaoping. Mas, pouco depois da morte de Mao em 1976, essas forças – lideradas, em última análise, e durante algum tempo a partir dos bastidores, por Deng Xiaoping – conseguiram levar a cabo um golpe de estado – utilizando o exército e outros órgãos do estado para reprimir os revolucionários, matando muitos, muitos milhares e encarcerando muitos mais – e prosseguiram para a restauração do capitalismo na China. Isso foi, infelizmente, uma demonstração viva do próprio perigo para o qual Mao tão vigorosamente tinha apontado, e cuja base ele tão penetrantemente tinha analisado.6

III.
O Fim de uma etapa – E que conclusões devem, e não devem, ser retiradas dessa experiência histórica

Com o golpe de estado revisionista e a restauração do capitalismo na China, que seguiu à ascensão ao poder dos revisionistas na União Soviética 20 anos antes,7 chegou ao fim a primeira vaga da revolução comunista. Na linguagem simples e clara do Programa do nosso Partido: «Passaram agora várias décadas desde que o proletariado revolucionário perdeu o poder em qualquer país do mundo – quaisquer que sejam os rótulos usados, não há hoje nenhum país socialista.»
Além disso, este revés do socialismo e da causa do comunismo – e a falência da própria União Soviética, muito depois de ter deixado de ser um país socialista de facto – originou um frenesim, como se de tubarões, entre as forças reaccionárias que desde o início odiaram, até ao mais fundo da sua essência sem piedade, a revolução comunista e a transformação radical da sociedade que ela encarna, e que constantemente procuraram, por todos os meios que conseguiam, contribuir para a derrota e a destruição dessa revolução. Elas intensificaram ainda mais os seus esforços para acumularem tanta sujidade quanto pudessem contra o comunismo e a transformação libertadora da sociedade que ele representa: distorcendo e caluniando essa revolução num ataque ideológico implacável, num esforço para garantirem que ela nunca mais se voltaria a erguer; proclamando o sistema capitalista como irreversivelmente triunfante; retratando o sonho de um mundo radicalmente diferente e melhor – e especificamente a revolução comunista que visa chegar a esse mundo – como um pesadelo, e descrevendo a realidade e o pesadelo aparentemente sem fim do actual sistema como a mais alta materialização da capacidade humana.
Imagine-se uma situação em que os criacionistas fundamentalistas cristãos tomavam o poder, nas academias de ciência e na sociedade em geral, e começavam a suprimir todo o conhecimento sobre a evolução. Imagine-se que eles chegavam a executar e a encarcerar os mais proeminentes cientistas e pedagogos que insistissem em ensinar a evolução e em trazer esse conhecimento ao público, e que enchiam de desprezo e calúnia o bem estabelecido facto científico da evolução, denunciando-o e ridicularizando-o como uma teoria imperfeita e perigosa que vai contra a bem conhecida «verdade» da história da criação bíblica e contra as noções religiosas de «lei natural» e de «ordem divinamente ordenada». E, para continuar a analogia, imagine-se que, nessa situação, muitas «autoridades» intelectuais e outras iam na sua esteira, juntando-se à carruagem: «Não só foi ingenuidade mas também criminoso acreditar que a evolução era uma teoria científica bem documentada e impor essa convicção às pessoas», declarariam eles. «Agora podemos ver que é ‘senso comum’, que ninguém questiona (por que razão o havíamos de fazer?), que a evolução encarna uma visão do mundo e leva a actos que são desastrosos para os seres humanos. Fomos levados por essa garantia arrogante dos que propagaram essa noção. Podemos perceber que tudo o que existe, ou existiu, não poderia existir sem a mão guiadora de um ‘projectista inteligente’.» E, por fim, imagine-se que, nessa situação, mesmo muitos dos que antes tinham ideias correctas ficavam desorientados e desmoralizados, intimidados ao silêncio, apesar de não se juntarem, seja recatada ou ruidosamente, ao coro de capitulação e denúncia.
A derrota temporária do socialismo e o fim da primeira etapa da revolução comunista tem tido muitas características e consequências análogas a esta situação. Entre outras coisas, levou a vistas curtas e a sonhos pequenos: mesmo entre muita gente que antes defendia ideias correctas e se teria empenhado mais, levou, a curto prazo, à aceitação da ideia de que – na realidade e pelo menos num futuro próximo – não pode haver nenhuma alternativa ao mundo tal como ele existe, sob o domínio dos imperialistas e outros exploradores. Que o máximo a que alguém pode aspirar e pelo qual pode trabalhar são alguns ajustes secundários no âmbito de uma acomodação a este sistema. Que qualquer outra coisa – e sobretudo a tentativa de concretizar uma ruptura revolucionária dos limites deste sistema, com vista a um mundo comunista radicalmente diferente – é irreal e acabará por resultar num desastre.
Ao mesmo tempo, no «vazio» criado pela derrota do socialismo e pelos reveses do comunismo que o acompanharam, e com a continuação, e mesmo aumento, dos saques levados a cabo pelo imperialismo – com todas as convulsões, caos e opressão que isso significa para literalmente milhares de milhões de pessoas em todo o mundo – tem havido um significativo crescimento do fundamentalismo religioso e das suas expressões organizadas em muitas partes do mundo, incluindo entre os mais desesperadamente oprimidos. Os coiotes e assassinos em massa imperialistas e os fundamentalistas religiosos fanáticos – os primeiros sendo mais poderosos e causando mais danos e, ao fazê-lo, dando mais ímpeto aos segundos, mas ambos representando um futuro negro, e grilhetas muito reais de escravização e ignorância forçada, e reforçando-se uns aos outros, mesmo quando se opõem uns aos outros.
Mas nada disto afastou a realidade: a realidade de como é o mundo sob o domínio deste sistema capitalista-imperialista e do horror diário que ele de facto implica para a grande maioria da humanidade – ou a realidade do que o comunismo representa para a humanidade e a possibilidade de dar novos passos em frente e avanços na via da revolução comunista.
Quando examinamos, com uma perspectiva e um método científico, a rica experiência dos primeiros países socialistas e da primeira etapa da revolução comunista em geral, podemos ver que o problema não é, como constantemente nos é alardeado, que a revolução comunista, ao tentar eliminar o capitalismo, estava a tentar em vão ultrapassar alguma característica inalterável que faz com que as pessoas tenham objectivos egoístas como motivação «de fundo», uma motivação que deve ser a força guiadora e motriz da sociedade humana, para que não viole a «natureza humana» e assim mergulhe a sociedade numa catástrofe e sujeite as pessoas à tirania. O problema tem sido que – embora tenha resultado em profundas mudanças, nas circunstâncias e nas pessoas, como resultado de uma cada vez mais consciente iniciativa das pessoas que tomavam o ponto de vista comunista – essa revolução ocorreu não num vazio e com pessoas como um «quadro em branco», mas com condições e pessoas que emergiam da velha sociedade e com as «marcas de nascença» dessa sociedade (e de milhares de anos de tradição que encarnavam e racionalizavam relações opressivas entre as pessoas). E as novas sociedades socialistas que foram criadas por essas revoluções existiram num mundo dominado pelo imperialismo, com o seu ainda muito formidável poder – económico, político e militar.
Tal como Marx e Lenine compreenderam em termos essenciais – e tal como Mao descobriu e explicou de uma forma muito mais completa – o socialismo não é um fim em si mesmo: ainda não é o comunismo mas sim a transição para o comunismo, o qual não pode ser atingido por si só neste ou naquele país, mas apenas à escala mundial, com o derrube de todas as classes dominantes reaccionárias e a abolição de todos as relações de exploração e opressão em todo o lado. E, durante todo este período de transição socialista, devido ao facto de os estados reaccionários continuarem a existir e de durante algum tempo cercarem e ameaçarem os estados socialistas que forem criados; e devido aos vestígios da velha sociedade – nas relações de produção, nas relações sociais e na superstrutura da política, da ideologia e da cultura – que continuam a existir dentro da própria sociedade socialista, mesmo à medida que o avanço na via socialista leve à restrição desses vestígios e à transformação de importantes aspectos seus em direcção ao objectivo final do comunismo… por causa de tudo isto, continua a haver a possibilidade de a mão do passado, ainda não morta e ainda poderosa, poder assumir o controlo da sociedade e arrastá-la para trás. Em suma, por estas razões, o perigo da restauração capitalista continua a existir ao longo do período de transição socialista, e isto só pode ser combatido e derrotado continuando a revolução, dentro do próprio país socialista, e fazendo isso como parte e ao mesmo tempo que activamente se apoia e promove a revolução comunista em todo o mundo.
O derrube do socialismo e o que é de facto a restauração do capitalismo na União Soviética e na China não foram uma questão de «a revolução comer os seus próprios filhos»… de «os revolucionários comunistas conspirativos se transformarem em tiranos totalitários» assim que cheguem ao poder… de «líderes burocráticos, entrincheirados no poder para sempre, abafando e sufocando a democracia (burguesa)»… não foram «o resultado inevitável da perpetuação da organização hierárquica da sociedade»… ou qualquer das outras noções fundamentalmente erradas e não científicas que são tão propagadas sem cessar nestes dias para atacarem o comunismo. Quem provocou directamente a derrota da revolução na União Soviética e na China foram de facto pessoas em altas posições no partido revolucionário e no estado, mas que não constituíam um grupo de pessoas sem rosto e sem classe, de burocratas desejosos do poder por si só. Eram, tal como Mao os caracterizou, pessoas com poder que enveredaram pela via capitalista. Não eram representantes do comunismo, mas do capitalismo, e em particular dos vestígios do capitalismo que ainda não tinham sido completamente extirpados e superados – e que não o podiam ser a curto prazo e dentro dos limites de um ou outro país socialista em particular.
O facto de esses revisionistas serem altos responsáveis do partido e do aparelho de estado não prova nenhuma falha fundamental do comunismo ou da revolução comunista e da sociedade socialista tal como estas tinham tomado forma até essa altura. Não aponta para a necessidade de se encontrar toda uma outra forma e modelo de criação de um mundo radicalmente diferente. As causas dessas derrotas do socialismo são mais profundas e consistentes com uma compreensão comunista científica da sociedade, e em particular do socialismo como transição do capitalismo para o comunismo: elas residem nas contradições que foram, em aspectos significativos, transportadas da velha sociedade que fora derrubada mas cujas características e influências ainda não tinham sido completamente transformadas. Essas contradições – incluindo entre o trabalho mental e o trabalho manual que está ligada à divisão da sociedade em classes e que tem constituído uma divisão integral e profunda em todas as sociedades governadas por classes exploradoras – tanto geram a necessidade de uma vanguarda comunista organizada para liderar a revolução, não apenas para derrubar o sistema capitalista mas para depois continuar a revolução na sociedade socialista, como, ao mesmo tempo, criam o perigo de a revolução ser traída e derrubada por pessoas que detêm posições de liderança nessa vanguarda. Dado o actual desenvolvimento histórico da sociedade humana e as possíveis vias de mudança que isto agora abriu (recordemos a analogia com a evolução no mundo natural e a relação entre constrangimento e mudança), a questão – as verdadeiras alternativas, no mundo real, se de facto tivermos a intenção de mudar radicalmente este mundo, de forma a extirparmos e abolirmos a exploração e a opressão – não é a liderança ou a não liderança, a democracia ou a não democracia, a ditadura ou a não ditadura; é a via socialista ou a via capitalista, uma liderança que leve as coisas numa direcção ou noutra, a democracia – e a ditadura – que esteja ao serviço e faça avançar um tipo de sistema ou o outro, rumo ao reforço e à perpetuação da exploração e opressão ou à sua eventual eliminação e, com isso, finalmente, à eliminação da necessidade de um partido de vanguarda ou de um estado, assim que as condições materiais e ideológicas que tornem isso possível sejam criadas com o triunfo da revolução comunista em todo o mundo.8
Em suma, em relação a este ponto: A primeira etapa da revolução comunista foi um longo caminho e obteve coisas incrivelmente inspiradoras, ao lutar por superar os próprios obstáculos reais que enfrentou e ao avançar para um mundo onde fossem finalmente eliminadas todas as relações de exploração e opressão e em que as pessoas desfrutem de toda uma nova dimensão de liberdade e levem a cabo a organização e transformação permanente da sociedade, em todo o mundo, como uma iniciativa consciente e voluntária sem precedentes na história humana. Mas, não surpreendentemente, também houve insuficiências significativas e verdadeiros erros, por vezes muito sérios, tanto nos passos práticos que foram dados pelos que lideraram essas revoluções e as novas sociedades que elas geraram como nas suas concepções e métodos. Essas insuficiências e erros não foram a causa da derrota das tentativas iniciais da revolução comunista, mas contribuíram, ainda que secundariamente, para essa derrota; e, além disso, todo essa experiência da primeira etapa – tanto as suas vitórias verdadeiramente inspiradoras como os seus erros e insuficiências muito reais, e por vezes muito sérios, ainda que globalmente secundários – deve resultar em lições profundas e com todas as perspectivas para fazer avançar a revolução comunista na nova situação que tem de enfrentada e para que desta vez se faça melhor.

IV.
Os novos desafios e a nova síntese

Quando os revisionistas tomaram o poder na China em 1976 e se mobilizaram para restabelecer o capitalismo, durante um certo período de tempo continuaram não só a fingir-se comunistas num sentido genérico, mas alegaram mais especificamente ser os continuadores da linha e do legado revolucionário de Mao. Nessas condições, o que os comunistas de todo o mundo realmente precisavam de fazer era manter um espírito e uma abordagem crítica, fazer uma análise objectiva e científica do que de facto tinha acontecido, e porquê, e distinguir claramente o comunismo do capitalismo, o marxismo do revisionismo, da forma como isso encontrava uma expressão concentrada nessas circunstâncias concretas e complexas. Isso não era fácil de fazer nessa altura, e a maioria dos comunistas de todo o mundo, que tinham olhado para a China de Mao como modelo e farol revolucionário, não o fizeram e assim seguiram cegamente os novos governantes revisionistas da China e tomaram o caminho para o pântano ou, de alguma outra forma, abandonaram a perspectiva e o objectivo da revolução comunista. Respondendo a uma grande necessidade, recusando alinhar no que tinha acontecido na China simplesmente porque tinha sido feito em nome do comunismo e através do sequestro do enorme prestígio de que a China revolucionária e Mao justamente desfrutavam entre os revolucionários e comunistas de todo o mundo – e à custa de uma importante divisão dentro do nosso próprio Partido – Bob Avakian assumiu a tarefa de fazer uma análise científica do que tinha acontecido na China, e porquê, e depois defendeu o ponto de vista de que realmente tinha ocorrido um golpe de estado revisionista e a restauração do capitalismo. E, conjugado com isso, apresentou um trabalho sistemático sobre as formas como Mao tinha desenvolvido a ciência e a estratégia da revolução comunista.9 Numa altura de grande desorientação, desmoralização e desordem nas fileiras dos «maoistas» de todo o mundo, esse trabalho de Avakian representou um papel crucial no estabelecimento da base política e ideológica para o reagrupamento dos restantes comunistas após a perda da China e dos seus devastadores efeitos no movimento revolucionário e comunista de todo o mundo.
Mas ainda maiores carências se apresentavam então. Ao mesmo tempo que tem fornecido uma liderança global ao nosso Partido, Bob Avakian tem, durante os últimos 30 anos, continuado a aprofundar uma análise científica da experiência do movimento comunista internacional e da abordagem estratégica à revolução comunista. O resultado desse trabalho foi o surgimento de uma nova síntese, um ainda maior desenvolvimento do quadro teórico para levar avante esta revolução.
Como salienta o Programa do nosso Partido, a situação no mundo actual – incluindo a derrota da vaga inicial da revolução comunista – de facto «coloca, de novo, a grande necessidade do comunismo». E:
Embora não haja nenhum estado socialista no mundo, há a experiência das revoluções socialistas e há o rico corpo de teoria revolucionária e científica que se desenvolveu durante a primeira vaga de revoluções socialistas sobre o qual se pode construir. Mas a teoria e a prática da revolução comunista exigem avanços para se lidar com os desafios desta situação – para lidar cientificamente, e daí retirar as lições necessárias, com a experiência global dessa primeira vaga da revolução socialista e com as implicações estratégicas das vastas mudanças que estão a ocorrer no mundo.
Bob Avakian assumiu essa responsabilidade e desenvolveu um corpo de trabalho comunista e um método e uma abordagem que respondem a essas grandes necessidades e desafios.
Nesse corpo de trabalho e nesse método e abordagem, na nova síntese apresentada por Bob Avakian, há uma analogia com o que foi feito por Marx no início do movimento comunista – estabelecer, nas novas condições actuais após o fim da primeira etapa da revolução comunista, um quadro teórico para o renovado avanço dessa revolução. Mas hoje em dia, e com esta nova síntese, é forçosamente não uma questão de «voltar à mesa de desenho», como se o necessário fosse rejeitar tanto a experiência histórica do movimento comunista e das sociedades socialistas que ele criou, como «o rico corpo de teoria científica revolucionária» que se desenvolveu durante essa primeira vaga. Isso representaria uma atitude não científica, e de facto reaccionária. Em vez disso, o que é necessário – e o que Avakian tem levado a cabo – é construir sobre tudo aquilo que já existia, na teoria e na prática, retirar as lições positivas e negativas disso e elevar isso a um nível novo e mais elevado de síntese.
Outros trabalhos e publicações do nosso Partido resultaram numa discussão mais extensa e sistemática desta nova síntese.10 Iremos aqui caracterizar resumidamente alguns dos seus principais elementos.
» Em termos de filosofia e método, esta nova síntese está, de uma forma significativa, a restabelecer mais integralmente o marxismo nas suas raízes científicas. Ela também envolve aprender com a rica experiência histórica desde o tempo de Marx, defendendo os objectivos fundamentais e os princípios do comunismo que mostraram estar fundamentalmente correctos, criticando e rejeitando os aspectos que mostraram estar incorrectos, ou já não aplicáveis, e estabelecer o comunismo ainda mais completa e firmemente numa base científica.
Na concepção original do desenvolvimento histórico da sociedade humana em direcção ao comunismo, mesmo da forma como ela foi formulada por Marx, havia uma tendência – embora essa tendência fosse claramente muito secundaria – para uma perspectiva algo estreita e linear. Isto manifestava-se, por exemplo, no conceito da «negação da negação» (a perspectiva de que as coisas funcionam de uma forma tal que uma coisa em particular é negada por outra coisa, a qual por sua vez leva a mais uma negação e a uma síntese que integra elementos das coisas anteriores mas agora a um nível mais elevado). Este conceito foi retirado do sistema filosófico de Hegel, cuja filosofia exerceu uma influência significativa em Marx (e Engels), mesmo quando, num sentido fundamental, eles reformularam e deram uma base materialista à perspectiva de Hegel sobre a dialéctica, a qual era ela própria marcada pelo idealismo filosófico (a perspectiva de que a história consiste essencialmente no desenvolvimento da Ideia). Como tem defendido Bob Avakian, a «negação da negação» pode tender para o «inevitabilismo» – como se uma coisa estivesse destinada a ser negada por outra de uma forma específica, levando ao que é quase uma síntese predeterminada. E quando aplicada à experiência histórica da sociedade humana, de uma forma tal que tende a ser simplisticamente constituída por formulas – como na seguinte construção: a sociedade primitiva sem classes (comunal) foi negada pela sociedade de classes, a qual por sua vez será negada pelo surgimento de novo da sociedade sem classes, mas agora numa base mais elevada com a concretização do comunismo em todo o mundo – a tendência para o reducionismo no que diz respeito ao extremamente complexo e variado desenvolvimento histórico da sociedade humana, a tendência para um «sistema fechado» e para o «inevitabilismo» tornou-se mais pronunciada e mais problemática.
Uma vez mais, isto foi uma insuficiência secundária do marxismo na sua fundação (tal como Bob Avakian também defendeu: «O marxismo, o comunismo científico, não representa, e de facto rejeita, qualquer noção teleológica… de que há algum tipo de vontade ou intenção de que a natureza, ou a história, esteja imbuída»11). Mas tendências deste tipo afirmaram-se ainda mais plenamente com o desenvolvimento do movimento comunista e foram particularmente visíveis, e exerceram um efeito negativo, no pensamento de Estaline, o qual, por sua vez, influenciou as perspectivas filosóficas de Mao, mesmo quando Mao rejeitou e rompeu de uma forma significativa com as tendências de Estaline para a «rigidez» e um materialismo mecânico e algo metafísico. A nova síntese de Bob Avakian representa uma continuação das rupturas de Mao com Estaline mas também, nalguns aspectos, uma ruptura para além das formas em que o próprio Mao foi influenciado, embora secundariamente, pelo que se tinha tornado na forma dominante de pensamento no movimento comunista sob a liderança de Estaline.
» O internacionalismo. No início dos anos 80, na obra Conquistar o Mundo?12, Bob Avakian fez uma extensa crítica das tendências erróneas na história do movimento comunista, e em particular da tendência para o nacionalismo – para a separação da luta revolucionária num país específico da luta revolucionária global mundial pelo comunismo, e mesmo para a erguer acima desta. Ele examinou as formas como essa tendência se tinha manifestado na União Soviética e na China, quando ainda eram países socialistas, e a influência que ela exerceu no movimento comunista em geral, incluindo nas por vezes pronunciadas actuações para subordinar a luta revolucionária noutros países às necessidades do estado socialista então existente (primeiro a União Soviética e, mais tarde, a China). Em conjunto com isso, Avakian fez ainda uma análise da base material do internacionalismo – porque é que, num sentido último e global, a arena mundial é tão decisiva, mesmo em termos da revolução em qualquer país específico, em especial nesta era do imperialismo capitalista como sistema mundial de exploração, e de como esse conhecimento deve ser incorporado na abordagem à revolução, tanto em países específicos, como à escala mundial.
Embora o internacionalismo sempre tenha sido um princípio fundamental do comunismo desde a sua fundação inicial, Avakian não só retirou conclusões sobre quais as formas como esse princípio tinha sido incorrectamente comprometido na história do movimento comunista, como fortaleceu a base teórica para se levar a cabo a luta para ultrapassar esses desvios ao internacionalismo e fazer avançar a revolução comunista de uma forma mais plenamente internacionalista.
» Sobre o carácter da ditadura do proletariado e da sociedade socialista como transição para o comunismo. Ao mesmo tempo que se submergia profundamente em aprender com eles, em defendê-los firmemente e em propagar os grandes ensinamentos de Mao sobre a natureza da sociedade socialista como transição para o comunismo – e as contradições e lutas que marcam essa transição e cuja resolução, numa ou noutra direcção, são decisivas em termos de se saber se o avanço é levado avante para o comunismo, ou se as coisas são arrastadas para trás, para o capitalismo – Bob Avakian reconheceu e sublinhou a necessidade de um maior papel para a dissensão, de um maior amadurecimento do fermento intelectual e de mais margem para a iniciativa e a criatividade nas artes na sociedade socialista. Criticou a tendência para uma «reificação» do proletariado e outros grupos explorados (ou ex-explorados) da sociedade – uma tendência que considera as pessoas específicas desses grupos, enquanto indivíduos, como representantes dos interesses mais gerais do proletariado como classe e da luta revolucionária que corresponde aos interesses fundamentais do proletariado, no sentido mais lato. Isto tem sido muitas vezes acompanhado por perspectivas e abordagens estreitas, pragmáticas e positivistas – as quais restringem o que é relevante, ou o que se pode decidir (ou o que é declarado) ser verdade, no que diz respeito às experiências imediatas e às lutas em que as massas populares estão envolvidas, e aos objectivos imediatos do estado socialista e do seu principal partido, em qualquer momento dado. Isto, por sua vez, tem surgido em conjunto com tendências – que foram um elemento marcante na União Soviética mas também na China quando esta era socialista – para a noção de «verdade de classe», o que de facto é contrário à compreensão científica de que a verdade é objectiva, não varia consoante os diferentes interesses de classe e não depende de qual é a perspectiva de classe que a pessoa tem na busca pela verdade. A perspectiva e o método científico do comunismo – se forem correctamente seguidos e aplicados, como ciência viva e não como dogmas – fornecem, num sentido global, o meio mais consistente, sistemático e completo de se chegar à verdade, mas isso não é o mesmo que dizer que a própria verdade tem um carácter de classe, ou que os comunistas estão destinados a chegar à verdade no que diz respeito a um fenómeno específico, enquanto as pessoas que não aplicam, ou mesmo que se oponham, à perspectiva e ao método comunista, não serão capazes de chegar a importantes verdades. Estes pontos de vista da «verdade de classe», que têm existido em diferentes graus e sob várias formas no movimento comunista, são reducionistas e de um materialismo vulgar, e contrários à própria perspectiva científica e método do materialismo dialéctico.
Como parte da nova síntese com isto relacionada, Bob Avakian criticou um ponto de vista no movimento comunista que é unilateral face aos intelectuais – que apenas os vê como problema e não dá um reconhecimento integral às formas como eles podem contribuir para o rico processo pelo qual as pessoas em geral na sociedade chegarão a uma compreensão mais profunda da realidade e a uma capacidade mais elevada de levar a cabo uma luta cada vez mais consciente pela transformação da realidade rumo ao comunismo.
Uma vez mais, como explica o Programa do nosso Partido:
Esta nova síntese também envolve uma maior avaliação do importante papel dos intelectuais e artistas em todo este processo, tanto na procura das suas próprias perspectivas e na contribuição das suas ideias para este fermento mais vasto – tudo isto, uma vez mais, é necessário para se obter um processo muito mais rico…
Em suma, nesta nova síntese, tal como ela foi desenvolvida por Bob Avakian, deve haver um núcleo sólido, com muita elasticidade. Isto quer dizer, em primeiro lugar, um método e uma abordagem que se apliquem de uma forma muito geral… É necessária uma clara compreensão dos seus dois aspectos [o núcleo sólido e a elasticidade] e da sua inter-relação para se compreender e transformar a realidade, em todas as suas áreas, e é crucial para se fazer transformações revolucionárias na sociedade humana…
Aplicada à sociedade socialista, esta abordagem do núcleo sólido com muita elasticidade inclui a necessidade de um núcleo dirigente, em expansão, que seja claro em relação à necessidade da ditadura do proletariado e ao objectivo de continuar a revolução socialista como parte da luta mundial pelo comunismo e que esteja decidido a continuar a levar avante essa luta através de todas as suas voltas e reviravoltas. Ao mesmo tempo, haverá necessariamente muitas pessoas e tendências diferentes na sociedade socialista que puxarão em muitas direcções diferentes – e, em última análise, tudo isto pode contribuir para o processo de se chegar à verdade e à concretização do comunismo. Por vezes isso será intenso e a dificuldade de abraçar tudo isso – ao mesmo tempo que se leva a cabo todo o processo geral rumo ao comunismo – será, como Avakian o apresentou, algo como ir até ao limite de ser esticado e esquartejado – e de uma forma repetida. Tudo isto é difícil mas necessário e é um processo a que se deve dar as boas-vindas.
Como tema unificador de tudo isto, Avakian tem salientado a orientação dos «emancipadores da humanidade»: a revolução que se deve levar a cabo, e da qual as massas devem ser a força motriz consciente, não tem a ver com vingança nem com mudanças de posição num enquadramento estreito («os últimos serão os primeiros, e o primeiro será o último») mas tem a ver com transformar todo o mundo para que deixe de haver pessoas que sejam as «primeiras» e outras que sejam as «últimas»; o derrube do actual sistema, o estabelecimento da ditadura do proletariado e a continuação da revolução nessas condições, tudo isto é feito com a intenção e rumo ao objectivo de abolir todas as divisões de opressão e relações de exploração entre seres humanos e para se avançar para toda uma nova era da história humana.
» A abordagem estratégica da revolução. A nova síntese de Avakian re-ancorou (restabeleceu), e enriqueceu, o trabalho comunista na compreensão fundamental de Lenine da necessidade de as massas populares desenvolverem uma consciência comunista, não só, ou não sobretudo, através da sua própria experiência imediata e das suas lutas, mas através de uma completa denúncia da natureza e das características do sistema capitalista-imperialista e de uma clara apresentação das convicções, objectivos, perspectivas e métodos do comunismo, que seja levada às massas de uma forma sistemática e global por um partido de vanguarda organizado, que ligue a luta em qualquer momento dado ao objectivo revolucionário estratégico, desviando-a e dirigindo-a para ele, ao mesmo tempo que também «coloque perante as massas» as questões essenciais e os problemas da revolução e que as envolva no forjar dos meios de resolução dessas contradições e faça avançar a luta revolucionária. Sob a liderança de Bob Avakian, a orientação estratégica fundamental necessária para levar a cabo o trabalho revolucionário num país imperialista, para o acelerar enquanto se espera pelo desenvolvimento de uma situação revolucionária e pelo surgimento de pessoas revolucionárias aos milhões e milhões, e que depois agarre essa situação quando ela finalmente surgir – e para ser capaz de lutar e vencer nessas circunstancias – tem sido e continua a ser ainda mais desenvolvida. (Sobre isto, ver Revolution and Communism: A Foundation and Strategic Orientation [Revolução e Comunismo: Uma Base e uma Orientação Estratégica], um folheto do jornal Revolution/Revolución, 2008.)
Tudo isto é uma refutação viva dos que alegam que a revolução não é possível nos países imperialistas, ou que o trabalho prático e teórico dos comunistas aí se deveria centrar na luta por reformas e «soluções» para os problemas imediatos das massas, de uma forma que separa isso dos objectivos revolucionários e da perspectiva comunista – e que, na realidade, os leva para longe disso e que, enquanto influenciar as massas populares, as levará a um desmoralizador beco sem saída e a uma acomodação final ao actual sistema de opressão.
Ao mesmo tempo que esta nova síntese desenvolve ainda mais uma orientação estratégica fundamental para a revolução em países imperialistas como os EUA, Avakian também chamou a atenção para novos desafios à luta revolucionária e para a necessidade de um maior desenvolvimento da estratégia revolucionária nos países dominados pelo imperialismo estrangeiro, dadas as grandes alterações no mundo, e dentro da maioria desses países, nas últimas décadas.
Esta nova síntese, nas suas muitas dimensões cruciais (que aqui só pudemos mencionar brevemente) colocou a revolução e o comunismo numa base científica mais sólida. Como salientou o próprio Avakian:
[É] muito importante não menosprezar o significado e a potencial força positiva desta nova síntese: criticar e romper com erros e insuficiências significativas, ao mesmo tempo que trás de volta e reformula o que foi positivo na experiência histórica do movimento comunista internacional e dos países socialistas que existiram até agora; revivendo num verdadeiro sentido – numa base nova e mais avançada – a viabilidade e, sim, a atracção por todo um mundo novo e radicalmente diferente, e colocando isso num base ainda mais firme de materialismo e dialéctica…
Por isso, não devemos menosprezar o seu potencial como fonte de esperança e de audácia com uma sólida base científica.13

V.
O Comunismo numa encruzilhada: Vanguarda do futuro ou vestígio do passado?

Face aos persistentes desafios e às dificuldades do actual período, o reagrupamento inicial de comunistas que ocorreu após a derrota na China e o fim da primeira etapa da revolução comunista tem, numa extensão significativa, aberto recentemente caminho a agudas divergências: por um lado, o nosso Partido, cuja linha fundamental se concentra no nosso novo Programa, bem como alguns outros que estão a gravitar rumo à nova síntese; e, por outro lado, duas tendências opostas – seja a de se teimar religiosamente em todas as anteriores experiências e na teoria e no método a elas associados, seja a de (em essência, se não mesmo em palavras) se atirar com tudo isso fora.
Num certo sentido, isto tinha sido antecipado nas respostas a Conquistar o Mundo? quando este texto foi originalmente publicado, há já quase três décadas. Por um lado, havia os que no movimento comunista internacional ficaram extremamente incomodados com o que foi dito em Conquistar o Mundo? – alegando que reduzia a experiência do movimento comunista a «uma bandeira esfarrapada» (isto era uma resposta que por si só reflectia uma abordagem dogmática e frágil do que é o comunismo, em vez de o considerar e de o utilizar como o que ele realmente é: uma ciência revolucionário crítica viva e em desenvolvimento, em que uma das suas características é a sua contínua auto-interrogação) – e, por outro lado, além dos que acolheram bem o Conquistar o Mundo? pelas razões correctas, houve os que de facto lhe deram as boas-vindas mas que o fizeram com a perspectiva, e a esperança, de que constituiria um calço que abrisse a porta a deitar fora e a renunciar a toda a experiência histórica que Conquistar o Mundo? estava a examinar de uma forma crítica de um ponto de vista fundamentalmente diferente, o de reconhecer que objectivamente essa experiência era principalmente positiva e envolvia avanços historicamente sem precedentes para a humanidade que devem ser firmemente defendidos, mas também reconhecendo que havia problemas, insuficiências e erros reais, alguns deles bastante funestos que precisavam de ser mais aprofundados e criticamente examinados, bem como aprender-se com eles. Nessa altura, essas reacções opostas a Conquistar o Mundo? estavam num estado mais embrionário e num quadro global de uma ampla unidade. Foi só com a continuação do desenvolvimento dos acontecimentos durante as décadas seguintes, e com a experiência de mais dificuldades – incluindo derrotas em lutas que durante algum tempo pareciam estar a romper novos terrenos e a encarnar uma revitalização do movimento comunista no mundo – que essas perspectivas opostas mais de desenvolveram e avivaram.
Actualmente, da parte dos que se recusam a examinar criticamente a experiência histórica do movimento comunista, é comum encontrar o fenómeno da insistência na «verdade de classe» e na reificação do proletariado, que com ele está relacionado, e em geral uma abordagem à teoria e aos princípios comunistas como alguma forma de dogma, análogo ao catecismo religioso – em essência: «Nós sabemos tudo o que precisamos saber, temos todas as bases que são necessárias, trata-se apenas de uma questão de levar a cabo esse conhecimento que recebemos.»
No pólo oposto estão aqueles cujo entendimento da experiência histórica do movimento comunista – e em particular das causas das suas dificuldades, recuos e derrotas – também é superficial e mal fundamentada, que ignoram ou rejeitam uma análise comunista científica das profundas contradições que deram origem ao perigo da restauração capitalista nas sociedades socialistas e que tentam substituir essa análise por uma abordagem baseada em princípios e critérios democrático-burgueses e em noções democrático-burguesas de legitimidade – ligadas ao processo formal das eleições, com partidos políticos que competem entre si, tão comum na sociedade capitalista e tão compatível e favorável ao exercício do poder político pela classe capitalista. Os que defendem estas posições, mesmo quando continuam a manter a capa do comunismo, estão ansiosos por descartarem e se distanciarem do conceito e da experiência histórica da ditadura do proletariado – e, em muitos casos, dessa própria expressão. Com efeito, essas pessoas estão a tentar «aliviar-se» da experiência mais libertadora da história humana até agora! Eles alegam querer avançar rapidamente em frente, juntar-se às novas condições dos nossos tempos… mas têm os seus veículos na mudança errada e estão a avançar rapidamente em marcha atrás – recuando em passo acelerado para a democracia burguesa e os limites estreitos do direito burguês14, retrocedendo do século XXI para o século XVIII.
Embora as tendências erróneas que aqui identificámos envolvam diferenças reais, também há um aspecto significativo em que elas são como «imagens de espelho» e em que na verdade partilham importantes características comuns. De facto, é de salientar que, nos últimos anos, tem ocorrido o fenómeno de certos grupos «pularem» de um pólo para o outro – e, em particular, do dogmatismo e das tendências a ele relacionadas, para o abraço à democracia burguesa (ainda que disfarçada de comunismo). O que se segue são algumas das características significativas que essas tendências partilham entre si.
» Nunca levar a cabo – ou nunca nele se empenharem de uma forma sistemática – um balanço científico da anterior etapa do movimento comunista, e em particular da análise inovadora de Mao Tsétung sobre o perigo e as bases para a restauração capitalista numa sociedade socialista. Assim, embora possam continuar a defender – ou possam no passado ter defendido – a Revolução Cultural na China, não têm qualquer compreensão real, ou profunda, da razão por que essa Revolução Cultural foi necessária e por que e com que princípios e objectivos Mao iniciou e liderou essa Revolução Cultural. Reduzem essa Revolução Cultural, de facto, a apenas mais um episódio de exercício da ditadura do proletariado – ou, por outro lado, reinterpretam-na como uma espécie de movimento «antiburocracia» democrático-burguês que representou, em essência, a negação da necessidade de uma vanguarda comunista e do seu papel principal institucionalizado na sociedade socialista, em toda a transição para o comunismo.
» A tendência comum para reduzir o «maoismo» a apenas uma receita por levar a cabo a guerra popular num país do Terceiro Mundo, ao mesmo tempo que de novo ignoram, ou reduzem a sua importância, a contribuição mais importante de Mao para o comunismo: o seu desenvolvimento da teoria e da linha da continuação da revolução sob ditadura do proletariado, e toda a rica análise e método científico que lhe estão subjacentes e que tornaram possível o desenvolvimento dessas teoria e linha.
» O positivismo, o pragmatismo e o empirismo. Embora, uma vez mais, isto possa tomar diferentes expressões conforme os diferentes pontos de vista e abordagens erradas específicas, o que é comum entre eles é a vulgarização e degradação da teoria – reduzindo-a apenas a um «guia para a prática», no sentido mais estreito e imediato, tratando a teoria, em essência, como um produto directo da prática específica e tentando estabelecer uma equivalência entre prática avançada (a qual, em si mesmo, sobretudo da parte dessas pessoas, envolve um elemento de avaliação subjectivo e arbitrário) e teoria supostamente avançada. Uma perspectiva comunista científica, materialista e dialéctica, leva a uma compreensão de que a prática é o ponto de partida fundamental e de verificação da teoria; mas, em oposição a essas distorções estreitas e empiristas, isto deve ser entendido como significando a prática num sentido lato, abarcando uma vasta experiência social e histórica, e não simplesmente a experiência directa de um indivíduo, grupo, partido ou nação em particular. As próprias fundações, e o seu desenvolvimento posterior, da própria teoria comunista são uma poderosa demonstração disso: Desde o tempo de Marx, essa teoria tem sido forjada e enriquecida retirando lições de uma vasta ordem de experiências, numa vasta gama de campos e num vasto período de desenvolvimentos históricos, na sociedade e na natureza. A prática como fonte da teoria e a máxima de que «a prática é o critério da verdade» podem ser, e são, transformados numa profunda mentira se isso for interpretado e aplicado de uma forma estreita, empiricista e subjectiva.
» Muito significativamente, essas tendências erradas e similares como «imagens num espelho» têm em comum estarem agarradas, ou estarem a recuar para, modelos do passado, de uma forma ou de outra (mesmo que os modelos específicos possam diferir): seja teimando dogmaticamente na experiência passada da primeira etapa da revolução comunista – ou, em vez disso, numa compreensão incompleta, unilateral e, no fim de contas, errada dela – ou recuando inteiramente para a era passada da revolução burguesa e dos seus princípios: regressando para o que, em essência, eram as teorias da democracia (burguesa) do século XVIII, sob o disfarce, ou em nome, do «comunismo do século XXI», comparando na realidade esse «comunismo do século XXI» a uma democracia que é supostamente «pura» ou «sem classes» – uma democracia que, na realidade, enquanto existirem classes, apenas pode significar democracia burguesa e ditadura burguesa15. Tudo isto acontece ao mesmo tempo que ignoram, tratando como antiquado, ou rejeitando como dogma (ou ainda relegando para a categoria vazia de «ABC do comunismo», reconhecido como abstracção e depois posto de lado como irrelevante para a luta prática), a perspectiva comunista, fundamental e científica, derramada literal e repetidamente no sangue de milhões de oprimidos desde o tempo da Comuna de Paris, de que o velho e reaccionário estado deve ser esmagado e desmantelado e de que deve ser criado um estado radicalmente novo que represente os interesses revolucionários dos ex-explorados na transformação de toda a sociedade e na emancipação de toda a humanidade, ou então qualquer avanço da luta revolucionária será desperdiçado e destruído e as forças revolucionárias dizimadas16.
Só rompendo com estas tendências erradas e empenhando-nos profundamente e baseando-nos mais firmemente nos pontos de vista, métodos e princípios do comunismo, da forma como eles foram desenvolvidos até esta altura (e que devem ser ainda mais desenvolvidos de uma forma continuada), é que os comunistas poderão estar à altura da grande responsabilidade e do desafio de realmente serem uma vanguarda do futuro e não se limitarem a manter, ou a degenerar, num resíduo do passado e assim a trair as massas populares de todo o mundo para quem a revolução comunista representa a única via de saída da loucura e dos horrores do mundo actual e para um mundo em que realmente valha a pena viver.

VI.
Uma Revolução Cultural no PCR

A influência de linhas incorrectas e mesmo abertamente revisionistas é algo a que o nosso Partido não tem sido imune. De facto, as linhas e tendências que aqui criticamos não só têm existido dentro do nosso Partido como, durante vários anos, e até muito recentemente, exerceram uma poderosa influência e representaram um verdadeiro perigo de o nosso Partido vir a deixar de ser uma vanguarda comunista revolucionária e degenerar, em vez disso, num outro agrupamento amalgamado de reformistas, mesmo que retendo, pelo menos durante algum tempo, o rótulo de comunista.
Durante o período dos anos 80 e 90, desenvolveu-se dentro do nosso Partido uma situação em que, de facto, havia dois partidos que representavam duas vias fundamentalmente opostas. Por um lado, havia a linha «oficial» do Partido e o desenvolvimento contínuo dessa linha, tal como concretizada em particular na nova síntese que Bob Avakian tinha vindo a desenvolver e que estava, quanto ao essencial, expressa no jornal do Partido (Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, agora Revolution/Revolucion) e noutros documentos e publicações do Partido. Mas, ao mesmo tempo, em crescente oposição à nova síntese e à linha comunista revolucionária geral, estavam pontos de vista e orientações revisionistas que, embora geralmente não expressos e defendidos de uma forma sistemática, estavam a ficar predominantes em todos os níveis do Partido – pontos de vista e orientações que variavam nalguns pormenores mas que tinham em comum o facto de resultarem, objectivamente, num abandono da perspectiva e dos objectivos da revolução comunista, acomodando-se ao sistema imperialista e aceitando, no máximo, reformas dentro deste horrível sistema.
Quais eram algumas das principais características dessas linhas revisionistas e que principais factores levaram ao seu crescimento e à sua crescente influência dentro do nosso Partido?
» A derrota na China e o fim da primeira etapa da revolução comunista – combinados com décadas de relativa «estabilidade» nos países imperialistas mais poderosos do mundo, depois dessa derrota e do recuo da grande insurreição dos anos 60 e princípio dos anos 70, com ela relacionado, nos EUA, bem como à escala mundial – tiveram não só um efeito desorientador e desmoralizador num grande número de pessoas que antes tinham defendido activamente e lutado por uma mudança radical no mundo, bem como nas pessoas em geral, mas isso também era verdade entre os comunistas e dentro do nosso Partido. Os partidos comunistas são constituídos por pessoas que se juntam com base numa compreensão avançada e científica da necessidade e da possibilidade da revolução, visando um futuro fundamentalmente diferente e muito melhor para a humanidade; mas elas existem e desenvolvem o seu trabalho dentro do actual sistema – elas não estão, nem podem estar, nem devem estar, separadas, e muito menos isoladas, do resto do mundo e das condições que ele impõe e da influência que ele exerce.
Ao mesmo tempo, e aproveitando as derrotas e recuos da revolução comunista, durante as últimas décadas tem havido uma persistente ofensiva ideológica contra o comunismo, levada a cabo pelos defensores e apoiantes da velha ordem, e o seu efeito tem sido tornar a atracção por uma acomodação ao imperialismo, sobretudo num país como os EUA, ainda mais poderosa.
Falando há vários anos atrás numa importante reunião do Partido – em que ele confrontou directamente e criticou duramente as linhas revisionistas dentro do Partido – Bob Avakian fez as seguintes observações:
Vejamos isto de novo e honestamente. Eu falei sobre ainda estarmos a sofrer os efeitos da perda da China. Não devemos menosprezar essa derrota na China e tudo o que ela gerou, tudo o que os imperialistas fizeram com base nela e ergueram sobre ela. A China, e tudo o que ela representou para o proletariado internacional e a revolução proletária mundial – perdê-la depois da Revolução Cultural [na China], depois de milhões e milhões de pessoas terem passado por essa insurreição, e sim, por um significativo processo de reformulação da sua perspectiva do mundo – é algo com que ainda nos estamos a debater, tanto na realidade objectiva como no nosso próprio pensamento.
Se a isto juntarmos todo o fenómeno da «morte do comunismo» e a constante torrente de anticomunismo e as calúnias e difamações vindas de todas as direcções e sob todas as formas contra a GRCP [a Grande Revolução Cultural Proletária na China], a revolução chinesa e o socialismo na China e, de facto, contra toda a experiência da sociedade socialista e da ditadura do proletariado; se pensarmos no efeito de tudo isto e se formos materialistas e aplicarmos a dialéctica, é muito difícil pensarmos que estamos imunes aos efeitos de tudo isto e que isto só influencia as pessoas de fora do Partido. Mesmo no nosso pensamento e nas nossas almas, se quisermos usar esta expressão, no fundo dos nossos corações, não teremos dúvidas sobre se estávamos errados sobre tudo isto: Por que razão perdemos? Se tivéssemos razão e se aquilo que representamos está tão correcto, porque é que terminou desta forma? Não acho que haja muitos camaradas que possam dizer que não tenham tido essas dúvidas a agonizar dentro deles, provavelmente mais que uma vez.
Nós temos uma resposta a essas coisas, mas vocês têm de escavar mais fundo por essa resposta e de continuar a escavar – e têm de ser científicos. Têm de ir ao materialismo e à dialéctica.
O problema foi que, enquanto Bob Avakian e algumas outras pessoas no Partido tinham vindo a «escavar» desta forma, aplicando a perspectiva científica e o método do materialismo dialéctico, a maioria do Partido, a todos os níveis, não o estava a fazer – e, pelo contrário, em grande medida, estava a «deixar-se comprar» pelas calúnias ao comunismo e a ser arrastado para o que Lenine tão incisivamente identificou como sendo um empenho espontâneo em se colocar sob as asas da burguesia, ideológica e politicamente: recuando para os limites da democracia burguesa e do direito burguês, alinhando atrás das perspectivas que caracterizam o movimento reformista – incluindo a «política de identidade» e filosoficamente o relativismo com ele relacionado (a ideia de que não há uma verdade objectiva, ou que a verdade objectiva não pode ser conhecida com nenhum grau de certeza e que há meramente grupos ou indivíduos diferentes com diferentes «narrativas», todas elas igualmente verdadeiras, ou falsas) – e substituindo a revolução pela reforma como objectivo fundamental.
» O revisionismo no nosso Partido caracterizava-se por traços revisionistas há muito existentes no movimento comunista e que Lenine também expos – e que se consubstanciavam na noção de que «o movimento é tudo, o objectivo final não é nada», e na orientação determinista de que o necessário é o possível e o possível é o que já se está a conseguir. Isto envolvia «escavar» entre as massas no sentido errado – numa base estreita e com uma concepção estreita da luta, com a revolução e o comunismo deixados de lado ou, no máximo, «alinhavados», de uma forma sem significado e sem vida, para o trabalho reformista, e esventrados de qualquer verdadeiro significado e ligação à actividade em curso no Partido – enterrando, de facto, a revolução e o comunismo. Os membros do partido estavam muitas vezes muito ocupados – mas ocupados, ou preocupados, com tudo menos com a revolução e o comunismo.
Essencialmente, isto era uma forma de «economicismo». Historicamente, no movimento comunista, o economicismo tem implicado centrar a atenção da classe operária nas suas próprias condições e lutas imediatas como sendo os «meios mais amplamente aplicáveis» de a vir a conquistar, algum dia, para o socialismo e o comunismo – uma abordagem que Lenine expos e refutou completamente na sua famosa obra Que Fazer?, onde ele mostrou que essa abordagem nunca levará à construção de um movimento revolucionário cujo objectivo seja o comunismo, mas apenas contribuirá para limitar o movimento e as massas nele envolvidas ao quadro do capitalismo. Em oposição a isso, Lenine salientou que, embora seja importante que os comunistas participem e se envolvam nas mais importantes lutas das massas, e mesmo que se esforcem por liderar muitas dessas lutas, eles têm de fazê-lo enquanto comunistas cuja ênfase seja expor as características e a natureza do sistema capitalista, através de agitação e propaganda oportunas e persuasivas, divulgando perante todos as nossas convicções e objectivos comunistas e, desta forma, ligando as lutas e os movimentos em curso ao objectivo da revolução e do comunismo, desviando essas lutas, e as massas populares, do seu empenho espontâneo a se colocarem sob as asas da burguesia e liderando tudo para o objectivo revolucionário. Desde o tempo de Lenine, o economicismo tem vindo a assumir um significado mais lato de aplicação da noção dos «meios mais amplamente aplicáveis» não só às lutas económicas dos trabalhadores mas mais genericamente às lutas entre muitos diferentes estratos da sociedade – fazendo do centro essencial do trabalho comunista a organização dessas lutas e, na realidade, se não sempre em palavras, tratando a perspectiva da revolução e do comunismo como algo abstracto e pertencente a um domínio distante num futuro indefinido, sem qualquer vínculo vivo ao presente e aos movimentos e lutas em qualquer momento dado.
Essencialmente, em vez da orientação do trabalho revolucionário numa situação não revolucionária, fazendo-o acelerar enquanto se espera pelo desenvolvimento de uma situação revolucionária, a receita economicista é: trabalho reformista à espera da revolução – a revolução que nunca chegará e nunca será de facto construída com esta abordagem. O que todas as manifestações de economicismo têm como característica fundamental é estarem a ir atrás das massas, em vez de actuarem como vanguarda para liderarem as massas – aprender com elas, sim, mas liderando-as ao mesmo tempo que se aprende – elevando as suas perspectivas para a possibilidade e a necessidade da revolução e trabalhando e lutando com elas para as conquistar e para que assumam o ponto de vista revolucionário e comunista e lutem pelos seus objectivos emancipadores.
» O economicismo e o revisionismo em geral que cada vez mais estavam a caracterizar o trabalho prático, a vida e a cultura do nosso Partido também foram marcados pelo pragmatismo e pelo empirismo que têm sido tão comuns no movimento comunista (e que nós discutimos acima), bem como pelo agnosticismo em relação a princípios bem estabelecidos do comunismo e mesmo em relação ao desejo e à possibilidade da revolução e do comunismo. O trabalho teórico continuado e as verdadeiras inovações à teoria comunista que o Presidente do Partido, Bob Avakian, estavam a desenvolver não recebiam tanto uma oposição frontal mas em grande parte eram ignorados pela maioria do Partido – ou, nalguns casos, saudados com um também desinteressado «sensacional, intenso» e depois colocados na prateleira a apanhar poeira – porque esse trabalho teórico e as inovações que ele gerou, embora cruciais para os objectivos da revolução e do comunismo, não tinham valor e não eram «úteis» para os que se tinham atolado numa orientação economicista e revisionista.
» Relacionado com a característica anterior, um outro elemento chave do «pacote revisionista» que ganhara muito terreno dentro do nosso Partido foi a abordagem de tratar o comunismo não como uma orientação real e revolucionária – que deve ser constantemente aplicada para mudar o mundo e para a qual as massas populares podem e devem ser conquistadas para a assumirem conscientemente e lutarem activamente por ela – mas, em vez disso, reduzindo o comunismo a um «estilo de vida alternativo». Com este ponto de vista, o Partido estava a tornar-se em apenas mais um nicho oposicionista autovalidado e mais ou menos na moda. Por vezes, esse «estilo de vida alternativo» implicava preocuparem-se atarefadamente a si próprios, e a todas as outras pessoas, saltando de uma luta imediata para a seguinte; por vezes, tomava a forma de satisfação presunçosa e dogmática com (supostamente) serem comunistas, com o seu conhecimento especial da história e o conjunto de éticas (que nunca se conseguiam ligar a ninguém, mesmo que ainda assim o tentassem); por vezes, apenas significava marcar passo e pôr o pensamento crítico no congelador. O trabalho do Partido estava a ser cada vez mais marcado pela abordagem de alimentar as massas, ao mesmo tempo que se mantinha, como província especial dos «iniciados», o que foi descrito como «templo do conhecimento secreto» – tornando o comunismo num dogma inanimado e essencialmente religioso.
Em oposição ao trabalho de Bob Avakian e do jornal e outras publicações e documentos oficiais do Partido, muita da face pública do Partido – as livrarias a ele associadas, por exemplo – tinham o odor bolorento de relíquias do passado, ou então o atarefamento de «centros de movimento» (não revolucionários). As variações a tudo isto podem ter sido muitas, mas a sua fonte e o seu resultado foram o mesmo: o revisionismo.
» Conjugado com tudo isto, estava uma aversão definida, e um evitar estudado, a levar a cabo a luta ideológica com as massas populares, em particular em oposição a concepções e noções religiosas, bem como outros pontos de vista retrógrados que são, de facto, grilhetas e cadeias mentais sobre as massas populares. Isto chegou a ir tão longe como incluir mesmo uma relutância, ou recusa, a assumir os preconceitos e enviesamentos anticomunistas que estão agora tão difundidos mas que, ao mesmo tempo, são tão superficiais.
» Global e fundamentalmente, o que este «pacote revisionista» representava era desistir da revolução: adoptando – mesmo que sem o dizer tão explicitamente de uma forma aberta e por cima da mesa – a atitude era a de que «já vimos toda a revolução que vamos ver». No máximo, a revolução era algo para um futuro distante – ou para outros, noutros lugares – que talvez pudesse ser bem-sucedida no Terceiro Mundo mas, com este ponto de vista revisionista, isso era visto como tendo muito pouca importância para a verdadeira e viva relação com o que o nosso Partido estava a fazer ou deveria fazer (para além de, talvez, se reduzirem a si próprios a «claques» vazias das lutas revolucionárias noutros lugares). Quanto ao Partido e à sua cultura, sob a influência desse revisionismo, o liberalismo ficou fora de controlo e instalou-se uma atitude geral que, em essência, dizia: «Vamos lá, sejamos realistas – de que estão à espera? – não se pode ter neste país um partido que seja realmente uma vanguarda da revolução, que seja realmente merecedor do nome de Partido Comunista Revolucionário.»
A contradição fundamentalmente antagónica e cada vez mais aguda entre estas duas linhas – o tronco em desenvolvimento da obra e do método e abordagem de Bob Avakian e da linha, documentos e publicações «oficiais» do Partido, por um lado, e o «pacote revisionista», com as suas várias características e o conteúdo essencial que aqui esboçámos – desenvolveu-se completamente nos últimos anos: Estas linhas opostas já não podiam coexistir dentro do Partido, ou então essa «coexistência» levaria ao triunfo do revisionismo e ao fim do Partido enquanto forma de verdadeira vanguarda revolucionário-comunista.
O factor que precipitou e levou a uma luta aberta e profunda sobre estas diferenças fundamentais ocorreu num contexto em que o Partido se estava a preparar para levar a cabo uma campanha de construção de uma cultura de valorização, promoção e popularização do papel de Bob Avakian como líder comunista, que se centrava no tronco da sua obra e do seu método e abordagem. Construir essa cultura de valorização, promoção e popularização é agora reconhecido como sendo um dos dois pilares do trabalho revolucionário do nosso Partido (o outro pilar é utilizar a imprensa do nosso Partido – tudo isto é discutido no novo Programa do nosso Partido). Mas, nessa altura, há apenas alguns anos atrás, as discussões sobre isso dentro do Partido revelaram, de uma forma mais clara do que antes tinha sido aparente, que dentro do próprio Partido havia, como refere um recente documento interno do Partido, «uma falta abismal de valorização do que tinha sido de facto o conteúdo principal da obra do Presidente – a sua reconcepção da revolução e do comunismo, a nova síntese.» Como salienta esse documento interno:
O trabalho desta nova síntese decorria nessa altura há 25 anos; mas a linha revisionista estava a afastar-se desse trabalho, primeiro numa não-compreensão e depois, à medida que as coisas se iam desenvolvendo, em oposição objectiva.
Algo de novo estava – e está – a lutar por nascer no mundo; está a lutar tanto contra a sabedoria convencional _e_ o dogmatismo, como contra o reformismo, dos comunistas. Mas isso ou recebia a oposição dos camaradas… ou então era ignorado ou, no máximo, tratado como «interessante». E, quase universalmente, o seu conteúdo não era compreendido (ou era eclecticamente oposto). Na prática, foi tratado como irrelevante. O empirismo comum de que a «teoria não pode estar à frente da prática»… manteve-se essencialmente inquestionável nas nossas fileiras.
Bob Avakian tinha estado a confrontar e a penetrar profundamente nos verdadeiros problemas que tinham levado a que demasiadas pessoas ficassem impossibilitadas de distinguir o marxismo do revisionismo após dez anos de GRCP na China. Isto foi ignorado por muitos camaradas, e alguns ficaram completamente incomodados com isso. O facto de ele ter penetrado profundamente nisso e ter começado a desenvolver respostas a essas questões extremamente irritantes: de novo, receberam oposição – directa ou por «ignorância». Esta [oposição revisionista] significava, objectivamente, «aceitar» a «morte do comunismo» – no facto de ter substituído uma liderança comunista viva e em desenvolvimento, que de facto, lutava (e forjava respostas) para as agonizantes questões de se saber «porque é que perdemos a China» por uma congelada e dogmática fé religiosa.
Nessa altura, a oposição entre as linhas revisionista e comunista no nosso Partido não só se tinha tornado mais integralmente expressa como se tinha tornado centrada clara e nitidamente na questão de saber se se deveria perceber, e corajosamente levar às massas populares, tudo o que é representado pela liderança de Bob Avakian e está concentrado na nova síntese que ele propôs – ou rejeitá-lo e recusar-se a agir quanto a isso. Nestas circunstâncias, os primeiros representavam avançar na via da revolução e do comunismo – porque o papel de Bob Avakian e a sua obra e o seu método e abordagem consistem, acima de tudo, num desenvolvimento do comunismo, como ciência viva e orientação estratégica revolucionária – enquanto a oposição a ela dentro do nosso Partido representava, de uma forma concentrada, recuar para o reformismo e a capitulação ao imperialismo, mesmo que isso fosse feito mantendo o «comunismo» como alguma forma de catecismo religioso e/ou «estilo de vida alternativo».
Reconhecendo inteiramente a seriedade da situação e o que estava em jogo, bem como os seus riscos – e capaz de confiar nessa altura apenas num núcleo muito pequeno dentro da liderança do Partido – Bob Avakian emitiu corajosamente um apelo a uma Revolução Cultural dentro do PCR. Ao mesmo tempo, insistiu em que ela deveria ser uma Revolução Cultural no meio de uma Longa Marcha – salientando, através dessa metáfora, que a transformação radical e a revitalização revolucionária do Partido, que eram o objectivo e o alvo dessa Revolução Cultural, deveriam ser levados a cabo no contexto, e fundamentalmente ao serviço, da transformação do mundo objectivo em geral – o trabalho do Partido, se de facto fosse guiado por princípios e objectivos comunistas e servisse para construir um movimento revolucionário, e não um movimento reformista. Pelas razões que aqui foram discutidas, o ponto focal e a questão cardeal dessa Revolução Cultural eram saber se nos deveríamos basear e levar a cabo activamente a nova síntese e a obra global e o método e abordagem de Bob Avakian, e o progresso na teoria e na estratégia comunistas que isso concentra, ou se nos deveríamos afastar deles e adoptar, em vez disso, uma ou outra variante – ou algum guisado ecléctico – de revisionismo.
Numa palestra no início deste ano a um grupo de membros do Partido, Bob Avakian falou sobre a sua orientação no início desta Revolução Cultural:
Quando eu vi e confrontei as coisas nessa altura, mais ou menos há 5 anos atrás, havia três opções fundamentais quando se tornou claro que, apesar da manutenção do carácter revolucionário-comunista da linha «oficial» do Partido, o Partido estava de facto «saturado» e se caracterizava mesmo pelo revisionismo. As três opções eram:
– aceitar este Partido tal como existia, e na essência desistir do que o Partido é suposto ser;
– sair, e começar um novo Partido;
– ou, desencadear a Revolução Cultural.
Eu achava então, e ainda acho agora, pelas razões que indiquei noutro lado e hoje mais cedo, que esta última escolha era o único caminho correcto e o caminho necessário. Isto é assim por razões que têm a ver com quão precioso é um partido e quão difícil seria criar um novo partido se de facto desistíssemos deste Partido prematura e incorrectamente. Mas, sim, é verdade, não há nada de sagrado em relação a um partido, e se ele não é uma vanguarda revolucionária, então que se lixe! – vamos fazer qualquer outra coisa e conseguir qualquer outra coisa. Mas nessa altura eu achei, e continuo a achar, que não devemos desistir deste Partido a menos que objectiva e cientificamente tenhamos indícios claros de que não há nenhuma esperança de transformar de facto este Partido no que ele precisa de se tornar.
Esta Revolução Cultural não era uma purga, mas sim uma luta – uma luta ideológica cujo objectivo e método eram, não visar indivíduos, mas comparar e contrastar a linha revolucionária com a linha revisionista e, dessa forma, enraizar as bases do Partido, e os seus membros, na linha revolucionária, ao mesmo tempo que expor, criticar e romper com a linha revisionista – reavivar e dar um ainda maior ímpeto à orientação dos membros do Partido, a todos os níveis, como revolucionários e comunistas, para o basear mais firmemente num método e numa abordagem comunistas científicas e salvar e revitalizar o Partido no seu todo como verdadeira vanguarda revolucionário-comunista capaz e determinada a assumir as suas responsabilidades enquanto tal, e não menos que isso. O curso e a natureza desta Revolução Cultural, durante os cinco ou mais anos desde o seu início, foram complexos e por vezes intensos. Envolveu várias voltas e reviravoltas e requereu repetidas e profundas lutas ideológicas para provocar uma ruptura de fundo, da parte dos membros do Partido e do Partido no seu todo, com o revisionismo e um salto para se tornarem – uma vez mais, e numa base mais profunda – comunistas e a vanguarda comunista que nos é exigido sermos e que agora estamos decididos a ser. Foi marcada por diferentes fases, tendo havido um avanço decisivo nas suas fases iniciais, quando a liderança do Partido se uniu colectivamente, em termos fundamentais, em torno da linha revolucionária e da liderança de Bob Avakian no desenvolvimento e na luta por essa linha, e nessa base aprofundou a sua determinação e capacidade de levar a cabo esta Revolução Cultural para derrotar o revisionismo e salvar e revitalizar o Partido enquanto vanguarda revolucionário-comunista.
Como seria de esperar de uma luta desta magnitude e com estas implicações, o processo da Revolução Cultural no nosso Partido foi um processo que envolveu uma divisão com os que estavam disposto a fazer a paz com o imperialismo e os seus monstruosos crimes, mesmo que por vezes ainda se chamassem comunistas ou exprimissem o desejo de que um mundo melhor podia ser criado, desde que não tivessem de assumir nenhuma responsabilidade por essa luta e enfrentar os sacrifícios que de facto seriam exigidos para a tornar realidade. Algumas pessoas recusaram-se, ou acharam-se impossibilitados, de romper com o revisionismo e por isso afastaram-se (ou foram levados a afastar-se) do Partido. Na sua maioria, com algumas excepções17, os que deixaram o Partido fizeram-no na base de insistirem em que não acreditavam que a revolução fosse possível – pelo menos não neste país, e não em qualquer período de tempo significativo – enquanto alguns reconheceram mesmo que já não consideravam a revolução e o comunismo desejáveis. Na realidade, o que isto significa não é que a revolução não é possível e o comunismo não é desejável, mas que a vontade revolucionária e a orientação comunista dessas pessoas se tinha degenerado e que – ao contrário dos que se manifestaram no decurso da Revolução Cultural no nosso Partido e que uma vez mais e mais profundamente se entregaram à causa do comunismo – os que viraram as costas ao Partido e à revolução reconheciam que esta revolução e o seu objectivo do comunismo requerem, mas eles não estão dispostos a fazê-lo, «um trabalho árduo, um trabalho arriscado e um trabalho frequentemente impopular e ‘contra a maré’ para o tornar realidade.»18 Eles já não satisfaziam o critério básico descrito no Programa do nosso Partido (Parte II. Princípios de Organização):
O Partido Comunista Revolucionário, EUA, é constituído por pessoas que se juntaram para ajudar a cumprir a maior necessidade que a humanidade enfrenta: fazer a revolução, como primeiro passo para o comunismo. Elas dedicaram toda a sua vida a isso – com grande seriedade e grande amor; com grande determinação e grande paixão.19
No seu aspecto principal e mais essencial, o resultado da Revolução Cultural dentro do nosso Partido foi uma verdadeira revitalização da perspectiva revolucionária e comunista, dos objectivos, do espírito e da cultura do Partido – um Partido que enfrenta directamente, e confronta cientificamente, as complexidades, as dificuldades e os perigos, bem como a inspiração, de fazer tudo o que puder para trabalhar pela revolução neste país e contribuir o máximo que puder para essa mesma causa em todo o mundo, tudo isto com vista ao objectivo final do comunismo. E a luta continua, numa nova base, dentro do Partido para fortalecer ainda mais, e aprofundar, o seu carácter e as suas bases revolucionárias, no contexto de levar a cabo vigorosa e criativamente o trabalho revolucionário, com base no que é de facto a linha revolucionário-comunista deste Partido.
Durante todo um período de tempo, o nosso Partido sofreu – embora as massas populares que tinham olhado para o Partido e as massas populares num sentido mais lato cujos interesses objectivos estão na revolução comunista, também tenham sofrido – como resultado do revisionismo que tinha ganho uma crescente influência dentro do nosso Partido e que era alimentado, e por sua vez fortalecido, pela tendência para adoptar um balanço e abordagens incorrectas à situação em que a primeira etapa da revolução comunista tinha terminado com a restauração do capitalismo na China, e os imperialistas, velhos e novos, estavam numa ofensiva para se aproveitarem dessa situação para saquearem o mundo de uma forma ainda mais desapiedada e levarem a cabo uma inflexível guerra ideológica e política na tentativa de demolirem qualquer respeito que restasse pelos grandes feitos que na realidade tinham sido realizados nessa primeira etapa do socialismo e desacreditarem a ciência revolucionária do comunismo que trouxe à luz do dia a possibilidade e deu uma orientação à luta do mundo real que tornou possível essas grandes realizações. No decurso da Revolução Cultural no nosso Partido, nós emergimos muito mais fortes e unidos a um nível muito mais elevado, ideológica e politicamente, bem como organizativamente, mais firmemente fundados na ciência do comunismo, tal como ele foi ainda mais desenvolvido pela nova síntese proposta por Bob Avakian e com a sua compreensão como ciência viva que temos de continuar a aplicar e a desenvolver ainda mais, de uma forma contínua e através de uma luta contínua.
Nós pagámos um preço por nos termos mantido fiéis aos princípios e objectivos comunistas e por nos recusarmos a abandonar a via da revolução para os muito gastos rodados do reformismo – que, alegam eles, é mais «realista» e, de alguma forma, vai «funcionar» – quando a amarga experiência tem mostrado, inúmeras vezes, que só pode «funcionar» para manter as pessoas dentro dos mortais limites do domínio burguês e da opressão capitalista. Mas, tendo pago esse preço, estamos agora mais preparados para assumir as grandes responsabilidades que temos de assumir, mais determinados a elevarmo-nos para as grandes necessidades que enfrentamos – para trabalharmos activamente pela revolução aqui, com base na nova síntese proposta por Bob Avakian, para fazermos tudo o que fazemos de uma forma activa e contribuirmos significativamente para esse objectivo revolucionário e lutarmos como um todo para essa mesma compreensão e orientação no movimento comunista mundial.
Integralmente conscientes dos verdadeiros problemas e riscos que podem estar envolvidos ao fazê-lo, estamos a tornar a nossa experiencia – e o que viemos a perceber, de uma forma mais profunda e firme, com essa experiencia – conhecida de outros, no movimento comunista e de uma forma mais ampla, devido às suas profundas lições e à sua grande importância para toda a nossa causa. A nossa experiência, particularmente através da Revolução Cultural no nosso Partido, elevou grandemente a nossa compreensão do que significa para as massas oprimidas, aqui e em todo o mundo, e para o futuro da humanidade, que este Partido não tenha sido derrotado e destruído – que não só tenha perseverado mas que tenha conseguido uma verdadeira revitalização e fortalecimento, ideológica e politicamente e em termos de abordagem estratégica revolucionária e orientação comunista e uma determinação cientificamente fundamentada para trabalhar infatigavelmente para tornar essa compreensão numa realidade poderosa e viva das massas populares que lutam conscientemente pela revolução, sim, nesta mais poderosa de todas as potências imperialistas, em unidade com as pessoas que fazem o mesmo em todo o mundo. Como escreveu recentemente o nosso Presidente, Bob Avakian:
É desta forma, é nesta base científica e através da aplicação deste método e abordagem científicos, que podemos, e devemos, ter um espírito de conquista – e uma orientação de (indo buscar inspiração a um verso de um poema de Yeats) intensidade apaixonada – pela revolução e pelo comunismo.20

VII.
Conclusão: Um desafio e um apelo

Nós acreditamos no que aqui dissemos e acreditamos no que dizemos na Conclusão do Programa do nosso Partido:
O Partido Comunista Revolucionário, EUA, assumiu a responsabilidade de liderar a revolução nos EUA, nas entranhas da besta imperialista, como sendo a sua principal quota-parte da revolução mundial e do objectivo final do comunismo. Isto é um grande e histórico projecto – e todos os que anseiam por vê-lo acontecer devem unir-se a esta vanguarda e apoiá-la, trabalhando em conjunto com o partido, recolhendo apoios e, com base no abraço à causa e ao ponto de vista do comunismo, aderindo a ele.
A emancipação de toda a humanidade: é este, e nada menos que isso, o nosso objectivo. Não há nenhuma causa maior, nenhum fim maior ao qual possamos dedicar as nossas vidas.21
Tudo o que aqui dissemos, e o que expusemos sinceramente, em termos directos e não embelezados, deve dar um significado e uma ênfase ainda maiores ao apelo às pessoas que partilham, ou respeitam, a nossa determinação em criar um novo mundo, sem exploração nem opressão, para que se juntem na ajuda e no apoio a este Partido.
Para os revolucionários e os comunistas em todos os lugares, para todos os que têm sede de um outro mundo, radicalmente diferente e muito melhor: Não nos deixem recuar e entrincheirar no passado, sob qualquer forma – façam com que, em vez disso, avancemos corajosamente rumo ao objectivo do comunismo e da emancipação da humanidade de milhares de anos das grilhetas da tradição.

 

NOTAS

1 Marx a Kugelmann, 1868, citado em Raymond Lotta com Frank Shannon, America in Decline, An Analysis of the Developments Toward War and Revolution, in the U.S. and Worldwide, in the 1980s [América em Declínio, Uma Análise dos Desenvolvimentos Rumo à Guerra e à Revolução, nos EUA e no Mundo, nos Anos 80], Vol.1, Banner Press, Chicago, 1984, pág. 10. [regressar]
2 Para uma análise mais completa da relação entre a opressão dos negros e o desenvolvimento histórico do capitalismo e do imperialismo norte-americano, ver Bob Avakian, Communism and Jeffersonian Democracy [Comunismo e Democracia Jeffersoniana], RCP Publications, Chicago, 2008; também disponível online em revcom.us. [regressar]
3 Constitution of the Revolutionary Communist Party [Programa do Partido Comunista Revolucionário], RCP Publications, Chicago, 2008, Preâmbulo: Princípios Básicos do Partido Comunista Revolucionário, EUA, pág. 2, ênfase no original. Este Programa também está disponível online em revcom.us. [regressar]
4 “Making Revolution and Emancipating Humanity” [«Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade»], Partes 1 e 2. Está disponível em revcom.us e em Revolution and Communism: A Foundation and Strategic Orientation [Revolução e Comunismo: Um Princípio e Uma Orientação Estratégica], um folheto do jornal Revolution/Revolución, 1 de Maio de 2008. O livro de Ardea Skybreak aqui referido é The Science of Evolution and the Myth of Creationism—Knowing What’s Real and Why It Matters [A Ciência da Evolução e o Mito do Criacionismo – Conhecer o que é Real e Porque é Que Isso é Importante], Insight Press, Chicago, 2006. [regressar]
5 Noutros lugares, através do trabalho do Presidente do nosso Partido, Bob Avakian, e dos esforços de outros que se inspiram e se orientam pela sua obra e pelo seu método e abordagem, foi feito um considerável balanço – e mais balanços continuam a ser feitos – tanto dos feitos muito reais, e verdadeiramente sem precedentes, como dos secundários mas mesmo assim significativos, e de algumas formas bastante sérios, erros e insuficiências da União Soviética, bem como da China, quando ainda eram países socialistas. Ver, por exemplo, Bob Avakian, Conquer the World? The International Proletariat Must and Will [Conquistar o Mundo? O Proletariado Internacional Deve e Fará], publicado como nº 50 da revista Revolution, Dezembro de 1981, e disponível online em revcom.us, e “The End of a Stage, the Beginning of a New Stage” [«O Fim de uma Etapa, o Início de uma Nova Etapa»], na revista Revolution nº 60, Outono de 1990; ver também thisiscommunism.org, a página internet do projecto Set the Record Straight [Repor a Verdade]. [regressar]
6 Além de outras fontes que referimos sobre a experiência da revolução comunista e da sociedade socialista, para consultar um importante balanço das contribuições de Marx, Lenine e Mao para o desenvolvimento da ciência do comunismo e da estratégia da revolução comunista, ver o Apêndice: O Comunismo enquanto Ciência do Programa do Partido Comunista Revolucionário, EUA. [regressar]
7 O fim formal da União Soviética, no início dos anos 90, ocorreu mais de três décadas depois de o socialismo ter sido derrubado de facto e de o capitalismo ter sido restabelecido nesse país em meados dos anos 50. Desde essa altura que a União Soviética se tinha tornado, como Mao Tsetung a identificou, social-imperialista, ou seja, socialista no nome mas capitalista-imperialista de facto e nos actos, embora fosse uma forma de imperialismo capitalista em que o estado era o eixo decisivo e o elemento central da economia. Contudo, embora sendo capitalista nessa altura, a União Soviética, enquanto potência social-imperialista, continuou a ser um formidável rival dos EUA e do seu bloco imperialista; e, ironicamente, quando a União Soviética e o seu império se desmembraram literalmente nos anos 90, isso foi aproveitado pelos apologistas e «triunfalistas» do capitalismo-imperialismo «clássico ocidental» e proclamado como mais uma derrota do comunismo e como «prova» de que o socialismo é uma monstruosidade descontrolada e irrealizável. Para uma análise da verdadeira experiência da sociedade socialista, na União Soviética e na China – as transformações historicamente sem precedentes e libertadoras levadas a cabo nesses países quando ainda eram socialistas, e os problemas, insuficiências e erros muito reais, ver thisiscommunism.org, a página Web do Projecto Set the Record Straight [Repor a Verdade]. [regressar]
8 Os que alegam que a experiência do movimento comunista, e das sociedades socialistas que trouxe à luz do dia, mostra as limitações e, em última análise, a bancarrota daquilo a que chamam o «paradigma do partido-estado», têm tirado conclusões essencialmente erróneas e enganadoras que ecoam a «sabedoria convencional» propagada pelos capitalistas e pelos seus seguidores no campo intelectual e introduzida na cacofonia das suas exaltações anticomunistas (cujo tom e violência em última análise não significam nada… ou nada de positivo). Nos próximos meses e anos – incluindo através de um jornal teórico online, bem como do jornal do nosso Partido, o Revolution/Revolución, e de outro veículos – iremos escavar mais profundamente, dissecar e refutar teorias como estas e a perspectiva e o método que eles representam. Deixem-nos declarar aqui muito claramente que, sem esse dito «paradigma partido-estado» – por outras palavras, sem um poder de estado para os ex-explorados, que permita abolir toda a exploração e extirpar todas as relações de opressão em todo o mundo, e sem uma vanguarda que lidere esse processo – não será possível sequer chegar próximo de se enfrentar, já para não falar em resolver, as profundas e complexas contradições que têm de ser enfrentadas para se fazer nascer um mundo radicalmente diferente. Abandonar e atacar esse «paradigma» é, pelo menos objectivamente e independentemente de quais sejam as intenções professas, abandonar e minar o objectivo, e a luta por se atingir esse objectivo, de se demolir e, por fim, se libertar do sistema que perpetua os horrores demasiado reais que agora punem e assombram diariamente a humanidade e que constituem, de facto, uma ameaça muito real à continuação da sua existência. É isto que a experiência do movimento comunista – e, de facto, a experiência histórica da sociedade humana em geral – efectivamente mostra, quando examinada e analisada com uma perspectiva e um método científicos. [regressar]
9 Ver, por exemplo, Bob Avakian, The Loss in China and the Revolutionary Legacy of Mao Tsetung [A Perda da China e o Legado Revolucionário de Mao Tsetung], texto de uma intervenção de Bob Avakian feita nas Reuniões Comemorativas Mao Tsetung, Publicações RCP, Chicago, 1978, e Mao Tsetung’s Immortal Contributions [As Contribuições Imortais de Mao Tsetung], Publicações RCP, Chicago, 1979. [regressar]
10 Ver “Re-envisioning Revolution and Communism: What IS Bob Avakian’s New Synthesis?” [«Revendo a Revolução e o Comunismo: O que É a Nova Síntese de Bob Avakian?»], disponível online em revcom.us. [regressar]
11 “Making Revolution and Emancipating Humanity” [«Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade»] (Parte 1), disponível online em revcom.us; também incluído em Revolução e Comunismo: Uma Base e uma Orientação Estratégica, um panfleto Revolution/Revolución – a citação feita neste texto encontra-se na pág. 27 desse panfleto. [regressar]
12 Bob Avakian, Conquer the World? The International Proletariat Must and Will [Conquistar o Mundo? O Proletariado Internacional Deve e Fará], publicado como nº 50 da revista Revolution, Dezembro de 1981, Publicações RCP, Chicago. Para uma apresentação dos aspectos essenciais do desenvolvimento feito por Bob Avakian do conteúdo e da base científica do internacionalismo comunista, ver (além de Conquistar O Mundo?) “Advancing the World Revolution: Questions of Strategic Orientation” [«Fazer Avançar a Revolução Mundial: Questões de Orientação Estratégica»], originalmente publicado na revista Revolution, Outono de 1984, disponível online em revcom.us. [regressar]
13 “Making Revolution and Emancipating Humanity” [«Fazer a Revolução e Emancipar a Humanidade»] (Parte 1), disponível em revcom.us e incluído em Revolução e Comunismo: Uma Base e uma Orientação Estratégica, um panfleto Revolution/Revolución – a citação feita neste texto é das págs. 36-37 desse panfleto. [regressar]
14 O Programa do nosso Partido, no seu Apêndice: O Comunismo como Ciência, explica que o direito burguês se refere à:
forma como as relações que continuam a existir entre mercadorias e as desigualdades deixadas pelo capitalismo, dentro da própria sociedade socialista, se reforçam mutuamente umas às outras, e se reflectem na superstrutura – as instituições políticas e as formas de pensamento, cultura e por aí adiante – e como tudo isto coloca obstáculos à continuação do avanço revolucionário no socialismo e deve ser restringido e depois ultrapassado como parte crucial da luta para impedir a restauração capitalista e atingir o objectivo final do comunismo. [regressar]
15 Uma explicação concisa das ilusões da democracia «pura» e «sem classes» e uma explicação da verdadeira relação entre democracia e ditadura – de tipos fundamentalmente diferentes – encontra-se na seguinte declaração de Bob Avakian:
Num mundo marcado por profundas divisões de classe e desigualdades sociais, falar em «democracia» – sem referir a natureza de classe dessa democracia e que classe ela serve – não faz sentido, ou ainda pior. Enquanto a sociedade estiver dividida em classes, não pode haver «democracia para todos»: uma ou outra classe dominará, apoiando e promovendo o tipo de democracia que servir os seus interesses e objectivos. A questão é: que classe dominará e se o seu domínio, e o seu sistema de democracia, servirá a continuação, ou a eventual abolição, das divisões de classe e das correspondentes relações de exploração, opressão e desigualdade. (Citado no Programa do Partido Comunista Revolucionário, EUA, ênfase no original; também pode ser obtido em revcom.us.) [regressar]
16 No actual período, alguns comunistas, antigos comunistas e «companheiros de viagem» do comunismo têm evocado uma mistura ecléctica de escolasticismo, agnosticismo e relativismo que é oposta, nalguns casos consciente e explicitamente, à nova síntese proposta por Bob Avakian e, em todo o caso, à perspectiva, à metodologia e aos objectivos fundamentais do comunismo. Quem promove essa teoria alega que não há um enquadramento teórico adequado para explicar, clarificar e retirar as lições apropriadas da experiência passada do movimento comunista e para guiar uma prática que evite os erros do passado, tal como essas pessoas os (des)interpretam. Por isso, continua essa teoria, devemos empregar os nossos esforços no que só pode significar actividades sem fim e sem objectivos para descobrir, num domínio totalmente divorciado da prática revolucionária guiada por princípios comunistas, o enquadramento teórico necessário. Isto é muitas vezes acompanhado por uma defesa, se não mesmo pelo levar a cabo, de um trabalho prático e uma luta com uma base muito estreita e do tipo mais reformista – um outro ingrediente dessa mistura ecléctica. Tudo isto serve, pelo menos objectivamente, como racionalização para uma desistência, uma retirada ou simplesmente uma permanência distanciada na verdadeira luta revolucionária – uma luta guiada pela teoria e pelos princípios comunistas que, de facto, podem ser, têm sido e estão a ser desenvolvidos, numa relação dialéctica com a prática, num sentido lato e não restrito – uma luta com um conteúdo revolucionário e não reformista.
Não é surpreendente, sobretudo num país imperialista altamente parasitário – um imperialismo que vitima literalmente o mundo e milhares de milhões dos seus habitantes – que surja esta orientação e abordagem escolástica, relativista e agnóstica, mesmo que com uma tonalidade mais ou menos comunista, e que encontre alguma receptividade sobretudo entre os estratos mais privilegiados, e especificamente entre a intelligentsia. Porque, enquanto alguém puder continuar a defender que falta um enquadramento teórico adequado, pode continuar a convencer-se a si mesmo de que não há nada de errado em se recusar a comprometer-se com a verdadeira luta pelo comunismo, um compromisso e uma luta que poderiam forçá-lo a afastar-se daquilo que é, afinal de contas, a não tão desconfortável existência de um académico na cidadela imperialista mais rica e mais poderosa do mundo. Aquilo a que se está a objectar aqui é definitivamente não o papel de um académico intelectual per se, nem a debater-se no domínio da própria abstracção teórica – que pode ser uma importante área de experimentação e onde se pode de facto fazer valiosas contribuições, e de várias formas, para a causa do comunismo, mesmo quando isso não envolve directamente as áreas da política e da filosofia política. Em vez disso, o que está a ser identificado, e duramente criticado, é o fenómeno de se tornar em princípio uma abordagem à teoria abstraída da prática revolucionária e em oposição à perspectiva e abordagem comunista científica, dialéctica e materialista à relação entre teoria e prática, tal como ela tem sido discutida aqui. E nós sentimos a necessidade de exprimir a nossa impaciência com um certo tipo de penugem francamente ininteligível e auto-conscientemente ofuscadora que se faz passar, e que demasiadas vezes passa, por pensamento radical nos círculos académicos, por vezes mesmo mascarada de Marxismo. [regressar]
17 Uma excepção ao padrão geral dos que saíram do Partido com base num abandono mais ou menos aberto da revolução é a de um grupo amalgamado que simplesmente não se contentou em capitular face ao imperialismo mas que se estabeleceu como pequena cabala de «críticos parasitas» fora do Partido, procurando fabricar «grandes racionalizações» para essa capitulação lançando ataques muito sem princípios ao nosso Partido e à sua liderança – e em particular ao nosso Presidente Bob Avakian – fornecendo intrigas e insinuações, calúnias e distorções grosseiras da linha e do trabalho do nosso Partido, e mesmo fazendo apelos grosseiros ao anticomunismo, tudo isto ao mesmo tempo que ainda aparentem, por enquanto, apoiar a revolução e o comunismo (embora também essa aparência vá muito provavelmente ser abandonada muito em breve). Embora objectivamente isto represente um fenómeno secundário, há algumas coisas que caracterizam estes «críticos» que podem servir de professores úteis como exemplo negativo.
Primeiro, as posições e os pontos de vista que eles estão agora a defender têm a virtude (se assim puder ser chamada) de apresentar, de uma forma bastante completa, precisamente os tipos de linhas revisionistas que foram identificadas, escavadas, desacreditadas e derrotadas no decurso da Revolução Cultural no nosso Partido – linhas cujas características aqui esboçámos ao discutir o «pacote revisionista» que emergiu em oposição à linha revolucionária dentro do nosso Partido.
Segundo, os antigos membros do Partido que se afastaram e iniciaram esta pequena cabala forneceram um exemplo de manual escolar da natureza do oportunismo político e ideológico, incluindo o facto de se terem recusado a levar a cabo uma luta com princípios sobre as suas diferenças enquanto estavam no Partido. Uma tal conduta está em contradição e em violação do facto de que é um princípio básico de uma organização comunista, e tem sido desde o início um princípio explícito do nosso Partido, que os membros do Partido não só têm o direito mas a responsabilidade de elevarem diferenças com a linha e a política do Partido, de uma forma aberta e por cima da mesa, através dos canais apropriados do Partido. Além disso, no decurso da Revolução Cultural no nosso Partido, todos os membros do Partido foram chamados num certo momento a reflectir seriamente sobre o seu compromisso com o Partido, os seus princípios e objectivos comunistas e o conteúdo e os objectivos da Revolução Cultural no Partido e se – mas apenas se – estivessem firmes nesse compromisso, rededicarem-se a ele. E é de salientar que um certo Mike Ely, que está agora a tentar apresentar-se como uma espécie de «peixe graúdo» nessa pequena lagoa estagnada de «críticos parasitas», tenha de facto feito de novo essa rededicação nessa altura – uma vez mais sem levantar quaisquer objecções ou diferenças relativamente à linha do Partido e aos objectivos e ao decorrer da Revolução Cultural dentro do Partido.
Dado que ficou agora muito claro que ele tinha discordâncias com a linha fundamental do Partido – não só nos últimos anos, durante o período em que a Revolução Cultural decorreu dentro do Partido, mas que vinham de muito antes disso – põe-se naturalmente a questão: porque é que esse indivíduo permaneceu no Partido todo esse tempo, ao mesmo tempo que se recusava a levantar qualquer discordância substantiva ou levar a cabo uma luta aberta e por cima da mesa em torno de aspectos importantes da linha do Partido com que ele claramente tinha divergências fundamentais durante todo esse período? A resposta óbvia é que ele permaneceu no Partido, enquanto ao mesmo tempo escondia as principais diferenças, na tentativa de usar o Partido como veículo para a sua própria linha oportunista. Evidentemente, em resultado da apropriação pelo revisionismo das nossas fileiras, durante muitos anos ele achou possível levar a cabo o seu «estilo de vida alternativo» dentro do nosso Partido, pretendendo uma unidade e fazendo mais ou menos tudo o que quis, dado o excessivo liberalismo que fazia parte da linha revisionista e da cultura que ela promovia dentro do nosso Partido. Foi apenas à medida que a Revolução Cultural continuou a ser levada avante, e que o terreno para o revisionismo estava a ficar cada vez mais limitado, que ele achou mais difícil continuar a impor uma linha oposta, ao mesmo tempo que fingia estar de acordo com o Partido. Então, o que é que ele fez? Abandonou abruptamente o Partido, procurou outras avenidas para exprimir o seu oportunismo e desencadeou os seus ataques sem princípios ao Partido e à sua liderança. Antes de deixar o Partido, será que ele esgotou – ou sequer tentou utilizar – os meios que existem dentro do Partido para levantar e lutar sobre as diferenças de uma forma com princípios? Será que ele, antes de abandonar, escreveu um texto em que exprimisse as suas diferenças e o fez chegar, através dos canais do Partido, à direcção do Partido? Será que ele pediu uma reunião com a direcção do Partido para exprimir e discutir essas diferenças? Não. Pelo contrário, ele agiu em completa violação dos princípios do comunismo e, de facto, de forma oposta a qualquer pessoa com qualquer sentido básico de integridade.
Este tipo de conduta não é surpreendente da parte dessa pessoa, não só por causa da sua linha política e ideológica oportunista em geral mas também porque, sobretudo assim que a Revolução Cultural foi lançada e começou a ganhar ímpeto dentro do nosso Partido e as perspectivas dos membros do Partido começaram a ser elevadas a questões cruciais de linha ideológica e política e, para lutar com essas linhas com ciência e substância, será que ele tentou, enquanto ainda estava no Partido, utilizar o tipo de métodos «tablóide» que tem usado desde que deixou o Partido – insinuações, intrigas, «revelações de informação interna» e por aí adiante – isso não só teria sido imediatamente reconhecido, dentro do Partido, como distorção grosseira e absurda e como violação descarada dos princípios comunistas, mas também teria sido identificado como parte de um oportunismo mais global e ter-lhe-ia sido exigido que abandonasse esse tipo de métodos sem princípios e que, em vez disso, se empenhasse, de uma forma séria, nas questões cruciais de linha que estavam em jogo nessa Revolução Cultural e defendesse, através de meios substantivos e com princípios, as linhas que ele obviamente defendia em oposição à linha revolucionária do Partido. E ele teria falhado miseravelmente ao tentar fazê-lo, porque uma vez mais essas linhas teriam sido claramente reconhecidas como representantes do mesmo «pacote» que o Partido, e os seus membros, estavam cada vez mais a identificar como revisionista e contra o qual estavam a levar a cabo uma luta ideológica.
Como dissemos, no decurso de uma importante luta de classes – e que é o que tem sido esta Revolução Cultural no nosso Partido: uma luta de classes crucial, no domínio ideológico – as coisas e as pessoas estão destinadas a dividir-se. O nosso Partido, tendo levado a cabo esta luta com base em princípios, centrando-se em questões de linha ideológica e política e tendo procurado ganhar tanta gente quanta possível para a linha revolucionária, sem ter assumido compromissos com o revisionismo, fortaleceu-se enormemente na sua perspectiva e orientação comunistas e na sua capacidade para levar a cabo a sua responsabilidade revolucionária; e, nesta base, estamos bem livres de oportunistas como os que estão nessa pequena cabala de «críticos parasitas». E, embora a linha desses oportunistas esteja totalmente falida, o nosso Partido, e o movimento revolucionário que estamos decididos a construir, e a liderar, será fortalecido à medida que as pessoas comparem e contrastem a linha objectivamente contra-revolucionária desses oportunistas, e o papel que eles estão a desempenhar, com a linha revolucionário-comunista e o trabalho do nosso Partido.
(Em relação a isto, ver «Stuck in the ‘Awful Capitalist Present’ or Forging a Path to the Communist Future?, A Response to Mike Ely’s Nine Letters» [«Ficar Atolados na ‘Terrível Actualidade Capitalista’ ou Forjar uma Via para o Futuro Comunista?, Uma Resposta às Nove Cartas de Mike Ely»], escrito por um grupo redactorial do PCR, disponível online em revcom.us.) [regressar]
18 Constitution of the Revolutionary Communist Party, USA [Programa do Partido Comunista Revolucionário, EUA], II. Princípios de Organização, Artigo 1 – Membros, pág. 18; também disponível online em revcom.us. [regressar]
19 Constitution of the Revolutionary Communist Party, USA [Programa do Partido Comunista Revolucionário, EUA], II. Princípios de Organização, pág. 15; também disponível online em revcom.us. [regressar]
20 Bob Avakian, Communism and Jeffersonian Democracy [Comunismo e Democracia Jeffersoniana], RCP Publications, Chicago, 2008; esta obra também está disponível online em revcom.us. [regressar]
21 Constitution of the Revolutionary Communist Party, USA [Programa do Partido Comunista Revolucionário, EUA], Conclusão, pág. 24; também disponível online em revcom.us. [regressar]

Posted in Uncategorized | Leave a comment